sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Além da porta (*)

Uma porta que não se abre nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca… nunca. Nunca é um tempo muito longo e eu estava lá em frente desta porta e continuava a chover, chover, chover e eu parado dentro da chuva. O maço de cigarro que antes estava molhado agora se encontrava encharcado de dar dó, irremediavelmente molhado e tudo o que eu queria era entrar para podermos juntos tomar o conhaque e assim, em algum momento da noite esta friagem úmida - que me entorpecia a alma e os ossos - parasse de me castigar, esta era a minha esperança. Mas a porta continuava lá, impávida e colosso e eu insistia batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo e ela parada minando a minha esperança sem nunca abrir nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca… nunca. Os pulsos castigados pela ação insana mostravam já sinais de fadiga, a pele delicada se tornara vermelha e dói uma dor que não vem do corpo, mas um sofrimento que vem do ser antes do ego, numa pré-existência. Chovia, chovia, chovia e eu lá parado, dentro da chuva esperando que a porta se abrisse. Sou insano, pensei num momento de lucidez. E fui pensando que ele iria pensar que sou insano e não queria que ele pensasse que sou, mas sou. De nada adianta saber tantas coisas, de nada adianta, nada nada nada nada nada… minha vida é um nada, pensei com o coração condoído. Não quero que ele pense que minha vida é um nada, apesar de ser. Não quero, não quero, mas ela é. Chovia, chovia, chovia e eu lá parado. Escurecia e a porta continuava o que sempre foi, quieta, impossibilitando de concretizar a minha esperança de afinal sair do sofrimento e da dor. Chovia e parecia que estava vivenciando um sonho um pesadelo uma experiência metafísica, sei lá. Não sei de nada e não quero que ele pense que não sei nada mesmo sabendo que não sei. O breu da noite me envolveu completamente enquanto chovia. Será que estou vivendo um pesadelo? Será que esta porta realmente existe? Será que morri? E se morri não sei onde estou. Ah, pensei encostando com a cabeça na porta sem deixar de continuar a bater, seria tão bom se ele estivesse ali para abrir aquela bendita porta! Minhas pernas entorpecidas pelo frio pela chuva pela umidade pela friagem e pela vida não eram confiáveis, não se confia em que não merece confiança. Não quero que ele pense que minhas pernas não são confiáveis e elas não são. Não sei o que quero, quero – talvez – que ele me veja mas não muito profundamente apenas na superfície de um prato raso onde se possa colocar um morno leite para se dar a um gato.

(*) Inspirado no texto de Caio Fernando Abreu: Além do ponto. Este texto é o resultado de um exercício que fiz. A professora pediu que continuássemos o texto do Caio e o resultado foi a história acima.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

João Valentão (*)

João Valentão. Este era o seu nome. Conhecido pelas redondezas e também pelas bandas de lá e de cá, sua fama corria estrada, chegando até onde a vista não alcança. Desde pequeno, quando ajudava o portuga do armazém a descarregar sacos de batata e de farinha, já mostrava seu dom para a briga. Com a lida de carregar peso, os músculos cresceram e também sua valentia, tornando-o uma figura notória. Bastava ele chegar para que a conversa diminuísse, quem estivesse por perto logo ficava pianinho, não importava se era doutor, juiz, padre ou sacristão. Qualquer mortal tremia na base quando aquele negro, de quase dois metros de altura e com um peito de remador, concentrava seu olhar avermelhado e penetrante em cima do dito cujo.
Moça de família não se atrevia a olhar mais do que duas vezes para sua figura lendária. Mesmo as meninas da Luz Vermelha tinham medo quando ele chegava à casa da polaca Madame Fifi, que tinha um falso sotaque francês. Elas temiam ir para cama com ele e fazer alguma coisa que desagradasse, mas também tinham medo de recusar carinhos e padecer pela ofensa praticada. Quando ele ia ao local uma tensão pairava no ar e quem fosse a escolhida era olhada com compaixão pelas outras. Afinal, a infeliz teria que se deitar com o diabo em forma de gente.
Contudo, vida de valentão não é fácil não, seu moço. Posso garantir. Não é sem esforço. É como minha avó sempre dizia: Cria fama, deita na cama. Fazer sucesso não é simples, mas se manter no topo, ah, isso sim é muito difícil. Volta e meia aparecia algum filho de uma boa mãe querendo medir força com ele. Com seus bíceps de aço, que tinham a circunferência de três palmos de mão de um homem adulto, João sempre conseguia uns trocados extras em disputa de queda de braço. Isso enchia de coragem aqueles que não tinham valentia suficiente para xingar o valentão, chamando para uma briga, tendo uma atitude de homem. Então apostavam com ele uma queda de braço. João sabia que quando perdesse uma queda de braço, seria o início do fim do seu reinado naquelas bandas de meu Deus. João Valentão não tinha ilusão de que se não fosse por sua força e cara de anjo caído, seria apenas mais um João, pobre, analfabeto de pai e mãe, comendo quando Deus quisesse e padecendo de frio. Um esquecido. Por isso, quando algum homem aparecia querendo enfrentá-lo, João Valentão logo sentia o peito oprimir, não importando se o cabra em questão fosse parrudo ou não. João tinha medo de perder o poder e se transformar em apenas um simples João.
Como tudo aquilo de que se tem um grande medo normalmente se concretiza, materializando os mais temidos pesadelos, um dia surgiu um adversário para o valentão das redondezas. Mas não era um adversário comum não, conforme esperava o João. Na verdade era uma adversária. Isso mesmo, uma mulher de saia esvoaçante e com nome de mar: Marina. Realmente, seu moço, a mãe da pequena estava inspirada pelo Padim Ciço ao escolher o nome da filha, pois os olhos da mulata eram tão verdes como o mar de Itapuã em dia ensolarado, sem nenhuma nuvem. Uma belezura de fazer gosto a qualquer poeta de botequim ou mesmo àqueles que apareciam com versos na Gazeta.
João logo quis se aproximar de tão bela formosura, mas a moça, de família, não lhe dava bola e de nada adiantavam os agrados que enviava por moleques. João tinha interesse sério pela mulata brejeira, do tipo fazer promessa em frente ao juiz e do padre. Mas Marina não se comovia e certa vez mandou recado dizendo que parasse de enviar tantos agrados, que os presentes de nada valiam, pois ela não queria acabar a vida sendo viúva antes do tempo por ter casado com o valentão daquelas bandas. Se ele realmente a quisesse, teria que largar a vida de valentia e se tornar um homem comum, um João qualquer. O amor, seu moço, é capaz disso. De transformar a sina de um valentão em um João como tantos os outros Joões. O Valentão deixou a valentia de lado, pegou a morena e sumiu num galope, neste mundo de meu Deus. Hoje ninguém sabe mais que fim levou. Há quem diga que eles moram lá depois da Mata Seca, num fim de mundo de Padim Ciço, com um bando de filhos de olhos verdes. João planta e colhe apenas macaxeira, vivendo da terra com a valentia do seu suor.

(*) Inspirado na música de Dorival Caymmi: “João Valentão”. Exercício feito na Faculdade de Letras/Formação de Escritor em cima da música de Caymmi.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Aniversário (*)

A vida passa e, na soma dos anos, as lembranças vão-se acumulando nas dobras do coração. Não sei quando comecei a sentir-me velha. Talvez nunca tenha me dado conta de que estava envelhecendo, até ouvir os outros começarem a me chamar de senhora. Hoje completo 78 anos, e mais uma velinha colocarei em cima do bolo – se houver, é claro… se alguém lembrar que hoje é a data em que nasci.
Desde a hora em que acordei, o gosto do bolo de aniversário que mamãe fazia –quando eu era pequena – surgiu na boca. Adorava seu bolo. Ele era feito – a cobertura - com glacê de açúcar, e não de manteiga, no estilo de receita de suspiro, só que sem levar ao forno. A cobertura do bolo era com este glacê e coco ralado. Uma delícia! Melhor alquimia não há. O recheio? Doce de leite cremoso comprado da dona Ritinha, uma sitiante que vivia aparecendo lá em casa para vender coisas da roça. Bons tempos, bons tempos.
Hoje, aniversário de criança já começa no primeiro ano. No meu tempo só se fazia festa para comemorar os anos quando o pequeno, ou a pequena, podia desfrutar, ou seja: depois dos cinco anos. Comigo foi assim, com meu irmão Otavinho também e do mesmo jeito aconteceu com meus primos e primas.
Minha festa era muito simples, mas a alegria imperava e vejo, com os olhos do coração, hoje, aqueles momentos com muita saudade. No meu aniversário tinha bolo, ponche de maçã - sem álcool - com pedacinhos da fruta boiando e bala de coco enrolada em papel cor de rosa. Naquele tempo não tinha bola ou enfeites de festa temática com personagens do mundo infantil. Contudo, havia o cuidado ao se escolher a melhor toalha. Minha mãe usava uma bordada, da Ilha da Madeira, que ela sempre dizia que ficaria para o meu enxoval. Nas festas, os talheres e pratos que não se usavam no dia-a-dia saíam das gavetas e armários e os utilizávamos com toda a cerimônia que o ritual exigia. A casa ficava completamente iluminada e não havia quem não fosse convidado.
Os anos passaram, e estou aqui a relembrar o poema de Fernando Pessoa: “Hoje já não faço anos. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Raiva de não ter trazido o passado guardado na algibeira.”

(*) Texto inspirado no poema "Aniversário" de Fernando Pessoa.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O amor (*)

Mas o que é o amor? Disse o poeta que "o amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente entre a gente". Mas somos todos capazes de amar? Existe amor incondicional neste mundo, onde o mal parece imperar dos dois lados do hemisfério?
Ah, você dirá que sim! Afinal as mães estão aí mesmo para provar o quanto se pode amar.
Disse outro poeta (como você pode notar, eu adoro poesia) que amar é um verbo que se conjuga no intransitivo. É verdade. O amor, o verdadeiro amor, é intransigente, não se negocia, tão obstinado que às vezes vira burro.
Tantos poetas, filósofos e bebuns podem dizer coisas tão mais bonitas do que esta que lhe escreve!
Sinceramente, meu querido, não sei o que é o amor. Sei que ele mora no meu coração quando vejo uma foto dos meus pais, quando recebo algum e-mail de um amigo ou mesmo quando leio um texto de Shakespeare – não importa se tragédia ou comédia. Nesse momento, sinto o amor pulsando em meu ser. Ah, o amor me invade, quando vou ao cinema, e lá na escuridão da sala, aquela tela imensa me absorve! E olha que nem precisa ser filme romântico para sentir tal sentimento!
Vou repetir o que meu tio Plínio sempre me disse: o amor não se explica, se sente, e quem o abriga no coração tem a existência mais rica, é feliz, mesmo enfrentando todos os entraves que a vida traga – e ela, acredite, sempre traz.

(*) Texto inspirado no poema de "Claro enigma" de Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Carta de exoneração

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2008

Ilmª. Sra. Dra. minha juíza-generala

Venho por meio desta comunicar-lhe que a partir de hoje a senhora está exonerada do cargo de minha juíza-generala. A justificativa para o desligamento em minha vida se dá pelo simples fato de que seus trabalhos não são mais necessários. Durante muitos anos, sua presença foi fundamental para formar o caráter que tenho hoje e lhe agradeço por isso. Contudo, os tempos são outros. É desnecessário lembrar que hoje sou uma mulher adulta, vacinada, dona do meu próprio nariz e que tenho discernimento para decidir o que é melhor ou não.
Nossa convivência diária fez com que me tornasse uma pessoa detalhista, preocupada em apresentar o meu melhor sempre. Tal aprendizagem tem seu caráter positivo. Problemas começaram a ocorrer quando esta qualidade ultrapassou seus limites e não ser perfeita se transformou em uma grande dor. A cada pequeno erro, a vergonha e a decepção se acumulavam no peito, tornando a vida difícil. Ora, a senhora e eu sabemos que não existe perfeição absoluta na Terra. Mesmo os objetos, pensamentos ou seres humanos que podem ser considerados perfeitos em determinada época, não o são para posteriores gerações. A vida é um moinho, como já disse o poeta, e na boca do tempo tudo se acaba, tudo se desestrutura e o pó se faz presente, transformando a existência em dunas e desertos.
Mesmo sabendo que nenhum ser humano é perfeito, paradoxalmente teimo em sofrer por não sê-lo. Atribuo minha insana insistência ao convívio diário com a senhora. É bem verdade, e isso preciso admitir, que nossa relação hoje não é mais a mesma. O tecido social de nosso convívio, sinto-o desgastado. Convém lembrar que antes a senhora era dada a gritos, exaltações, berros que atordoavam minha alma juvenil e insegura, própria de adolescente que busca a aprovação do outro. Hoje, nosso convívio é diferente: a Ilmª. senhora já não mais grita e muito menos berra, apenas sussurra. Porém, quero lhe falar que muitas vezes sua voz sussurrante e delicada atinge minha couraça mais profundamente do que seus berros do pretérito. Com o passar dos anos, a senhora – que é extremamente inteligente, admito – aprendeu a lidar com meu crescimento e utiliza como arma a sutileza nas colocações. Sua acidez e ironia, muitas vezes, maltratam meu coração, apesar da idade acumulada na roda da vida. Por tudo isso, acredito que nosso relacionamento se tornou insuportável e não convém mais insistir numa relação tão saturada.
Creio que uma separação amigável é sempre mais conveniente do que brigas litigiosas de qualquer espécie. Que cada uma vá para o seu lado e desfrute das lembranças dos momentos bons que vivemos. O resto é resto e não vale a pena ressenti-se dele eternamente.
Por isso, venho lhe comunicar o caráter definitivo desta exoneração. Convém ressaltar que a senhora não poderá apelar para nenhuma instância superior, seja neste planeta Terra ou mesmo fora da órbita solar.
Seja feliz, eu estou sendo.
Atenciosamente,

Carla Giffoni
Cumpra-se!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Diário de bordo - IX parte

ATENÇÃO: Esse é diário que elaborei para a aula de Formação do Leitor da Faculdade de Letras. Adorei cada minuto que tive estudando esse assunto e gostaria de compartilhar com você, pois além de ser um diário de bordo, há também uma reflexão sobre vários assuntos.

