terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Cornélio


O mendigo, com ar de profeta, gritava sempre que Cornélio passava:

– O homem nasceu para ser corno!

Cornélio se segurava para não avançar em cima do profeta, quer dizer, do mendigo, e lhe dar uns golpes de MMA, que aprendeu vendo TV, tal era a sua raiva.

Esta era sua sina: sempre ser motivo de piada de terceiros. Também, com o nome que lhe deram, seria difícil não ser vítima de chacota e risinhos irônicos. O pai foi o culpado por fazê-lo carregar o nome ingrato: carola de alto grau, seu Zé Maria decidiu o destino do filho ao querer homenagear o centurião Cornélio, o primeiro gentio, ou seja, não judeu, a se converter ao cristianismo.

É por isso que Cornélio sempre se apresentava como Nélio, mas volta e meia alguém descobria seu nome inteiro e lá vinham a gozação e as piadas infames, sempre repetitivas.

A vingança de Cornélio era que seu nome poderia até ser detestável, mas a falta de originalidade de alguns era medonha, repetindo sempre a mesma piada sem graça.

Não sei se por sina ou se foi mesmo praga de alguma madrinha, mas Cornélio era sempre corneado.

Teve uma vez em que, ao confrontar a traição de uma namorada, ela admitiu mesmo que o corneava e se justificou:

– Você pega tanto no meu pé, com medo de ser corneado, que acabei te traindo mesmo. Agora tu tem motivo pra ser tão chato.

Insegurança do jovem mancebo, é claro. Mas, também, com um nome deste, a insegurança virou companheira constante!

Com isso, de tentativa em tentativa, Cornélio sempre via o momento em que o relacionamento ia pro beleléu. Não importava a plástica da garota, ele era sempre corneado.

No início, Cornélio, como todo bom homem, buscava a aparência e, apesar de não ser nenhum galã de novela das oito, quer dizer, das nove, conseguia conquistar lindas garotas, que logo despertavam a cobiça dos outros também. Daí para a traição era um pulo.

Depois, vendo que garotas lindas davam muito trabalho, resolveu apostar a conquista nas jovens que fossem ‘bunitinhas’.

Sim, aquelas que a gente sempre diz que são ‘bunitinhas’, ou seja, mais simpáticas do que propriamente lindas.
Deu certo.
Mas só no início.
Sempre aparecia alguém, e o namoro se transformava num triângulo amoroso, enfeitando mais uma vez a testa de Cornélio.

Enfezado com toda aquela situação, Cornélio decidiu ser mais radical: só pegaria tribufu. Nada de lindas ou ‘bunitinhas’; seu negócio passou a ser namorar mulher feia mesmo.

Cornélio foi fundo, tamanha era a sua raiva da vida e dos chifres que teimavam em lhe nascer na testa. Com isso, ele fez a alegria de qualquer mulher carente que encontrasse. Não importava a idade, não importava a condição social, se era bonita ou feia, gorda ou magra: sendo mulher, Cornélio se atirava de corpo e alma.

Coitado. Parecia que bastava Cornélio conquistar qualquer tipo de mulher, para que os machos em volta passassem a se interessar pela donzela em questão.

O resultado disso foi o enorme baque em seu coração e também, por que não dizer?, em sua autoestima.

Cornélio passou a ter dificuldades para dormir, começou a ter pesadelos e, mesmo não namorando ninguém, via-se sendo traído até nos momentos em que buscava os braços de Morfeu. O pobre coitado começou a colecionar grandes e profundas olheiras, emagreceu e já não conseguia sair do quarto, tal era o seu nível de depressão.

Depressão brava.
Bravíssima.
Bravérrima.

Até que um dia, no meio de tantos pesadelos, o mendigo profeta lhe apareceu nos sonhos, quer dizer, nos pesadelos, e lhe falou a tão conhecida frase:

– O homem nasceu para ser corno!

E com o olhar rútilo completou, dando de ombros:

– Se a vida lhe deu um limão, faça uma limonada! – disse, com um sorriso meio irônico, meio pedindo desculpas.

Foi a salvação de Cornélio. Ele se levantou da cama naquele dia com um vigor nunca dantes sentido. Uma mistura de esperança e fé a lhe envolver o coração, e tomou a decisão mais sábia de sua vida: fundou a Associação dos Cornos e Amigos dos Cornos (ACAC).

E logo tratou meio de fazer os três mandamentos básicos que deveriam nortear todo aquele que se filiasse à Associação dos Cornos e Amigos dos Cornos.

Fez apenas três mandamentos, porque este negócio de dez é para as Escrituras Sagradas.

Sentou-se à mesa, possuído por uma força poderosa, vinda de sua dor ‘cornística’, e escreveu:

1º - Nunca chegue em casa antes da hora em que você está acostumado a chegar;
2º - Se o Ricardão for valente, de uma de “celular”, ou seja, fique “fora da área”;
3º - Nunca fale do chifre alheio, o próximo pode ser o seu.

No início, Cornélio sentiu muita dificuldade de conseguir associados, porque ele só admitia homens para sócios:

- O peso de uma traição é diferente entre os gêneros - alegava, convicto.

Dá para entender tanta resistência entre os machos: uma ideia revolucionária sempre causa estranheza mesmo. Afinal, é extremamente difícil admitir-se corno, principalmente numa cultura machista. Por isso, ele decretou que – diferentemente de outros tipos de associações – o filiado à ACAC não pagaria nenhuma mensalidade. O fato de assumir os “galhos” já o isentava de taxa.

Cornélio estipulou, ainda, que o associado recebesse uma carteirinha que lhe dava o direito de participar de bailes e eventos. A Associação dos Cornos e dos Amigos dos Cornos passou a organizar o famoso Baile dos Chifrudos e firmou “convênio” com bares para dar descontos de até 30% aos traídos, para que eles pudessem chorar suas mágoas.

Nos casos mais graves, o associado ainda receberia, caso quisesse, assistência psicológica. Ele próprio abriu uma loja virtual, com diferentes artigos: camisetas, canetas; canecas; chapéus; capas para micros, protetores de tela, celular, iPhone.

Todos os artigos sempre com o seguinte ditado italiano:

“Se cada corno carregasse um lampião, que iluminação!”.

Apesar da demora, o sucesso veio de forma avassaladora. A Associação dos Cornos abriu franquias em todo o Brasil e começou a exportar a ideia para o restante da América Latina, Europa e Estados Unidos da América.

Cornélio virou empresário de sucesso e escreveu livros de autoajuda para os cornos deprimidos. Hoje seus livros sempre ocupam os primeiros lugares na lista dos mais vendidos no mundo; além disso, lançou resort-spa, para os cornos descansarem depois da descoberta da traição; dá palestras motivacionais pelo Brasil (tem agenda lotada!) e recentemente foi convidado para ministrar palestras numa importante faculdade americana, na Columbia.

O convite para a palestra na terra do Tio Sam veio depois de ser capa da Revista The Time, onde foi elogiado por seu empreendedorismo.

Além disso, há cerca de um mês estreou sua peça sobre as várias formas de ‘cornice’, sendo sucesso de crítica e de público.

Sua vida está para virar filme dramático dirigido por um grande cineasta brasileiro, de renome internacional - contudo, maiores detalhes estão sendo mantidos em segredo, porque a história deverá ser uma coprodução com Hollywood.

O sucesso foi sua maior vingança.