sábado, 31 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 17)

Mais uma vez, o garoto foi para a floresta encontrar sua amiga, aceitando que talvez ela nunca lhe desse o tesouro por que tanto ansiava. Ao chegar na mata, logo encontrou a Borboleta. Contudo, em seguida, uma multidão de outras borboletas, primas de sua amiga, apareceram, e todos juntos começaram a brincar de pique-esconde. O menino ria feliz. Ele sentia o seu coração se expandir ao ter tantas amigas brincando com ele. Uma chuva fininha, destas que caem do céu para fazer orvalho nas folhas brilhantes das árvores, surgiu, e o guri gargalhava feliz, feliz como nunca foi na vida. É bem verdade que o moleque era feliz em sua casa, na sua escola, tendo seus pais e o avô a lhe amparar sempre. Porém aquela felicidade era diferente. Era como se um sol brilhasse dentro do peito. O mesmo Astro Rei que irradiava do lado de fora, apesar da chuva fininha que despencava. Uma chuva própria para se fazer arco-íris.
E foi ali, naquela mata perdida neste mundão de meu Deus, no meio do planalto central, que o moleque foi agraciado com um verdadeiro tesouro. Ele se lembrou de uma história que seu nono volta e meia lhe contava. Era uma história de um menino que vivia num mundo muito pequeno e que ouvira certa vez de uma raposa: "Somente com o coração enxergamos com clareza, porque o essencial é invisível aos olhos." Ele havia encontrado seu tesouro e nem se dera conta disso. A amizade com a fraterna Borboleta, que não lhe era mais invisível, o amor pela floresta e pelos bichinhos que ali habitavam, tudo isso era um tesouro que ele carregaria por toda a vida. Ao se dar conta disso, o moleque ria feliz debaixo da chuva fininha, tendo o sol e os amigos daquela mata por testemunhas.
Não é uma linda história? Pois é… Eu também gostei de contar. Ah, você quer saber o que aconteceu com o menino? Tudo bem, eu conto: o garoto cresceu, virou homem. Ficou tão alto e sábio como o avô. Seu amor pela natureza, e principalmente pelas borboletas, levou-o a conhecer outras terras, muitas pessoas e até sentir na pele como era a neve. Ele virou doutor, com diploma na parede e tudo mais: o orgulho dos pais e da família inteira. Mas o guri não ficou besta, não. Apesar do sucesso, dos títulos e dos livros que escreveu, ele continua gostando de ir às matas e florestas deste mundo inteiro para encontrar outros bichinhos e fazer novos amigos.
Hoje, ele já não é um menino, destes que correm pelas ruas assustando beatas. Transformou-se num senhor de cabelos brancos, e todos os que olham a fotografia do avô pensam que ele é vestido com roupas do passado. Hoje, ele tem quatro netos: dois meninos e duas meninas. Todos com olhos azuis e sardas no nariz. A cada período de férias, eles vão à floresta procurar também a sua Borboleta Invisível.
E você? Já encontrou a sua?

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 16)

Os dias foram se passando, e mesmo aos sábados e domingos o menino não deixava de ir se encontrar com os amigos da mata. Contudo, o momento de maior alegria era quando a Borboleta Invisível, que não era mais invisível para ele, aparecia e pousava em seu nariz. Tudo levava a crer que ela gostava das sardas que povoavam o nariz do moleque, e ele não ligava. Afinal, eram amigos, e como tais tinham liberdade para brincar um com o outro.
Porém, apesar de a amizade estar se firmando a cada nascer do sol, a Borboleta nunca havia lhe mostrado o tesouro relatado pelo avô. Uma parte do guri ficava imensamente feliz de só ter a presença angelical da amiga, mas outra parte se questionava o porquê de ela não ter lhe presenteado com o tesouro de valor inestimável. Ele ficava triste quando pensava que talvez fosse porque não merecesse tal preciosidade. Porém, nunca abriu a boca para reclamar de nadica de nada com a fraterna amiga. Sim, porque não havia dúvida de que de eles conversavam entre si. Ela respondia sempre com um bailado que aos olhos dos outros poderia ser incompreensível, mas que o garoto entendia perfeitamente, tim-tim por tim-tim.
Certa noite, depois do jantar, o garoto sentou-se na porta da sala e olhou para o céu estrelado. Seu silêncio chamou a atenção do avô, que se aproximou devagarzinho e sentou do ladinho do neto. O ancião perguntou por que ele estava tão concentrado, e o guri explicou que pensava qual seria o motivo de a amiga Borboleta não lhe dar o tesouro. Ele queria tanto conhecer outros lugares, ver o mar, visitar outras terras, fazer amizades com pessoas e saber como era a neve. O sábio nono ficou primeiro em silêncio, e depois começou a falar com aquela voz mansa, pausada, que demonstrava toda a sabedoria acumulada ao longo dos anos. "Preste atenção: às vezes, a resposta pode estar dentro de você. Precisa só abrir o seu coração. A resposta virá de uma forma ou de outra", aconselhou.
O garoto acreditou. Ele sempre acreditava no que o avô falava, pois tudo o que dizia dava certo. "Mas como ler o próprio coração?", se perguntava. Afinal, na escola ninguém era alfabetizado neste quesito. A professora Glorinha nunca lhe ensinou o abc do coração. Eles aprendiam a ler, escrever, fazer contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir. Mas nunca, nunca mesmo, ninguém do colégio disse que o coração fala, que tem uma linguagem. Mas se o nono falou, deve existir mesmo, porque ele nunca mentiu para o neto.