Rio de Janeiro, 2 de abril de 2008.

Na décima aula de Formação do Leitor, analisamos as versões dos textos de Antonio Callado e Lygia Fagundes Telles para a história de Machado de Assis.
No texto do Callado, minha interpretação foi correta. Consegui ver que no texto há um narrador onisciente, e que a sogra entra em alguns momentos; que o autor sai do texto do Machado, e ao fazer isso, descortina esta personagem, abrindo um universo não desbravado pelo autor.
A visão não mais tão moralizante da sogra humaniza o personagem. Callado reconta o universo de Machado, num desejo de fidelidade Machadiana.
Durante a aula, levantou-se a hipótese da velha ser como se fosse uma voz arcaica de Capitu. Achei isso muito interessante.
Consegui ver tudo isso na narrativa de Callado, mas no texto da Lygia foi um grande fiasco! Entendi tudo errado, e me senti uma grande burra! A Ana ainda tentou consolar-me, dizendo que não existe errado em interpretação. Pode ser. Mas o correto é que me senti uma grande burralda.
Entendi que a autora tinha colocado as empregadas para fofocarem sobre as questões familiares dos patrões. Acho que isso aconteceu porque me deixei contaminar com a situação. Quando comecei a ler as versões pensei: “Se tivesse que escrever um ponto de vista seria o da mulher, ou então colocaria alguém de fora, como uma empregada para abordar o assunto”. Acredito que tal pensamento tenha contribuído de alguma forma para que minha visão ficasse contaminada, e assim não pudesse ler da maneira correta. Essa é a minha única justificativa para ter errado tanto.
Ok, admito: sou perfeccionista!
Tenho uma amiga que garante que não há mal nenhum em buscar a perfeição. O mundo chegou onde está porque as pessoas quiseram a perfeição da roda, com isso inventaram o pneu e o homem já chegou à lua. O meu problema é que sofro por não ser perfeita. Tenho trabalhado essa questão, estou melhor, mas ainda sofro por não ser perfeita.
Esta amiga, muito querida, disse: “Não busque a perfeição, e sim o progresso”, ela aconselhou. Desde então, estou tentando.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Diário de bordo - VIII parte

ATENÇÃO: Esse é diário que elaborei para a aula de Formação do Leitor da Faculdade de Letras. Adorei cada minuto que tive estudando esse assunto e gostaria de compartilhar com você, pois além de ser um diário de bordo, há também uma reflexão sobre vários assuntos.


Rio de Janeiro, 31 de março de 2008.

Na nona aula do curso de Formação do Leitor, a Ana falou sobre a prova G1. A data foi modificada, passou a ser no dia 5 de maio. Estou preocupada, pois também terei que fazer as provas da Miriam (Teatro antigo) e da Marília (Produção de Texto Acadêmico) na mesma ocasião. No dia seguinte, tem a Heidrun. Queria ter mais tempo para estudar e conseguir uma boa nota. Tenho me dedicado com afinco ao curso de Letras e baixar o meu CR, não é legal. No semestre passado consegui CR de 9,2. O CR global foi de 8,8.
Depois de alterar o calendário, os grupos começaram a falar sobre os textos do livro Missa do Galo e as variações feitas por diversos escritores. Gostei muito do livro. Ver como se desenvolveu o enfoque de cada autor foi muito interessante. Os textos que mais apreciei foram o da Julieta e da Lygia. Uma coisa aconteceu comigo quando li a obra: o primeiro texto que li foi o do Machado, o segundo o da Julieta já que este era a história que meu grupo analisaria. Antes de começar a ler os outros pensei que se tivesse que fazer uma história, escolhendo um personagem para escrever seu enfoque, seria sobre Conceição ou inseriria um outro personagem que não tivesse na história original. Pensei numa escrava que falasse sobre a questão. Aí, leio o texto, e vejo que alguém já tinha tido pensamento semelhante. Foi legal. Demonstra que estou na sintonia do escritor, e isso é muito bom.
Apenas dois grupos apresentaram suas análises. O primeiro foi sobre o texto do Osman Lins que tratava sobre a experiência do jovem, e o segundo, o meu grupo que apresentou, a visão da Conceição escrita por Julieta.
No texto de Lins, o jovem endeusa a figura de Conceição. O amor romântico tem este aspecto: é um sentimento que não pode se realizar. Basta lembrar-se do livro de Goethe, O sofrimento do jovem Werther, que trata de um amor impossível de se concretizar.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Diário de bordo - VII parte

ATENÇÃO: Esse é diário que elaborei para a aula de Formação do Leitor da Faculdade de Letras. Adorei cada minuto que tive estudando esse assunto e gostaria de compartilhar com você, pois além de ser um diário de bordo, há também uma reflexão sobre vários assuntos.


Rio de Janeiro, 24 de março de 2008.

Na sétima aula de Formação do Escritor, quer dizer, do Leitor...É sempre assim quando vou escrever esse diário, digito escritor ao invés de leitor, em 99,99% dos casos. Eu sei que a matéria é para estudar o leitor, mas na minha cabeça este é um curso que trata diretamente de minha escrita como escritora (perdoe a redundância). Estudo a mim mesmo, e não o leitor que está sendo formado.
Tenho adorado as aulas. Tem sido apaixonante, e não escrevo isso para ganhar dois pontos de conceito. Quando estava no ginásio, uma de minhas professoras, a Dona Ifigênia, dava dois pontos de conceitos para o aluno que fosse dedicado. Isso tudo ajudava na média geral de sua matéria. Sempre tenho medo de que qualquer professor pense que estou elogiando sua aula porque quero ficar bem na foto. Sofri perseguição dos alunos quando estava no ginásio, que me acusaram de estar querendo puxar o saco da professora para ganhar os conceitos. Foi inclusive com essa professora que... Bem, não se trata disso este diário, apesar da Ana ter dado a oportunidade da gente divagar um pouco. Contudo, estou divagando demais.
Voltando então à vaca fria: Na sétima aula da Ana Paula, estudamos dois textos do Luiz Fernando Veríssimo e as cartas que os leitores enviaram ao jornal O Globo referentes aos textos. Já escrevi isso e torno a repetir: O talento de Veríssimo é superlativo, o cara é o cara. Quando vejo gente assim, a vontade que tenho é de pegar um canudinho, abrir um pequeno orifício no crânio e chupar avidamente. Ele é demais!
Bem, depois desta tietagem retorno à questão da aula (hoje estou divagando muito, né?! Desculpe. Tentarei me comportar). No texto, Veríssimo utiliza a ironia como mote para o desenvolvimento de sua história, que foi baseada num fato real: Lula tomou um gole de um vinho carésimo, justo ele, um pau-de-arara, um Zé Ninguém, um torneiro mecânico nordestino semi-analfabeto, praticamente. Veríssimo expõe a ferida ao mostrar como a elite reagiu a essa questão, externando todos seus preconceitos enraizados e mesquinhos. Só que do outro lado tem o receptor, e se há um ruído qualquer a comunicação não se concretiza, segundo teoria de comunicação que estudei lá atrás, quando fiz a faculdade de jornalismo.
Já senti isso na pele. Em minha cidade, Barra Mansa, trabalhava na editoria de Política, minhas maiores experiências profissionais sempre foram nessa editoria e na de Cultura. Porém, também, atuei em outras como Cidades, Internacional, Economia Popular, Polícia (eu odiava trabalhar nesta área com toda a força do meu ser!). Bem, então, tinha uma coluna política chamada Registrando, e, como era repórter setorista, cobria a Câmara Municipal, sempre que tinha notícias. No dia 31 de março, sugeri ao meu amado, idolatrado, salve, salve, então, editor Antonio Carlos, que me autorizasse a escrever uma coluna falando de coisas impossíveis de acontecer, já que o dia seguinte seria 1º de Abril. Ele topou, e o prazer que senti ao escrever essa coluna foi inenarrável. Disse que a prefeita tinha se encontrado com os dois piores inimigos políticos que atuavam no Legislativo para fazer um tratado de paz; depois contei que o BNDES iria investir a fundo perdido uma quantia absurda, tipo 250 milhões de dólares, para a retirada do pátio de manobras – um problema que assola a cidade há mais de 50 anos, mas que antes disso o Spilberg iria filmar a saga da remoção do pátio para um filme em Hollywoody; disse também que a cidade de Barra do Piraí estava recebendo geógrafos para analisar o solo, pois havia a suspeita de que o município teria no seu subsolo uma bacia de petróleo inexorável, mas que o governo da cidade ao ser questionado negava tudo.... enfim, fiz a festa.
No final do texto, dizia que o Jornal A Voz da Cidade lamentava a perda de dois dos seus melhores profissionais: o editor Antonio Carlos, que tinha sido convidado para trabalhar na Central Globo de Jornalismo e de Carla Giffoni, que foi contratada pela Veja de São Paulo. Para terminar, eu explicava ao leitor o seguinte: Tudo como antes no quartel de Abrantes. É primeiro de abril e tudo que você leu... E assim terminava.
Algumas pessoas ligaram indignadas porque elas tinham a certeza que a reunião que aconteceu numa fazenda da prefeita nunca teria sido realizada, já que no final de semana quando aconteceu o suposto encontro, ela estava participando de outro evento e a pessoa era testemunha do ocorrido. Outros leitores se mostraram temerosos. O ex-prefeito da cidade, inimigo político da então prefeita, veio me perguntar à boca pequena se era realmente verdade que o BNDES iria investir aquela fortuna na cidade para a retirada do pátio de manobras. Se isso acontecesse, seus projetos políticos naufragariam. Eu e o meu editor fomos parados na rua em diversas ocasiões para recebermos parabéns da nossa suposta contratação. Outros ligaram elogiando, dizendo que o texto era muito bom e bem sacado. Enfim, a controvérsia foi criada e quem cria a fama, deita na cama.
Esse foi um dos textos que mais tive prazer em escrever, como disse. Ria muito na hora que estava redigindo. Fiz inclusive uma pesquisa para ver como o petróleo poderia se formar, e disse na matéria que o indício de petróleo ocorria porque os cientistas tinham encontrado ossos de dinossauros na cidade.
A força da palavra impressa é muito grande porque quando alguém fala, dá-se a inflexão que se quiser, mas quando o outro é que lê, ele que impõe sua inflexão, e este leitor pode não ter acordado de bom humor porque sua mulher dormiu de calça jeans.
É um risco que todo escritor corre. Eu e Veríssimo temos alguma coisa em comum (nem que seja o branco do olho). Chique, né?!

sábado, 2 de agosto de 2008

Diário de bordo - VI parte

Rio de Janeiro, 19 de março de 2008.

Na sexta aula, tratamos sobre a realidade ao trabalharmos o texto O príncipe e o mago de John Fowles. Gostei muito deste texto, mas entre a história da Marina e este, prefiro o primeiro. Na verdade, os dois são excelentes, mas se tivesse que escolher um seria o da Moça Tecelã.
O texto do Príncipe trata sobre os limites da palavra e da ficção. Realmente, a linha divisória destes dois mundos é muito tênue, no meu caso. Meu pacto com a fantasia é grande. Isso não quer dizer que não funcione na realidade. Sou uma mulher adulta, vacinada, pago as minhas dívidas, trabalho, lavo minha calcinha, faço minha comida e arrumo a casa. Tudo que uma pessoa adulta é capaz de fazer. Contudo, mesmo assim meu pacto com a fantasia ainda é grande, isso não me torna uma pessoa irresponsável, mas sim uma escritora. Sempre quando vejo algo interessante, anoto no meu caderninho. Eu tenho um caderninho, e não é de hoje.
Quando entrei para a faculdade, uma das primeiras aulas que tive foi com a Pina e ela falava sobre a necessidade de se ter um caderninho para anotar as idéias, e que o aluno deveria carregar o objeto para cima e para baixo. Eu já tinha o meu antes mesmo dela falar. O engraçado é que nunca me toquei que ter aquele caderno era uma atitude positiva e própria de alguém que escreve. Tal atitude era tão natural que não conseguia validar a iniciativa.
Outra coisa que me chamou a atenção no texto de Fowles foi a temática da verdade e mentira. Sempre fui fascinada por este tipo de assunto: verdade X mentira; beleza X feiúra; bom X mau ... Sempre. São temas apaixonantes, e isso sempre me levou à reflexão.
Ao longo dos séculos, muitas das verdades que antes se acreditavam piamente vêm sendo derrubadas uma a uma, como, por exemplo, a verdade que a Terra é o centro do universo; que o coração é o órgão mais importante do corpo. Muito já foi descoberto, e outras verdades nos serão ainda reveladas, e isso é o que dá o tempero da vida. É assustador, tenho que admitir, mas a possibilidade de se ser surpreendida num virar da esquina é que faz com que cresça emocional e espiritualmente, e com isso minha escrita tende a se aprimorar. Minha mãe sempre dizia: crescer é ter opção de escolha e ser responsável por aquilo que se escolheu. Sábia dona Carla (tenho o seu nome)! Não é fácil se manter fiel no que se acredita. Muitas vezes se paga um preço alto por isso, mas não tem jeito. Quando se vai contra aquilo em que se acredita, uma parte da pessoa morre, fica semelhante a um zumbi, caminhando pelo mundo. Não quero isso.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Diário de bordo - V parte

Rio de Janeiro, 17 de março de 2008.

Na quinta aula, a Ana falou sobre várias coisas que fizeram com que refletisse sobre a questão do autor. Ela ainda utilizou o texto da Marina Colassanti. Como é interessante olhar a escrita desta autora com outros olhos, ver a possibilidade de várias interpretações como, por exemplo, analisar o texto pela ótica feminista ou marxista!
É isso que quero fazer! Poder ver as várias nuances de uma interpretação, e para isso acontecer preciso treinar o meu olhar, instrumentalizando-o com o conhecimento teórico.
Hoje, um pouco mais cedo, tive aula com o (meu amado, idolatrado, salve, salve!!!) professor Zé Carvalho e lhe falei que ao ver o Je vous salue, Marie interpretei de modo diferente a temática da obra de Jean-Luc Godard, diferente do que ele falou em sala.
Vi que Godard estava tratando ali não a temática da mulher, mas sim a questão do sensório e a espiritualidade. Aí chega a aula da Ana, e falamos de várias interpretações que se pode ter sobre determinada obra. Tal possibilidade é enriquecedora, é desler e reler de outro jeito. Quando consigo fazer esse tipo de interpretação, sinto que minha escrita ganha.
Na hora que a Ana estava falando sobre essas questões, fiquei pensando sobre a trilogia que escrevi sobre as Margaridas. São três contos infanto-juvenis que têm como temática estas flores:

A Margarida que sonhava em ser Rosa
A Margarida que se pintou de Paixão
A revolução das Margaridas


Fiquei pensando em como as pessoas poderiam ler esses textos que escrevi. Deu vontade de pedir para ler em sala, mas depois recolhi a viola no saco e fiquei quieta.
Como escritora, tenho essa necessidade der ser lida. Drummond retratou muito bem isso ao escrever: Por isso me dispo, por isso me exponho nas livrarias. Preciso de todos (vai escrever bem assim, lá em casa!!!!).

sábado, 26 de julho de 2008

Diário de bordo - IV parte

Rio de Janeiro, 12 de março de 2008.

No quarto dia de aula, tive a oportunidade de ler o meu diário. Parece que a Ana e os alunos gostaram. Fiquei feliz porque assim pude sanar a dúvida se estava ou não escrevendo certo. Seria ruim se estivesse fazendo errado e só descobrisse isso lá na frente.
Durante a aula, os grupos falaram das suas interpretações das imagens, aquelas que na aula anterior tinham mensagens em hebraico e japonês, lembra? Pois é.
Foi interessante o exercício porque os grupos mais ou menos tiveram conclusões semelhantes. Só senti falta de uma coisa: pensei que depois a Ana fosse apresentar as traduções. Isso não aconteceu. Uma pena.
Depois a professora falou sobre a leitura descritiva, projetiva, contexto, estranhamento e reconhecimento. Tudo isso ainda baseado nas imagens que tinham textos hebraicos e em japonês.
Ana falou também sobre o dicionário ser apelidado no Brasil de Pai dos burros. Ela está certa ao dizer que tal alcunha é uma maneira de brecar a literatura. Realmente, a falta de incentivo à educação no Brasil é algo que assola o país desde que Cabral desceu na Terra de Santa Cruz. Tivemos que esperar cerca de 300 anos para termos o direito de imprimir qualquer coisa. Porque o rei de Portugal saiu de fininho por causa de Napoleão é que conseguimos ter a primeira imprensa (máquina de imprimir).
O Brasil tem autores maravilhosos, e isso aconteceu pela obra e graça de Deus, porque se fosse para os homens aqui olharem (lê-se autoridades)...estaríamos perdidos. Quando estava no ginásio, o professor Afonso dizia que deveríamos estudar inglês para poder ler Shakespeare no original. Pois eu digo aos gringos: aprendam português para poderem ler Nelson, Drummond, Leminski, Bilac, Alencar, Macedo e Rosa, para citar apenas alguns. O que não falta no Brasil é talento, apesar dos pesares e da falta de incentivo das autoridades.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Diário de bordo - III parte

Rio, 10 de março de 2008.

Tive o terceiro dia de aula de Formação de Leitor hoje. Foi bom. Pela primeira vez, um aluno leu seu diário de bordo sobre as aulas. Foi legal. Mas fiquei na dúvida se estou ou não fazendo a coisa certa. Acho que estou, sim, elaborando o diário corretamente, mas, sinceramente, não tenho certeza.
Outros dois estudantes também leram os seus textos. Adoro isso. Gosto muito de ouvir o que o outro escreve. Isso me inspira e sinto-me renovada com a escrita do outro. Vejo ângulos que não tinha notado anteriormente.
Também fizemos um exercício em grupo sobre imagens que tinham textos em japonês e hebraico, línguas que ninguém dominava. Então, tivemos que pensar o que seria aqueles símbolos que não podíamos ler. Ao fazer este exercício, senti na pele o que pensa um analfabeto que não entende ou decifra aquele código de leitura. Acho que meu grupo deslizou na maionese ao pensar que a figura de um garotinho chorando seria porque ele estaria supostamente perdido. Pode até ser isso mesmo, mas..... sei lá! Japonês pensa tão diferente de ocidental, ainda mais ocidental latino-americano! Vamos ver no que vai dar na próxima aula.
Ana também iniciou uma explanação sobre opinião e interpretação. Tenho que confessar: senti-me altamente ignorante! Há certas construções de linguagens que sinto como se fosse um tipo de pegadinha teórico-lingüístico-literário. É como se alguém ficasse horas e horas pensando em como pegar o outro para embaralhá-lo e confundi-lo. Sei, intelectualmente, que não é assim, mas emocionalmente sinto que é. Afinal: Tostines está sempre fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque está sempre fresquinho? Oh, dúvida cruel!
Além disso, a professora Ana deu o texto de Luiz Fernando Veríssimo, adoro esse homem! Seu talento pode ser classificado em superlativo: talentosíssimo, engraçadíssimo, ironíssimo, e assim vai. Quando crescer, quero escrever como ele. Na verdade, não só como ele, mas uma mistura de todos aqueles a quem admiro: porções generosas de Nelson, com a construção de imagens de Josué, com a subjetividade e a poesia de um Drummond misturado homogeneamente com Vinhinha. Sem esquecer aqui e ali de pitadas de Raquel, Balzac, Machado e Pessoa, fazendo nascer bolhas proustianas ao colocar no forno para assar. Esse é meu desejo. Esse é meu objetivo. Pretensão? Não sei. Só sei que canto e a canção é tudo. Tem sangue eterno e a asa é ritmada. Um dia sei que estarei mudo e mais nada. Salve, salve, Santa Cecília!

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Diário de bordo - II parte

Rio, 5 de março de 2008.

Hoje foi a segunda aula da Ana. Foi boa. Ela apresentou o calendário do curso e disse que não haverá aula no dia 7 de abril. Para os dias 14 e 16 de abril, a professora está programando que suas alunas de mestrado estejam nos dando aula.
A professora também pediu que lêssemos os textos referentes ao diário das aulas, conforme já havia solicitado na primeira aula dizendo que a cada encontro um aluno seria sorteado para ler o seu diário. Alguns colegas levaram textos referentes a diário. Teve uma menina que leu o seu, um rapaz leu um texto que se referia ao livro de Bernardo Carvalho (acho que era esse o nome do autor). Eu também participei. Falei sobre minha experiência de escrever diários na oficina que fiz com a Pina, e li o texto que escrevi sobre o diário de uma mulher de 78 anos. Foi bom, mas fiquei nervosa. É difícil eu ficar nervosa lendo alguma coisa, mas fiquei e nem sei o porquê. Deve ser porque ainda não me acostumei com a turma.
Depois, Ana falou sobre as características do leitor, lemos o folheto Direito imprescindível do leitor, gostei muito. Interessante os tópicos divididos pelo autor, como o direito de pular páginas, de ler qualquer coisa, de ler em qualquer lugar. Desses tópicos o que mais me chamou atenção foi o de ler qualquer coisa. Como leitora, nem todo dia estou disposta a refletir sobre a profundeza do instante da leveza do ser. Há momentos que leio apenas para entretenimento, para distrair, para passar o tempo... sei lá. Pego um gibi do Donald, da Mônica e Cebolinha, ou mesmo uma revistinha Júlia e leio. Isso me torna uma leitora menos requintada?Afinal, que critério é este que torna uma pessoa mais ou menos requintada? Leitora é leitora, e quem diz o contrário vejo que está aí imbuído é de uma grande carga de preconceito. Tudo bem, até admito que quem ler mais traz em sua bagagem janelas de entendimentos que um leitor menos freqüente não tem. Mas isso não torna ninguém superior ou inferior ao outro. Tive a sorte de ter tido a oportunidade de ler desde muito cedo. Nasci num ambiente em que os livros eram presenças constantes. Presenciei meu pai, minha mãe e tios lendo muito, diariamente, e isso tudo contribuiu para que me tornasse uma leitora voraz. Pelo menos é assim que me classificam. Eu não me taxo como uma leitora tão voraz assim, na verdade gostaria de poder ler mais do que normalmente leio. Mas, enfim, essa é apenas uma opinião.
Outro tópico que gostei muito foi o de ler em qualquer lugar. Adoro ler no banheiro. Não estou sozinha. Tenho algumas amigas e também amigos que têm em seus banheiros um kit leitura, com livros, gibis e revistas. A Janete, por exemplo, que tem o banheiro grande, chega ao cúmulo de ter um pequeno armário com livros. Quando vou à sua casa, faço a festa, sinto-me uma rainha. Esqueço da vida e nem preciso estar utilizando propriamente o vaso sanitário. É muito bom.
Ela brinca dizendo que dependendo do seu estado intestinal é que faz a escolha da obra
para ser lida enquanto estiver no trono. A variedade de sua biblioteca é grande. Se pode encontrar romances sentimentais, de polícia, históricos, livros de reflexões diárias, de auto-ajuda, Shakespeare, Voltaire, Drummond, Bilac, Cecília, além, é claro, das revistinhas como Tio Patinhas, Donald, Cebolina e Mônica, Superman, entre outros .... a lista é grande. Um verdadeiro paraíso. O melhor de tudo é que a família toda já aderiu à sua proposta: os dois filhos em idade escolar, ela e o novo marido lêem naquele ambiente. O problema é quando os dois banheiros (sim, há dois. É preciso) estão ocupados. A porta quase é derrubada na ânsia de utilizar o trono.

domingo, 13 de julho de 2008

Diário de bordo - I parte

ATENÇÃO: Esse é diário que elaborei para a aula de Formação do Leitor da Faculdade de Letras. Adorei cada minuto que tive estudando esse assunto e gostaria de compartilhar com você, pois além de ser um diário de bordo, há também uma reflexão sobre vários assuntos.

Rio, 3 de março de 2008

Hoje foi o primeiro dia da aula Formação do Leitor. Tudo correu bem. A professora é a Ana Paula, minha conhecida. No último semestre do ano passado, ela me deu aula de Literatura e Cultura Brasileira em que se falava sobre a identidade nacional.
Como hoje foi o primeiro dia, Ana conversou apenas sobre a ementa do curso, a bibliografia que será usada e explicou que precisávamos fazer um diário, e que quem não fizesse o texto e seu nome fosse sorteado, ela tiraria meio ponto na prova.
A turma é composta de estudantes muito novos, acho que deve ter apenas umas três ou quatro pessoas na minha faixa etária. Mas foi legal. Não me importo de estudar com gente nova, aprendo muito. Gosto da diversidade cultural.
Estou cheia de entusiasmo com esse curso, pois desde que entrei na Faculdade de Letras, no início de 2007, fiquei aflita para ter essa matéria. Naquela ocasião, a Manú havia se matriculado na disciplina, e ela me mostrou um texto que falava sobre um conto de fada politicamente correto. Um texto leve, engraçado, espirituoso e tudo de bom. Fiquei apaixonada pela narrativa, mas o De-Para já tinha terminado, e não pude me inscrever. Tive que esperar um ano para poder me matricular na disciplina. Vamos ver!
A bibliografia parece ser interessante. Se a matéria trilhar o mesmo caminho da Literatura e Cultura Brasileira, as aulas serão ótimas. Adorei ler no outro semestre textos como os de Andrade (Mário e Osvald), Zuenir Ventura, Heloísa Buarque de Holanda, Josué de Castro... foram muitos e não teve nenhum texto que desgostasse. Talvez gostasse mais de uns do que de outros, mas todos foram de alto nível e me levaram à reflexão.
Porém, o que mais gostei foram os seminários que a professora propôs. O meu grupo escolheu o tema Violência e literatura e amei pesquisar sobre o assunto. Acredito que todos do grupo se saíram bem, e foi muito bom!
Será que no curso de Formação do Leitor haverá seminário? Ela disse que dividirá a turma em pequenos grupos. Não sei como será a dinâmica. Vamos ver. Quem viver, verá.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

“A mancha do pecado no nosso amor” - um drama burguês no tempo de Édipo Rei (parte final)

(SOM DE MÚSICA INCIDENTAL – DE SUSPENSE. DURANTE TODO O DIÁLOGO, A MÚSICA SOBE E ABAIXA CONFORME A GRADAÇÃO DAS EMOÇÕES E TENSÕES DOS PERSONAGENS)

Jocasta
Por que razão, senhor meu marido, permites que esta raiva feroz o domine?

Édipo
Por muito estimá-la, minha senhora, é que vou dizer, apesar de temer que se volte contra mim ao falar mal de seu irmão: a raiva que sinto vem da acusação feita por Creonte!

Jocasta

(ENTRE CURIOSA E COMEÇANDO A FICAR AFLITA)
Mas o que ele falou de tal vil, senhor meu marido?!

(MÚSICA DRAMÁTICA, CRIANDO UM CLIMA TENSO)

Édipo
Creonte me acusa de ter matado Laio, seu primeiro marido.

Jocasta
Mas senhor, por que Creonte acusa você de ter matado Laio? Ele ouviu falar ou presenciou o fato? Por que meu irmão o acusa de tamanho crime?

Édipo
Creonte diz que foi um pai de santo que leu nos búzios que eu era o assassino de Laio...

Jocasta
Mas é isso?! Ora, meu marido, fique sabendo que nosso Senhor Jesus Cristo não concedeu o dom de adivinhação a nenhum dos cristãos. Veja: meu primeiro marido dizia ter sido amaldiçoado por uma escrava que falou que ele seria morto pelo filho. Nada disso aconteceu. No início, Laio não deu ouvidos à maldição da preta velha, contudo com a aproximação do parto, Laio começou a ficar obsessivo, e, no final, quando dei à luz, ele pegou o menino e mandou que o capataz sumisse com a criança. Chorei muito, quando soube o que ele tinha feito com o nosso filho. Laio confessou o crime, pois estava carregado de culpa. Meu ex-marido disse que o capataz amarrou a criança pelos pés, dependurando-a numa árvore para que os bichos comessem. Nosso casamento nunca mais foi o mesmo, nem ele quis mais ter nenhum filho. Como vê, as maldições da escrava de nada valeram. A criança morreu, e Laio foi assassinado numa encruzilhada, por um assaltante, e a praga não se concretizou. Não acredite e nem tema as palavras do pai-de-santo ou de meu irmão Creonte.

(TEMA DE TENSÃO CRESCENTE)

SILÊNIO POR ALGUNS INSTANTE, AUMENTANDO A TENSÃO


Édipo
O que me dizes, mulher! Suas palavras me enchem de temor e medo (DIZ AFLITO)

Jocasta
Mas.... por que, senhor meu marido?

Édipo
É verdade mesmo que Laio foi morto numa encruzilhada? Confirmas isso? (FALA COM DESESPERO) Confirma?!!!

Jocasta
Sim, (SEM ENTENDER ONDE ÉDIPO QUER CHEGAR, HESITANTE), sim... sim, senhor meu marido.

Édipo
Onde? (AFLITO) Onde??!!!

(JOCASTA FALA COMO SE ÉDIPO TIVESSE SEGURADO ELA PELOS OMBROS E SACUDIDO SEU CORPO)

Jocasta
Calma... o senhor está me machucando, segurando-me assim.... (HESITANTE E DESCONFIADA RESPONDE):
Laio foi morto na região da Serra de Petrópolis, na estrada que liga Petrópolis e Teresópolis, foi lá que o crime aconteceu.

Édipo
(EM DESESPERO CRESCENTE)
Não! Deus!!!!! (GRITA DESESPERADAMENTE DRAMÁTICO) Jesus, onde estavas?!!!

(INCIDENTE MUSICAL CRESCE ÀS ALTURAS)

CORTE PARA COMERCIAL:


COMERCIAL 1 (principal anunciante da novela)
Jingle do sabão em pó Fada Madrinha:
VOZ DO LOCUTOR 1:
Sabão em pó Fada Madrinha, aquele que faz com que sua roupa fique mais branca e suas mãos mais macias, e você continua reinando como a Rainha do seu lar.
Jingle do sabão.

COMERCIAL 2
VOZ DE LOCUTOR 2:
Você que é uma mulher moderna não pode deixar de ter em sua cozinha o revolucionário liquidificador Walita Plus Master. Em poucos minutos, você faz sucos para o lanche das crianças, bate a papinha para o bebê e oferece um delicioso drink para o marido que chega em casa depois do trabalho. Mostre que é uma mulher moderna e inteligente, pense: WALITA PLUS MASTER.
Coral repetindo o nome em forma de jingle.

COMERCIAL 3
VOZ DE MENINO
“Ah, mamãe, não quero comer”.

VOZ DO LOCUTOR 3:
“Se seu filho se recusa a comer, se está fraco e magro não se desespere, já há uma solução: Biotônico Fontoura para o garotão!
Dê uma colher de sopa três vezes ao dia e notará a diferença. Biotônico Fontoura, o único que deixa seu filho forte como um leão”!

COMERCIAL 4
VOZ DE LOCUTORA 1, VOZ SUAVEMENTE ESTRIDENTE:

Dicas para o lar!
Você que não sabe como fazer para tirar aquela mancha de tinta na camisa do marido, basta pingar três gotas de vinagre que aquela mancha na camisa branca sumirá imediatamente.

VOZ DO LOCUTOR 4
Dicas para o lar é um oferecimento das Drogarias Pacheco, aberta até as vinte e duas horas, todos os dias.


VOLTA PARA A NOVELA:

REPETINDO A ÚLTIMA FALA DE ÉDIPO:


Édipo
(EM DESESPERO CRESCENTE)
Não! Deus!!!!! (GRITA DESESPERADAMENTE DRAMÁTICO) Jesus, onde estavas?!!!

(INCIDENTE MUSICAL DÁ UMA LIGEIRA CRESCIDA E CORTA LOGO EM SEGUIDA NA HORA QUE JOCASTA INDAGA. SOM DE VIDRO QUEBRANDO, DOIS OU TRÊS JARROS)

SOM DE VIDRO QUEBRANDO E JOCASTA FALANDO POR CIMA:

Jocasta
O que aconteceu, senhor meu marido?! (AFLITA) Por que quebras estes vasos, que fúria é esta translouca que o acomete? Por que, meu santo Deus?!!! (EM DESESPERO, SEM SABER O QUE FAZER)

(SOM DE MAIS DOIS JARROS QUEBRANDO)

Édipo

(AFLITO E DESESPERADO)
Responde-me mulher! Não minta! Diga agora: Como era Laio, e quantos anos tinha, então, quando morreu? Responde já, mulher!

Jocasta
Laio era alto, seus cabelos eram brancos e até parecia fisicamente com você, senhor meu marido. Ele estava junto com alguns escravos e o antigo capataz. Eles foram atacados na encruzilhada, e apenas um escravo sobreviveu.

Édipo
(DRAMATICAMENTE DESESPERADO)
Não!!!!! Não pode ser!!! Deus não seria tão vil, tão impiedoso! Não, mil vezes não!!!

Jocasta
(NUM DESESPERO CRESCENTE, SEM SABER O QUE FAZER, COM VOZ CHOROSA)
Édipo, senhor meu marido, o que houve?

Édipo
(ENQUANTO JOCASTA FALA, EDIPO VAI REPETINDO A PALAVRA “NÃO” DRAMATICAMENTE, COM DESESPERO, INTERCALANDO A FALA DE SUA MULHER)
Não!

Jocasta
Por Deus, diga-me o que o aflige?

Édipo
Não!

Jocasta
Diga, me diga, por favor!

Édipo
Não!

Jocasta
Que desespero é esse? Fala-me, pelos Céus!!!!

Édipo:
Que horror, meu Deus! Agora me responde, diga-me a verdade, agora, não minta: o grupo que estava acompanhando Laio era grande ou reduzido?

Jocasta:
Eram cinco pessoas ao todo, incluindo meu ex-marido. Como lhe disse, apenas um escravo conseguiu fugir e não foi morto.

Édipo
(HORRORIZADO E COM VOZ ANGUSTIADA, BAIXA, DENSA, COMO SE FALASSE CONSIGO MESMO – SOM INCIDENTAL DRAMÁTICO)

Tudo está claro agora! Agora entendo tudo! Vejo tudo, e antes fosse cego para não enxergar esta triste realidade, a grande tragédia que se abateu sobre nossa vida, nossa família, nossos filhos!

Jocasta
Mas, dize-me, senhor meu marido, o que aconteceu? Por que vejo tanto horror no seu rosto? Que olhar de desespero é este? Por Deus, o senhor está me deixando com medo, o pavor toma-me a alma, e não sei mais o que pensar! Diga-me por Deus, o que houve?

(SOM DE PASSOS, DELA INDO EM SUA DIREÇÃO E TENTA TOCÁ-LO. COMO É RÁDIO ISSO NÃO PODE SER VISUALIZADO, MAS ÉDIPO FALARÁ REFERINDO-SE A ISSO)

Édipo
Não tente me tocar, mulher! Nunca mais se aproxime de mim (PAUSA). Mas fala-me: onde está esse escravo? Ele ainda mora nesta casa? Conseguiu sobreviver?

Jocasta
Esse escravo, o Bento, vivia aqui até nos casarmos, mas, logo depois do anúncio de nosso noivado, ele veio pedir-me encarecidamente que o enviasse para a casa do meu pai, onde vivia antes de unir-me a Laio. Como Bento sempre foi um servo fiel, atendi-lhe o pedido e, desde então, ele vive na casa de papai. Hoje, Bento continua lá, apesar da idade avançada. (PAUSA) Mas, dize-me, vejo o senhor falar, falar e a cada palavra demonstra um desespero crescente, e com isso um sentimento idêntico se concretiza no meu coração, e faz nascer uma amargura atroz no meu peito porque o senhor não explica o porquê de tanto desespero, o porquê de tanta dor! Não me escondas nada, senhor meu marido, dize-me sem demora o que lhe causa tanta dor.


Édipo
(SEM DAR ATENÇÃO AO SEU PEDIDO, MANDA IMPERATIVAMENTE BRUSCO)

Mande chamar já esse Bento! Mande um escravo ir à fazenda do seu pai agora! Dê-lhe o cavalo mais veloz, e diga que volte até amanhã com esse negro velho. Quero Bento aqui, o mais rápido possível. (PAUSA)Vá, mulher! Não fique aí parada, chame qualquer escravo agora!

(SOM DE PASSOS SE AFASTANDO. ÉDIPO FALA SOZINHO)

Queira Deus que todos meus presságios não se concretizem. Que Nossa Senhora dos Aflitos nos protejam, e que não deixe que a desgraça caia sobre esta casa!

(PAUSA, SOM DE PASSOS VOLTANDO, ÉDIPO COMEÇA A CONTAR PARA A MULHER SUA ORIGEM)

Édipo
(HESITANTE)
Senhora, minha mulher, nunca antes tinha lhe contado sobre o meu passado, minha origem, de onde vim, e qual era a minha família. Senta aqui para que possa lhe contar. Tentemos manter a serenidade neste momento tão difícil de nossa vida. (Pausa)
Meu pai se chama Vicente e minha mãe tem o nome de Maria Amélia. Ambos nasceram em Minas Gerais, Diamantina, e lá vivíamos. Meus pais são fazendeiros e desfrutávamos de um certo prestígio na cidade, pois o senhor meu pai tinha uma pequena fazenda que foi crescendo, e conseguimos abrir na cidade um estabelecimento de secos e molhados com o que produzíamos na fazenda. Tudo seguia bem, trabalhávamos na fazenda e abastecendo o mercado, até que um dia, numa festa no mês de maio, consagrado à Virgem Maria, o ferreiro da cidade que tinha se embebedado de maneira vil, me revelou uma drástica verdade (INCIDENTE MUSICAL TENSO): que não era filho de Vicente e Maria Amélia. (SOM INCIDENTAL DRAMÁTICO)

Jocasta
Mas, como???... (É INTERROMPIDA POR ÉDIPO, QUE CONTINUA A FALAR)

Édipo
Escuta. Não me interrompa! Ouça minha história, e tire suas próprias conclusões. Quem sabe Deus ajuda, e coloque em sua boca palavras que me façam ver que tudo não passa de uma grande coincidência, e que nenhum dos fatos que vou narrar tem a ver com a morte de seu ex-marido Laio. Escuta-me gentil e amada esposa. Ouça seu marido que traz o coração atravessado de dúvidas e temores.

Jocasta
Está bem, senhor meu marido. Ouvirei tudo que quiseres falar. Nossa Senhora há de nos proteger de todo mal, e ainda vamos rir da dor e do desespero que vejo em seu rosto. Tenhamos fé!

CORTE PARA COMERCIAL

COMERCIAL 1
Jingle do sabão em pó Fada Madrinha:
VOZ DO LOCUTOR 1:
Sabão em pó Fada Madrinha, aquele que faz com que sua roupa fique mais branca e suas mãos mais macias, e você continue reinando como a Rainha do seu lar.
Jingle do sabão.

COMERCIAL 2
VOZ DE LOCUTOR 2:
Você que é uma mulher moderna não pode deixar de ter em sua cozinha o revolucionário liquidificador Walita Plus Master. Em poucos minutos, você faz sucos para o lanche das crianças, bate a papinha para o bebê, e oferece um delicioso drink para o marido ao chegar em casa. Mostre que é uma mulher moderna e inteligente, pense: WALITA PLUS MASTER.
Coral repetindo o nome em forma de jingle.

COMERCIAL 3
VOZ DE MENINO
“Ah, mamãe, não quero comer”.

VOZ DO LOCUTOR 3:
“Se seu filho se recusa a comer, se está fraco e magro não se desespere, já há uma solução: Biotônico Fontoura para o garotão!
Dê uma colher de sopa três vezes ao dia, e notará a diferença. Biotônico Fontoura, o único que deixa seu filho forte como um leão!

COMERCIAL 4
VOZ DE LOCUTORA 1, VOZ SUAVEMENTE ESTRIDENTE:

Dicas para o lar!
Você que não sabe como fazer para tirar aquela mancha de tinta na camisa do marido, basta pingar três gotas de vinagre que aquela mancha na camisa branca sumirá imediatamente.

VOZ DO LOCUTOR 4
Dicas para o lar é um oferecimento das Drogarias Pacheco, aberta até as vinte e duas horas, todos os dias.

VOLTA PARA A NOVELA:

Jocasta
Vamos, senhor meu marido. Não fique calado. Continue a contar sua história antes de nos casarmos. Meu coração continua apertado, e a angústia se faz presente em minha alma. Conta-me, continue agora sua história. Não pare.

Édipo
(PAUSA, SUSPIRO, E ÉDIPO RECOMEÇA A FALAR)
Ao escutar as palavras do ferreiro, logo busquei meu pai e mãe para saber o que era verdade. Eles negaram, mas no olhar de minha mãe, havia um desespero, uma dor, um sentimento que não sei explicar. A dúvida assolou meu coração, e não houve nada que me convencesse de que eles estavam falando a verdade.
(PAUSA) A dúvida fez morada no meu ser e não conseguia mais dormir com o tormento de que não era filho de meus pais. Um amigo de longa data, vendo a minha angústia, disse que havia uma vidente pelas bandas de Bom Jardim, que era capaz de dizer sobre passado, presente e futuro. Eu, que nunca fui crente destas coisas, busquei o búzio desta negra liberta que atendia por duas moedas de pratas. Considerei que o valor era baixo para que acabasse a minha aflição. Mal sabia eu, grande ingenuidade! Ao deparar-me com a escrava liberta, de vez, meus medos acabaram, foi como se jogasse vinho sobre o fogo. Um incêndio se formou em minh’alma quando a ex-escrava me disse com todas as palavras que uma maldição pairava sobre meu espírito: que mataria meu pai e me uniria carnalmente à minha mãe.

(SOM DE INCIDENTE DRAMÁTICO)

Jocasta
Oh!!!!!!! Não é possível senhor meu marido... (É INTERROMPIDA PELO MARIDO)

Édipo
Não, não me interrompa, minha senhora. Se guardas no teu coração algum carinho por quem vos fala, não me interrompa. Guarde o silêncio até que termine toda minha narrativa. Acredite-me: só assim terei a coragem necessária para continuar. Peço a Oxalá que não deixe que as forças me faltem ao lhe relatar a minha história. Sossega e escute. Acalme seu coração feminino e ouça seu marido, que lhe devota um especial amor.

Jocasta
Está bem. Guardarei silêncio, conforme o pedido do senhor, meu marido.


Édipo
Ao sair da casa da ex-escrava, a dor e o desespero cegavam meu coração. Cavalguei sem rumo, viajando por dias,léguas e léguas distantes, pouco comendo, pouco dormindo, pouco tendo consciência de meu corpo, só o sofrimento e a dor habitavam minha alma. Acredite-me senhora, era uma figura dilacerada pelas dúvidas e incertezas plantadas pelas profecias da negra vidente. Meu objetivo era exilar-me e nunca mais voltar a Diamantina.

Jocasta
(VOZ DE COMPAIXAO)
Causa-me uma imensa dor ao ouvir seu relato, senhor meu marido. (PAUSA) Mas me calarei para escutar o resto de sua história. (SUSPIRO).

Édipo
Quando me dei conta estava na capital da Corte, seguindo o caminho da residência de inverno do imperador. Numa encruzilhada, entre Petrópolis e Teresópolis, deparei-me com um homem branco, que tinha aparência de um capataz que liderava uma comitiva onde havia uma carruagem.

(MÚSICA INCIDENTAL DRAMÁTICA QUE VAI AUMENTANDO CONFORME ÉDIPO CONTA A HISTÓRIA)

Eram cinco homens, três negros e dois brancos, um homem que tinha aparência de capataz, e, outro, com jeito de fidalgo. No caminho estreito, não me deixaram passar, empurrando-me para fora da estrada. Eu, possuído por uma cólera diabólica, reagi e, cego de raiva, matei quatro num só golpe, apenas um negro conseguiu fugir.

(MÚSICA INCIDENTAL DRAMÁTICA QUE VAI AUMENTANDO CONFORME ÉDIPO VAI CONTANDO A HISTÓRIA)

Jocasta
Oh!!!!! Mas, senhor meu marido...

Édipo
Silêncio, mulher. Escuta-me! (PAUSA) Se aquele homem era Laio? Não sei dizer (TOM DE AFLITO). Imploro para que Deus seja generoso conosco e nos proteja de qualquer maldição, que nossa família não seja refém da desgraça, e que possamos viver dias felizes depois de tudo isso que lhe contei, minha senhora. Agora, só nos resta esperar para que o fiel escravo chegue o mais rápido possível da casa de seu pai, e, com isso, meu coração seja uma terra de paz e serenidade novamente, desfazendo todas as angústias que me encobrem a alma. (TERMINA DE FORMA DRAMÁTICA A ÚLTIMA SENTENÇA)

ENCERRAMENTO

SOM COM TEMA DA NOVELA, AS VALQUÍRIAS, A MÚSICA VAI CRESCENDO E DEPOIS DIMINUI, ATÉ QUE SURJA A...

VOZ DRAMÁTICA DO LOCUTOR 5
Será que Édipo terá paz? O que dirá o escravo de Jocasta quando chegar da fazenda?
Como ficará Jocasta ao saber da verdade? Será o amor de Édipo e Jocasta capaz de quebrar a força da maldição que paira sobre a família Guimarães Brito?
Não perca amanhã mais um capítulo desta eletrizante história: “A mancha do pecado no nosso amor”, num oferecimento do sabão em pó Fada Madrinha.
Jingle do sabão.

domingo, 6 de julho de 2008

“A mancha do pecado no nosso amor” - um drama burguês no tempo de Édipo Rei (1ª parte)

ATENÇÃO: Este texto é uma adaptação que fiz sobre a peça Édipo Rei para a faculdade. O professor solicitou que usássemos a temática do drama burguês. Espero que você goste. Tirei a nota máxima, 10.

A história de Édipo e Jocasta será transformada em uma novela de rádio em 1950: “A mancha do pecado no nosso amor”. Na nova adaptação, a história se passa no final do século XVIII, na capital da Corte. Jocasta é filha de um fazendeiro que está à beira da falência, e que para salvar os bens da família casa sua filha de 12 anos com um rico comerciante, Laio, que tem idade para ser seu avô. Eles se casam e a menina um ano depois fica grávida. Laio é um senhor de escravo muito severo, e uma preta velha joga-lhe uma maldição dizendo que seu filho, se algum conseguir sobreviver, o matará.
Por um ano consecutivo, Laio tenta, mas em toda gestação Jocasta perde o feto. Ele tem obsessão por ter um filho para poder deixar a grande fortuna. Após várias tentativas, Jocasta consegue “segurar” uma criança na barriga. No início, Laio não leva a sério a maldição da preta velha, mas conforme o tempo passa, e o nascimento da criança se aproxima, ele fica apavorado, tendo pesadelos de que é assassinado, e o comerciante vai surtando, surtando, até que chega um momento que surta completamente: quando sua mulher dá à luz. Laio - com a ajuda do capataz - se desfaz do menino, mandando que o empregado suma com o rebento, que o mate de qualquer maneira.
Édipo é dado como morto, mas, na verdade, um caixeiro-viajante o vê jogado no mato para ser devorado pelos animais e o salva, levando-o para um casal de fazendeiro léguas e léguas distantes da propriedade onde morava o comerciante Laio.
O tempo passou, o mato cresceu e a história segue semelhante à tragédia grega de Sófocles.
O recorte que este trabalho fará será o momento em que Jocasta conta para Édipo que ele não pode ser filho de Laio, que os deuses africanos erraram ao prever a desgraça.
A música de abertura e encerramento da novela de rádio é da ópera As Valquírias, de Wagner.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Solidão que buscava o Amor (Capítulo 2)

Solidão ficou encantada por aquele ser que lhe tocava tão profundamente o coração. Notava todo seu aspecto, desde os cabelos loiros que pareciam que o sol havia ido visitá-lo logo pela manhã, até os olhos de um cinza azulado que a fizera ver o mundo numa nova dimensão. O sorriso do rapaz era largo e branco como as nuvens. Solidão demonstrou tanto encantamento que uma colega, notando seu entusiasmo, falou-lhe baixinho: “Eu conheço ele...chama-se Amor”.
Solidão coloriu-se de um vermelho rubro ao sentir que sua colega havia notado o entusiasmo. Mas também uma alegria enorme encheu sua alma ao saber que aquele, cuja presença inspirou tanta quentura em seu coração, era o Amor e pela primeira vez na vida, de sua longa e solitária existência, Solidão sorriu. Um sorriso largo, profundo, envolvente e cheio de luz que iluminou o ambiente e todos a notaram e a olharam admirados.
Mas o Amor não estava perto. Solidão teve que se contentar de ficar longe do Amor, sem poder lhe dizer ao menos algumas palavras.
Quando chegou ao trabalho, Solidão procurou a colega e quis saber de todos os detalhes do Amor: como era, onde morava, do que gostava... queria saber de tudo, os menores detalhes e a cada resposta outras indagações surgiam, pois ela nunca tinha encontrado o Amor e agora, maravilhada perante a situação, não sabia o que fazer.
Ao voltar para casa rezou para que o Amor estivesse no ponto de ônibus e assim pudesse se aproximar ... mesmo sem saber o que lhe dizer. “Sei lá...pergunto as horas.... comento sobre o tempo...”, pensava Solidão que queria a companhia do Amor.
Mas de nada adiantou, Solidão não encontrou o Amor... O Amor não veio, foi embora... e isso a entristeceu muito. Mas Solidão não perdeu a esperança e no dia seguinte se arrumou ...colocou a melhor roupa, uma blusa presenteada há séculos, mas que nunca havia usado.... penteou-se e foi em busca do Amor.
Nova decepção...mais uma vez o Amor não veio. Nem sinal do seu cabelo de sol, de seus olhos de céu... nada, e Solidão pesarosamente foi trabalhar. Arrastou-se até a empresa, pois o que ela queria realmente era estar perto do Amor... sentir seus braços em volta do corpo, ouvir sua voz, que ela imaginava rouca...mas o Amor mais uma vez não apareceu.
E assim foram todos os dias seguintes. Solidão se arrumava, colocava a melhor roupa, rezava, ficava cheia de expectativas e esperança ... e mais uma vez o Amor não aparecia.
Teve até uma vez que ela olhou e pareceu avistá-lo; ledo engano...não era... o Amor deveria estar longe...bem longe dali e ela, que sonhava tanto com sua presença, havia tido apenas uma visão ilusória do Amor.
O tempo passou... os dias foram se somando e até hoje Solidão ainda procura o Amor...sem nunca mais tê-lo encontrado. Mas Solidão não perdeu a esperança, todo dia passa pelo ponto de ônibus, olha se o Amor está presente e ela já se prometeu: quando isso acontecer, ela descerá e se entregará para o Amor de corpo e alma.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

A Solidão que buscava o Amor (Capítulo 1)

Há muito tempo, numa pequena aldeia perdida neste planeta, nasceu uma menina que logo recebeu o nome de Solidão. Ao sair das entranhas de sua mãe, não chorou, apenas olhou o mundo com os olhos marejados de lágrimas, tristemente. Na verdade, desde o início, em sua mais tenra infância, Solidão se mostrou uma criança triste. Minguada, corpo franzino, grandes olhos negros , cabelos escuros e lisos... a boca parecia querer aprender a sorrir, mas nunca concretizando a ação. Esse era o seu aspecto.
Enquanto outras crianças se reuniam para as brincadeiras infantis, Solidão, triste em seu canto, apenas olhava sem nada dizer.
Na adolescência o problema continuou. Ao ir aos bailes e festas, Solidão continuava sozinha, apesar da agitação reinante no ambiente.
A garota se transformou em mulher, mas nada mudou no seu cotidiano. Até que um dia, ao ir para o trabalho, viu um rapaz pela janela de um ônibus, num ponto onde os coletivos paravam. Seu coração, pela primeira vez na vida se aqueceu, e sua face, normalmente pálida, ficou rosada, tamanha a emoção.

sábado, 31 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 17)

Mais uma vez, o garoto foi para a floresta encontrar sua amiga, aceitando que talvez ela nunca lhe desse o tesouro por que tanto ansiava. Ao chegar na mata, logo encontrou a Borboleta. Contudo, em seguida, uma multidão de outras borboletas, primas de sua amiga, apareceram, e todos juntos começaram a brincar de pique-esconde. O menino ria feliz. Ele sentia o seu coração se expandir ao ter tantas amigas brincando com ele. Uma chuva fininha, destas que caem do céu para fazer orvalho nas folhas brilhantes das árvores, surgiu, e o guri gargalhava feliz, feliz como nunca foi na vida. É bem verdade que o moleque era feliz em sua casa, na sua escola, tendo seus pais e o avô a lhe amparar sempre. Porém aquela felicidade era diferente. Era como se um sol brilhasse dentro do peito. O mesmo Astro Rei que irradiava do lado de fora, apesar da chuva fininha que despencava. Uma chuva própria para se fazer arco-íris.
E foi ali, naquela mata perdida neste mundão de meu Deus, no meio do planalto central, que o moleque foi agraciado com um verdadeiro tesouro. Ele se lembrou de uma história que seu nono volta e meia lhe contava. Era uma história de um menino que vivia num mundo muito pequeno e que ouvira certa vez de uma raposa: "Somente com o coração enxergamos com clareza, porque o essencial é invisível aos olhos." Ele havia encontrado seu tesouro e nem se dera conta disso. A amizade com a fraterna Borboleta, que não lhe era mais invisível, o amor pela floresta e pelos bichinhos que ali habitavam, tudo isso era um tesouro que ele carregaria por toda a vida. Ao se dar conta disso, o moleque ria feliz debaixo da chuva fininha, tendo o sol e os amigos daquela mata por testemunhas.
Não é uma linda história? Pois é… Eu também gostei de contar. Ah, você quer saber o que aconteceu com o menino? Tudo bem, eu conto: o garoto cresceu, virou homem. Ficou tão alto e sábio como o avô. Seu amor pela natureza, e principalmente pelas borboletas, levou-o a conhecer outras terras, muitas pessoas e até sentir na pele como era a neve. Ele virou doutor, com diploma na parede e tudo mais: o orgulho dos pais e da família inteira. Mas o guri não ficou besta, não. Apesar do sucesso, dos títulos e dos livros que escreveu, ele continua gostando de ir às matas e florestas deste mundo inteiro para encontrar outros bichinhos e fazer novos amigos.
Hoje, ele já não é um menino, destes que correm pelas ruas assustando beatas. Transformou-se num senhor de cabelos brancos, e todos os que olham a fotografia do avô pensam que ele é vestido com roupas do passado. Hoje, ele tem quatro netos: dois meninos e duas meninas. Todos com olhos azuis e sardas no nariz. A cada período de férias, eles vão à floresta procurar também a sua Borboleta Invisível.
E você? Já encontrou a sua?

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 16)

Os dias foram se passando, e mesmo aos sábados e domingos o menino não deixava de ir se encontrar com os amigos da mata. Contudo, o momento de maior alegria era quando a Borboleta Invisível, que não era mais invisível para ele, aparecia e pousava em seu nariz. Tudo levava a crer que ela gostava das sardas que povoavam o nariz do moleque, e ele não ligava. Afinal, eram amigos, e como tais tinham liberdade para brincar um com o outro.
Porém, apesar de a amizade estar se firmando a cada nascer do sol, a Borboleta nunca havia lhe mostrado o tesouro relatado pelo avô. Uma parte do guri ficava imensamente feliz de só ter a presença angelical da amiga, mas outra parte se questionava o porquê de ela não ter lhe presenteado com o tesouro de valor inestimável. Ele ficava triste quando pensava que talvez fosse porque não merecesse tal preciosidade. Porém, nunca abriu a boca para reclamar de nadica de nada com a fraterna amiga. Sim, porque não havia dúvida de que de eles conversavam entre si. Ela respondia sempre com um bailado que aos olhos dos outros poderia ser incompreensível, mas que o garoto entendia perfeitamente, tim-tim por tim-tim.
Certa noite, depois do jantar, o garoto sentou-se na porta da sala e olhou para o céu estrelado. Seu silêncio chamou a atenção do avô, que se aproximou devagarzinho e sentou do ladinho do neto. O ancião perguntou por que ele estava tão concentrado, e o guri explicou que pensava qual seria o motivo de a amiga Borboleta não lhe dar o tesouro. Ele queria tanto conhecer outros lugares, ver o mar, visitar outras terras, fazer amizades com pessoas e saber como era a neve. O sábio nono ficou primeiro em silêncio, e depois começou a falar com aquela voz mansa, pausada, que demonstrava toda a sabedoria acumulada ao longo dos anos. "Preste atenção: às vezes, a resposta pode estar dentro de você. Precisa só abrir o seu coração. A resposta virá de uma forma ou de outra", aconselhou.
O garoto acreditou. Ele sempre acreditava no que o avô falava, pois tudo o que dizia dava certo. "Mas como ler o próprio coração?", se perguntava. Afinal, na escola ninguém era alfabetizado neste quesito. A professora Glorinha nunca lhe ensinou o abc do coração. Eles aprendiam a ler, escrever, fazer contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir. Mas nunca, nunca mesmo, ninguém do colégio disse que o coração fala, que tem uma linguagem. Mas se o nono falou, deve existir mesmo, porque ele nunca mentiu para o neto.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 15)

Ao raiar de um novo dia (aproveitando que estava de férias do colégio), o guri, cheio de entusiasmo, correu outra vez para a floresta, carregando três livros: um era o mesmo que havia lido no dia anterior; o outro tinha a história de um pirata; e, por último, colocou na algibeira uma obra que falava sobre as florestas. Como ele não sabia qual era o gosto da Borboleta Invisível, resolveu dar várias opções para que ela escolhesse o tipo de leitura que queria ouvir.
Chegando à floresta, sentou-se no mesmo lugar e começou a ler em voz alta, sempre atento, procurando ver de rabo de olho se a Borboleta Invisível apareceria novamente. O ser angelical não se fez de rogado e, mais uma vez, pousou na ponta do seu nariz. Novamente, o garoto ficou vesgo e também surpreso com o aparecimento. Mas uma alegria imensa surgiu em seu coração quando se deu conta de que ela estava ali na sua frente, em carne e osso (quer dizer, o guri sabia que borboleta não tinha osso, era apenas um modo de dizer...).
Mais uma vez ele se admirava ao ver o ser angelical que durante tanto tempo em seus sonhos bailou. Do mesmo jeito que no dia anterior, a Borboleta, depois de ficar no nariz do moleque, foi para sua mão. Lentamente, para não espantar o bichinho, o guri abriu a palma, e, obediente, a Borboleta Invisível ficou ali pousada por minutos que pareceram uma eternidade. O menino não cansava de admirar tanta beleza, tanta formosura, tanta delicadeza. Ele nunca imaginou, em toda sua longa existência de guri, que pudesse existir uma borboleta tão bela, um ser tão irremediavelmente encantador. E aquele ser estava pousado na palma de sua mão, ao alcance de sua respiração. O garoto, temendo que ela fugisse, prendeu a respiração o mais que pôde, até começar a ficar vermelho. Quando não agüentou mais, começou a soltar devagarzinho o ar dos pulmões, morrendo de medo que a Borboleta fugisse. Mas ela não foi embora, ficou ali numa camaradagem que dava gosto de ver. Ela e o garoto como se fossem velhos amigos, de longas datas. Depois de um tempo, ela abriu as asas e voou floresta afora. Só que, daquela vez, o menino não ficou temeroso de que nunca mais a visse. Nasceu no seu peito de moleque a certeza de que havia sido plantada ali uma bela amizade, e que esta duraria enquanto os dois vivessem. Ele sabia no seu íntimo que aquela Borboleta Invisível voltaria sempre para lhe fazer companhia. O garoto não ficaria mais sozinho na floresta. Teria sempre o amparo daquele ser angelical.

domingo, 18 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 14)

Assim que teve consciência de que a Borboleta tinha realmente ido embora, o guri saiu numa disparada só, correndo pela floresta e depois pela estrada até chegar a casa com o coração saindo pela boca. Ele queria encontrar o avô e contar as novidades todinhas, todinhas, sem esquecer nenhum pequeno detalhe do encontro com a Borboleta Invisível. Assim que avistou a figura do ancião, que estava dando de comer ao canário, o garoto correu em sua direção. Como sempre acontecia depois de toda disparada, o menino não conseguia articular uma só palavra. Só saíam sons esquisitos de sua garganta. O nono, já sabendo que demoraria alguns minutos até a respiração do neto voltar ao normal, calmamente limpou a gaiola do passarinho, e, como sempre, deixou a portinha aberta para que o canário tivesse a liberdade de ir e voltar para casa no momento que quisesse. O canário de seu avô adorava a residência, mas também amava poder voar em liberdade e comer no pé das árvores as frutas maduras do pomar. Como era feliz, nunca deixou de voltar para a gaiola que era sua casa.
Quando o menino conseguiu falar, contou os mínimos detalhes do encontro com o ser angelical. O avô ouvia atentamente, e seus olhos brilhavam cheios de entusiasmo, com o mesmo sentimento que se via nos olhos do neto. Realmente, encontrar a Borboleta Invisível e conseguir enxergá-la era um privilégio para poucos. Contudo, no final do relato, o menino explicou que a Borboleta apareceu, mas não lhe deu nenhum tesouro de valor inestimável.
O sábio ancião pediu que o jovem tivesse paciência e fosse persistente. Ele lembrou ao neto que todas as lendas têm um fundo de verdade e que uma história tão antiga como a da Borboleta Invisível não teria passado de geração em geração à toa. "É preciso também saber se você está pronto para receber tal riqueza", argumentou o pai da mãe do garoto.
O menino foi dormir com aquilo na cabeça. Ficou pensando que talvez não merecesse mesmo o tesouro. "Mas se é assim", ele atinava, "a Borboleta não teria aparecido depois de tanto tempo!"
E, desse modo, cheio de esperança, entregou-se aos braços de Morfeu.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 13)

Então, num dia em que o menino estava sentado no tronco e quando parecia que a floresta inteira tinha parado para o escutar, pois ele lia a história de um anjo que havia visitado um casal de irmãos, a Borboleta tomou coragem, respirou fundo umas três vezes – Funnn, Funnnnnn, Funnnnnnnnn! – e pousou na ponta do nariz do menino de olhos da cor do céu. O menino ficou vesgo ao notar aquele ser angelical parado no seu pequeno nariz de sardas espalhadas. O guri arregalou os olhos, abriu a boca e ficou paralisado porque soube no mesmo instante que aquela era a Borboleta Invisível que lhe daria um tesouro inestimável.
Mexer?! Nem pensar! Respirar, então?! Impossível! Uma luz emanava daquele ser tão especial. Ela não era um pirilampo, é bom que se diga. Mas sua beleza era tão radiosa e exuberante, que parecia emanar uma luz própria dos céus, encontrada somente nos seres angelicais.
A Borboleta Invisível era muito mais bonita do que seu nono falara. Muito mais! Suas asas pareciam bordadas, seu corpo delgado parecia ter sido esculpido por algum anjo marceneiro e seu vôo encantava até o mais duro coração de pedra ou gelo. Do nariz, a Borboleta foi pousar na mão que segurava o livro de história. Em seguida, na coxa, e, por último, na ponta de sua botina. Depois, saiu voando, num bailado de fada, arrebatando o menino com sua beleza, levando-o ao êxtase por apreciar tanta formosura assim na vida!
A Borboleta começou a voar, e o menino no mesmo instante correu atrás do ser angelical, temendo perdê-la para sempre. Mas, do mesmo jeito que surgiu, a Borboleta desapareceu num piscar de olhos, e o garoto ficou temeroso de que tudo não tivesse passado de um belíssimo sonho.

domingo, 11 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 12)

O convívio diário do menino com a floresta teve seus resultados. Durante todo o tempo, a Borboleta Invisível ficou por ali rondando, escutando sua voz, as histórias que contava sobre piratas de uma terra distante e foi aos poucos tomando confiança no moleque. Ela, que sempre foi desconfiada, começou a acreditar que o guri não era perigoso, e, quando viu, já ansiava por sua presença na mata, que era sua casa. O ser angelical queria muito que as pessoas a enxergassem, ansiava verdadeiramente por isso, mas, no fundo do seu coração de renda, ela temia ser machucada. Temia que os seres humanos a prendessem e a colocassem dentro de um vidro, dependurada num quadro na parede. Volta e meia surgia alguém que aprisionava assim uma porção de primas suas e as levava para outro mundo, sabe lá Deus para onde.
A Borboleta Invisível tinha medo, mas esse sentimento se misturava com o desejo de ser vista e amada. É bem verdade que ela não tinha certeza nenhuma de que, ao ser vista, seria automaticamente amada. Não havia garantia, como nada na vida. Mas a Borboleta Invisível tinha o desejo de tentar, de se arriscar, de dar o primeiro passo na direção dos seres humanos. E, numa linda manhã de verão, quando as flores e árvores com seus frutos mostravam todo seu esplendor, a Borboleta Invisível tomou a firme resolução de se mostrar para o menino. É bem verdade que ela não sabia se ele conseguiria enxergá-la. Afinal, ele não era o primeiro com quem ela tentava se comunicar, mas poucos, bem poucos conseguiram enxergá-la, mesmo quando ela aceitava ser vista. Não são todos que têm a capacidade de enxergar o que é realmente belo. Muita gente não consegue ver coisas que estão debaixo do nariz. Mas se a Borboleta não tentasse, como conseguiria saber o resultado, né?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 11)

O verão chegou, depois surgiu o outono. No inverno, o garoto pegou uma gripe braba e teve que ficar de molho na cama, tomando caldo de galinha feito pela mãe e usando emplastro de angu no peito. Com isso, suas visitas à mata tiveram que ser adiadas. O menino ficou muito triste com isso, mas o avô lhe mostrou que ele poderia usar este tempo que estava de molho na cama para estudar mais sobre a natureza e, assim, mandou trazer da capital mais três livros grossos, desta vez dois azuis e um vermelho escuro.
O menino acordava bem cedo e ficava até a noitinha devorando o presente do nono. Ele estava ansioso para sarar logo e poder ir à floresta comprovar tudo o que aqueles livros diziam. Seu amor pela natureza crescia a cada dia mais e, quanto mais lia, mais tinha curiosidade para saber e saber. Sua fome era tanta, que o moleque só tinha um assunto nas conversas: era natureza pra cá, natureza pra lá, porque a natureza… Os pais, os empregados do sítio, até os amiguinhos da escola se cansaram de ouvir suas histórias e saberes. Apenas o avô, que tinha paciência de Jó, ouvia e o incentivava mais e mais. O velho ancião também era um apaixonado pela natureza. Sua maior paixão, contudo, eram as flores, principalmente as margaridas. O senhor de cabelos alvos sabia tudo a respeito de flores, e era um grande estudioso de margaridas.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 10)

Livre da implicância materna, o menino agora se sentia alforriado para passar a maior parte do tempo na sua floresta particular. Várias vezes, o avô lhe acompanhou na empreitada, sentando com o garoto no meio da mata para contar coisas que sabia sobre aquele universo verde, lembrar de quando tinha a idade do menino e corria pela estrada afora, sempre em companhia de seu nono também. Quando o menino ouvia aquilo, ficava espantado! Para o moleque, o avô já tinha nascido com aquela idade, de cabelos brancos. Mas seu nono contava as histórias, e isso sempre acalentava o seu coração. A voz pausada e suave encantava não apenas o neto, mas também os bichos que povoavam aquela floresta. O guri notou que, enquanto o sábio ancião contava as histórias, os pássaros, formigas, joaninhas e bichinhos de diferentes portes se avizinhavam atentamente. Aquilo deu uma idéia ao garoto. Se uma legião vinha escutar seu avô, quem sabe ele não poderia fazer o mesmo com a Borboleta Invisível? Durante aquele tempo, o menino ficou tão entretido em ler os livros presenteados pelo avô, que esqueceu, temporariamente, de seu maior objetivo em estar na floresta: conquistar a confiança e a amizade da Borboleta Invisível. No dia seguinte, o guri levou um dos livros de capa verde e começou a ler com a voz pausada, semelhante à que o nono usava quando lia histórias para ele dormir. Sua voz parecia ecoar na clareira. No silêncio suave da mata, a voz do garoto se assemelhava ao vento que corta as folhas das árvores. Os animais começaram a se aproximar para escutá-lo. Os dias foram passando, e o menino fez da leitura em voz alta um hábito. Ele notava que os seres da floresta gostavam mais quando lia as aventuras dos piratas de terras distantes. As borboletas ora voavam ao seu redor, ora pousavam nas pedras ou nos troncos das árvores que circundavam o local onde o guri tradicionalmente sentava para ler suas histórias. Mas o moleque não ficava apenas ali lendo, lendo, lendo… Não! Com o passar do tempo, cada pedacinho daquela mata era conhecido por ele. Não havia um tiquinho de terra, um cantinho qualquer que o garoto não conhecesse, de que não tivesse ciência. O menino conhecia todos os bichinhos, e os novos que nasciam já se tornavam seus amigos. Mas a Borboleta Invisível, nada. Nadica de nada!

terça-feira, 6 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 9)

E, assim, a cada amanhecer, o menino voltava à mata e aprendia um pouco mais daquele ambiente que pouco a pouco se ia revelando. Um novo mundo se abriu para ele. O guri começou a conhecer cada flor, cada folha, cada curva do rio que atravessava a densa floresta e agora não estava apaixonado apenas pelas borboletas, mas por todo aquele universo verde que tinha perto de casa. O interesse era tanto, mas tanto, que o avô, sempre ele, encomendou da capital – onde havia o mar que o menino queria conhecer com o tesouro que a Borboleta lhe traria – um livro grande, grosso, de capa dura e marrom, contendo os desenhos de várias borboletas. Parecia que todas as borboletas que existiam no mundo estavam ali retratadas. Menos uma, é claro. Como seu avô tinha lhe explicado desde o início, poucos, bem poucos conseguiam enxergar a Borboleta Invisível.
No final, de tanto lidar com o livro, o menino já sabia distinguir cada uma das borboletas que lhe apareciam pela frente, quando sentava no meio da floresta e admirava o ambiente. O avô, incentivando o interesse do neto, resolveu encomendar dois novos livros da capital: um sobre as árvores e outro sobre os pássaros. Os dois tinham capa dura também, só que eram verdes e um pouco mais pesados do que o primeiro.
A mãe do menino bem que quis ensaiar um protesto contra a ausência dele em casa e nos pequenos afazeres domésticos, mas o sábio avô lhe disse: "Deixe estar. Ele está aprendendo a amar a natureza". Como boa filha , a mãe do guri acabou obedecendo ao velho pai.

domingo, 4 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 8)

O garoto ficou pensando no que o avô disse. No dia seguinte, quando retornou à floresta, já foi sabendo que era preciso praticar a paciência, e que seu tesouro não seria encontrado rapidamente.
Cheio de coragem e confiante de que conquistaria a Borboleta Invisível, o moleque saiu naquele dia de casa assim que o sol raiou munido, do firme propósito de fazer dela sua amiga. Como a mãe sempre disse que a melhor maneira de se chegar ao coração de um homem era cativando seu estômago, o menino resolveu levar uma porção extra de broa. É bem verdade que a Borboleta Invisível não era homem, mas se funcionava para um, porque não funcionaria para outro, né? "Não é tudo filho de Deus?!", atinava o garoto esperto.
E o guri passou o dia inteiro na floresta estudando seus barulhos. Viu um montão de pássaros, joaninhas, formigas, besouros, bichinho bem pititico, outros nem tanto. Naquele silêncio todo, o menino conseguiu escutar as vozes das águas que passavam por entre as pedras do rio. Um monte de passarinho comeu os farelos da broa que ele levou para conquistar a Borboleta Invisível.
Ela não apareceu, pelo menos não que ele conseguisse ver, mas sua manhã não foi perdida porque, se não conseguiu conquistar a amizade da Borboleta Invisível, pelo menos ele semeou confiança nos vários passarinhos e formigas que vieram comer da iguaria de sua mãe.
O guri não foi embora triste, quando retornou para casa no final da tarde. Ele tinha a certeza de que se conseguiu iniciar uma amizade com os amiguinhos da floresta, também conquistaria a da Borboleta Invisível.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 7)

Mas como encontrar a Borboleta Invisível? Se ela morava naquela mata, em qual toca dormia? Aliás, borboleta dorme? Borboleta mora em toca como os coelhos? Tantas perguntas... E nem seu avô nem o "Pai do Conhecimento" estava por perto para lhe dar a resposta a tantas indagações. Era muita falta de sorte! Mas o menino não desistiu e continuou ali na floresta, tentando enxergar a Borboleta Invisível.
As horas foram passando, a "noite foi chegando devagarzinho com seu manto negro, salpicado de estrelas", e antes que sua mãe brigasse e o deixasse de castigo por chegar atrasado ao jantar, o menino resolveu ir embora. Contudo, ele se prometeu continuar na manhã seguinte à procura do ser que lhe bafejaria com a sorte.
Chegando em casa, o neto foi procurar o avô para esclarecer várias questões que lhe surgiram enquanto estava na floresta. A conversa foi longa.Só houve uma parada durante o jantar, pois o pai sempre insistiu que a hora de comer era sagrada e que todos deveriam se concentrar no alimento, agradecendo ao Pai Maior. Nunca o silêncio à mesa incomodou tanto o guri. O avô, que sempre foi de comer compassadamente, saboreando a gostosa sopa que a filha havia feito, parecia mais lento do que os dias normais. Mas até que a refeição acabasse e o garoto pudesse continuar a prosa com o querido senhor de cabelos brancos penteados para trás, que tinha os olhos dos mesmos tons que os seus, pareceu uma eternidade. O nono lhe explicou que era difícil conseguir enxergar a Borboleta Invisível, porque ela era muito arisca e nem todo mundo conseguia vê-la; que só aparecia para alguns privilegiados que conquistassem sua confiança; que o neto deveria ter paciência e ganhar sua amizade, para que ela se sentisse segura ao seu lado. "Para se confiar numa pessoa, é preciso comer um quilo de sal com ela. Todo dia um pouquinho", sentenciou o sábio ancião.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 6)

No dia seguinte, o guri levantou novamente cedo, mais cedo ainda, junto com o galo, e novamente passou na cozinha, pegou um pedaço de pão recém-feito, e saiu em disparada na direção da mata. Não chegou sequer a tomar o seu café com leite, pois queria chegar cedo na floresta. Vai que a Borboleta Invisível madrugasse também! Se ele chegasse tarde, ela poderia já ter ido para outros lados, sabe-se lá!
Chegando à mata, o menino ficou pesquisando cada pedacinho do terreno coberto de árvores, folhas caídas e flores silvestres. Encontrou os mais diferentes pássaros, com plumagens ricas e variadas. Borboleta, então?! Nem se fala! Cada uma mais linda e delicada que a outra, mas nada, nada mesmo, da Borboleta Invisível. O ser que lhe traria um tesouro de valor inestimável, conforme o avô lhe havia contado. Sentou-se na raiz de uma árvore e ficou pensando como seria encontrar um baú contendo um tesouro. Cheio de pedras coloridas, pérolas como as que sua mãe usava e que foram compradas na quitanda do "seu Juca", só que essas teriam valor! O garoto não era ambicioso… Quer dizer, só um pouquinho. A descoberta do baú com o tesouro (porque todo tesouro que se preza tem que vir dentro de um baú), sim, lhe abriria as portas para conhecer outras terras, viajar. A mãe sempre dizia que não podia ir para a capital que não tinha dinheiro, que o pai precisava juntar para comprar semente boa para a próxima estação. Os anos se passavam, e o menino, que sempre acalentou o desejo de ir para a capital ver o mar, não conseguia realizar seu sonho. "Afinal, já estou ficando velho", pensava, "Daqui a pouco, faço dez anos e não vivi a vida", argumentava consigo mesmo!
Por isso lhe era tão importante encontrar a Borboleta Invisível e ser bafejado pela sorte. O tesouro de valor inestimável lhe abriria as portas para ver o mar e viajar nele por horas e horas. Seu nono lhe disse que o oceano era grande, mas tão grande, que se poderia navegar nele por meses antes de encontrar outro país, sim, senhor!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 5)

O moleque, como todo garoto que se preza, sempre quis ser pirata. Mesmo nunca tendo visto o mar de perto, seu avô lhe dizia da imensidão e da profundidade inigualáveis do oceano. Seu sonho era conhecer as terras distantes que seu nono vivia a lhe contar. Terras onde existissem neve e montanhas tão altas que não daria para ver o topo escondido lá em cima, entre as nuvens. O garoto sonhava em fazer uma longa viagem, tendo sempre a tiracolo o avô, sua coleção de pedrinhas e mais meia dúzia de bugigangas que ele considerava essenciais para a sua vida. Coisas que qualquer menino carregaria para onde quer que fosse.
E ele pensou, pensou, pensou... passou a tarde inteira na porta da cozinha, sentado nos degraus, atinando uma maneira de conseguir ver a Borboleta Invisível. A mãe logo foi ver se ele tinha febre ou algo parecido. Sim, porque, espevitado do jeito que era, só se estivesse muito doente é que ficaria quieto, num canto qualquer. Mas ele não tinha febre. Não a febre que a mãe pensava, mas sim um desejo intenso de ver a Borboleta Invisível!
A noite chegou e as estrelas surgiram lá no alto, as luzes da casa foram se acendendo e o menino continuava na porta da cozinha, pensando num jeito, tentando atinar uma maneira de conseguir realizar o seu desejo.
A mãe o chamou, o pai também, mas ele só entrou depois que o avô sentou-se na porta junto com ele, aconselhando-o que fosse jantar e depois dormisse, pois saco vazio não pára em pé e nada melhor do que uma boa noite de sono para "desanuviar" as idéias.
Como tudo o que o nono falava dava certo, o moleque seguiu seu conselho.

sábado, 26 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 4)

Ficou tão impressionado com o que viu, que saiu correndo, deixando de lado a intenção primeira de ficar explorando o local, em direção à casa para falar com o seu avô. Seu nono – era assim que ele chamava o pai de sua mãe – era um homem muito sábio. Para o menino, ele era o homem mais sábio do mundo, pois tudo o que perguntava o avô sabia, e, quando não sabia, os dois juntos iam procurar num livro grande de capa preta que o nono havia apelidado de "Pai do Conhecimento". A curiosidade era tanta, mas tanta, que, quando o moleque conseguiu achar o avô, que estava debaixo de uma árvore frondosa, agachado, plantando margaridas, o coração parecia querer sair pela boca, e as palavras se embaralhavam com o ar, produzindo sons estranhos e desengonçados. O avô, conhecido por sua serenidade e jeito calmo no falar, sorriu e esperou, pacientemente, o neto se recuperar, para, então, entender o que ele tanto queria.
Demorou uma eternidade para que isso acontecesse. Um minuto inteirinho de aflição do garoto querendo perguntar, e não conseguindo se fazer entender. O avô, sorrindo, pediu que ele respirasse fundo, profundamente, várias vezes, até que as palavras foram se tornando compreensíveis, e ele entendeu pelo que o neto tanto ansiava: queria saber tudo sobre as borboletas.
O velho senhor sentou-se num banco que ficava debaixo de um caramanchão florido e contou tudo o que sabia. A cada relato, o menino fazia novas perguntas, e a prosa durou horas seguidas, sem que ambos notassem o tempo passar. No final, a mãe do garoto teve que os chamar várias vezes para irem almoçar, pois a comida esfriaria.
O estômago dos dois já dava mostras de impaciência e a comida da mãe cheirava até alcançar o outro lado da cerca, mas, antes de se levantar, o avô lhe contou a lenda de que havia naquela floresta um ser muito especial: uma Borboleta Invisível. Quem a visse ficaria batizado pela sorte e, enquanto vivesse, teria em seu poder um tesouro de valor inestimável.
Foram almoçar. A comida estava boa, mas, a cada garfada que o menino colocava na boca, tudo em que pensava era como faria para conseguir ver a Borboleta Invisível e, assim, ser o dono do tesouro que ela traria.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 3)

Certa vez, num dia radioso de primavera, quando a Mãe Natureza mostrava todo o seu esplendor e glória desde os primeiros minutos do amanhecer, o menino saiu cedinho da cama, o galo mal havia cantado. Pegou um pedaço de broa que estava em cima da mesa da cozinha e se esgueirou de fininho pela porta dos fundos, em direção à floresta. Se a mãe ou o pai lhe visse, a aventura estaria perdida. Logo, logo, lhe incumbiriam de alguma tarefa: debulhar milho, varrer o quintal, ou mesmo tomar conta do gato da vizinha, que vivia querendo fazer do canário do seu avô a refeição principal do dia.
Então o menino, depois de ter tomado uma distância considerável da porta da cozinha, e já confiante de que não poderia mais ser visto pelos pais, saiu em disparada, como se fosse um corisco, em direção à floresta que, na sua visão de moleque, era um local mágico e cheio de mistérios. Volta e meia, ele se refugiava ali, quando, é claro, conseguia se desvencilhar dos olhares materno e paterno. Nem sempre era fácil; porém, possível.
O garoto, ao chegar na mata, foi logo envolvido por diferentes sons, que nunca o deixavam de encantar. As folhas das árvores ainda carregavam o orvalho da madrugada ainda não completamente evaporado. Molhadas, brilhantes, resplandeciam parecendo esmeraldas ao sol.
De repente, um balé de borboletas passou em sua frente. Extasiado, olhava-as dançando como se namorassem. O menino ria vendo tanta beleza. As cores das borboletas pareciam terem sido tiradas do arco-íris. Uma variedade caleidoscópica que fazia o garoto arregalar os olhos e buscar identificar cada uma. Mas o dançar era rápido demais e, muitas vezes, ele não sabia onde começava uma cor e terminava outra. A visão durou poucos segundos, tempo suficiente para que o menino se apaixonasse pelas borboletas e resolvesse daquele momento em diante, vir sempre à mata admirá-las. Nascido e criado naquelas bandas, sempre vinha à floresta, mas era a primeira vez que conseguia presenciar o dançar das borboletas.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 2)

Se você pensa, contudo, que a história termina por aqui, está enganado. Esqueci de contar que naquela aldeia havia um menino, um moleque destes bem levados, que vivia de calça curta e joelho ralado, curioso por natureza, de olhar esperto e vivaz e cuja íris mais parecia um céu azul em dia ensolarado sem nenhuma nuvem.
Um garoto capaz de enxergar coisas a que os outros não dariam a mínima atenção. Um bichinho do mato que gostava de colecionar pedras pequenas, que colhia, escondido do pai, alface na horta e fruta no pomar para dar aos passarinhos, ou a qualquer criatura da natureza que sentisse fome de corpo e de atenção.
Mas o garoto não era santo não! Adorava subir em árvores, dar susto nas beatas que passavam pela calçada em direção à igreja e que o desconjuravam, rogando pragas do inferno, dizendo que sua alma queimaria lá em baixo, com o Belzebu, só porque ele teimava em jogar pererecas sempre no momento em que elas passavam. Uma grande injustiça com o pobre do garoto, essas beatas faziam. Afinal, até que se prove o contrário, só se é menino uma única vez. Era, pelo menos, o que o padre jurava em suas missas matinais de domingo! O garoto sempre desconfiou do pároco com suas mãos melecadas de gordura de frango assado, que comia duas vezes ao dia, mas como ninguém tinha se manifestado, não seria ele a fazê-lo. Afinal, era apenas um menino, e criança não tinha querer, tampouco podia dar pitaco em conversa de adulto. Se fizesse isso, sua mãe lhe puxaria as orelhas, e adeus sobremesa, durante uma semana inteirinha, inteirinha. Melhor ficar quieto.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 1)

Talvez você não acredite nesta história que vou narrar. Ela foi contada por meu avô, que ouviu de seu avô, que, por sua vez, escutou de seu nono, que era de uma terra bem distante.
Como todo bom "causo", este começa assim:
Era uma vez uma aldeia, e, próxima a ela, existia uma floresta cortada por um rio cujas águas cristalinas nasciam numa distante montanha. A terra ficava perdida num planalto central deste mundão de Deus. Dentro desta floresta densa, habitava um ser angelical, de cuja existência poucos se davam conta. Naquela mata de vegetação cerrada, havia uma linda borboleta.
Você pode até dizer: "Mas que novidade é esta? Borboletas existem aos montes pelo planeta afora!"
É verdade. Mas esta era especial. Muito especial mesmo, pois era uma Borboleta Invisível.
Poucos, muito poucos, podiam enxergá-la naquela floresta densa de tons de verde que pareciam ter nascido da paleta de um artista.
As borboletas que havia naquela mata eram conhecidas por suas belezas e variedade de cores, mas se os habitantes daquela terra pudessem enxergar a Borboleta Invisível, aaah… Certamente a elegeriam como o ser mais belo deste planeta. Mas ninguém, ninguém mesmo, conseguia vê-la para apreciar tanta formosura.
Suas asas lembravam rendas que pareciam criadas por alguma mão de fada que, certamente, habitava aquela mata. Cada pedacinho de seu corpo delgado era de uma perfeição que só mesmo a Mãe Natureza seria capaz de gerar.
Mas, apesar de tudo isso, o povo daquela terra não conseguia vê-la pousada nos largos e extensos troncos das árvores que circundavam a floresta, o que não deixava de ser uma pena, porque tanta beleza não deveria ser apreciada apenas por alguns. Sua transparência era motivo de tristeza para a Borboleta Invisível. Ela queria muito ser vista, apreciada e amada, mas ninguém tinha enxergado suas asas bordadas, suas antenas delicadas e seu voar angelical.
Triste é a sina de quem não consegue ser vista pelo outro. Dá um pesar danado no coração de quem se torna invisível para o mundo, principalmente quando tudo o que se almeja é ser admirado, é fazer brotar no peito de alguém um sentimento que acalente as entranhas como se fosse um colo quente e reconfortante.
A Borboleta Invisível se sentia assim, entristecida em sua invisibilidade, embora conformada com seu destino.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Testamento

Quando eu morrer, por favor, não chore: celebre a vida se aproximando mais desta Força Superior que habita em cada um.
Quando eu morrer, e espero que ainda demore algum tempo, lembre-se dos bons momentos que tivemos, nunca o que deixamos de viver.
Depois que partir, por favor, não me transforme em mito ou exemplo a ser seguido. Lembre-se que soltava pum, acordava com remela nos olhos, tinha TPM e, às vezes, apenas às vezes, aparecia eventualmente com comida entre os dentes.
No dia de minha morte, por favor, cubra-me com margaridas, nunca com rosas. Se não for época de florescerem, pode ser qualquer prima delas, que já serve.
Quero chegar onde tiver que chegar, coberta de margaridas que simbolizam para mim tudo que sempre busquei nesta vida.
Se a direção do cemitério deixar, plante na minha cova, ou então perto dela, um pé de jabuticaba. Deixe que meu corpo, que naquele momento deixei, sirva de nutriente para uma das mais belas árvores. A jabuticabeira é a minha preferida, principalmente quando está em flor. Quero que quando a árvore der os frutos, alguém possa dizer:

- Hummm, como a Mina tá gostosa este ano!

Tudo bem, admito que não fui a primeira a pensar nesta metáfora, mas gostei tanto da idéia de ser gostosa mesmo depois da morte, que reproduzi a frase aqui.
Caso morra de forma violenta, por favor, não se martirize pensando no quanto devo ter sofrido. Lembre-se da frase de William Shakespeare: “Há mais coisa entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.
Se você orar ou mandar rezar uma missa, desde já agradeço.
Mas se quiser realmente me alegrar, trazendo luz ao meu espírito, por favor, ouça um Chico Buarque, um Tom Jobim. Ahhh, um Vinícius também serve, qualquer música popular brasileira de boa qualidade.
Ligue o som na sua sala de estar ou no quarto e dance, abra os braços e dance. Você não estará sozinho. Prometo estar contigo celebrando a vida!

PS: Mina é meu apelido de infância