quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Tuninho Hilário

Nunca houve na história deste país figura mais engraçada do que Tuninho Hilário. Ele era tão engraçado, que bastava dizer 'bom dia' para que todos caíssem na gargalhada, como tivesse falado a mais nova pérola piadista.


Tuninho tinha este dom natural e, diferente do que se possa pensar, não era feliz por fazer os outros felizes.

Na verdade, Tuninho Hilário trazia em si uma grande tristeza a lhe moer a alma.

Não que sua vida fosse terrível. Não. Ele não sofria de nenhum mal irremediável, não havia nenhuma doença na família, tampouco tinha grandes dificuldades financeiras. Não estou dizendo que ele nadasse em dinheiro, não é isso, mas ele passava seus pequenos apertos, como 95% do povo brasileiro.

Não podemos dizer também que fosse feio. Bonito não era, é bem verdade, mas feio… feio mesmo, daqueles de doer, não era, não, senhor. Façamos-lhe justiça.

Mas, apesar de tudo, não era feliz, e o que lhe causava ainda mais depressão era que tudo o que dizia ninguém levava a sério. Todos pensavam, todos mesmo!, que o que dizia era brincadeira e, muitas vezes, o que ele queria era apenas um ouvido amigo que pudesse lhe escutar, sem risada, sem julgamento.

Resultado: foi acumulando alegrias, prazeres, mágoas, ressentimentos, raiva e outros sentimentos, bons e maus, ao longo dos anos, sem poder compartilhar com ninguém.

Este dom de fazer os outros rirem começou muito cedo. Desde o berço, os pais, avós e amigos da família, quando ouviam o pequeno Tuninho chorar, caíam na gargalhada. O dom que o Céu lhe deu se transformou numa maldição grega, daquelas com que os deuses desagraciam os pobres mortais.

E quando numa conversa ele soltava alguma frase que os outros achavam serem pérolas, de tão engraçadas, e todos caíam na gargalhada, ele ficava aflito e dizia:

– Não, eu não tô brincado, não! Juro!

O riso dobrava, e tinha gente que perdia o ar, outros faziam xixi nas calças, de tanto rir.

Com isso, a tristeza só aumentava, aumentava, aumentava. Uma vez, vendo um programa de TV destes que passam de tarde (porque ele já nem saía do quarto), Tuninho teve a ideia de procurar ajuda profissional, porque, afinal, profissional que é profissional mesmo não vai cair na gargalhada, não é mesmo?

Ledo engano.

Tuninho procurou na lista telefônica um terapeuta perto de sua casa. Foi de pijama mesmo, tendo uma capa de chuva por cima.

Quando chegou ao local, na hora em que o terapeuta abriu a porta, deu uma boa olhada na sua figura e ouviu Tuninho dizer 'boa tarde', o homem (que já era um senhor de idade, com alvos cabelos brancos) caiu na gargalhada.

Tuninho nem entrou, deu meia volta, retornou para casa e foi direto para a cama. Mas a dor era tão intensa, que ele decidiu tentar novamente.

Agora resolveu procurar um profissional de alta estirpe, não estes de lista telefônica, não, senhor. O bambambã tinha consultório na Delfim Moreira – com vista cinematográfica - de frente para o mar, e o valor da consulta equivalia a três meses de seu salário, mas Tuninho estava tão desesperado, que fez um empréstimo no banco e foi – cheio de esperança – ao consultório da celebridade terapêutica.

O médico, um jovem com cabelos arrepiados, roupa descolada e óculos de intelectual de boutique, recebeu-o todo compenetrado, sem sorriso, sem gentilezas, com o nariz levemente arrebitado, e muito ciente de sua qualificação profissional.

Um fio de esperança começou a nascer em Tuninho na mesma hora. Ele se animou, porque o terapeuta não riu neste primeiro momento e se mostrou antipaticamente sério. Mas como Tuninho não estava ali para fazer amigos e, sim, para resolver o seu problema e conseguir colocar suas aflições para fora, tendo um ouvido amigo que pudesse escutá-lo, não se importou. Profissionalismo era o que buscava e pagava além de suas posses para isso.

A primeira pergunta que o terapeuta fez foi sobre sua mãe. As mães sempre são culpadas por tudo, não é mesmo? Pois é. Apesar de aparentar ser todo ‘modernoso’, o terapeuta tocou no ponto clássico: encontrar uma desculpa para xingar a genitora de qualquer um.

Tuninho não se importou. Ele tinha um bom e amoroso relacionamento com a mãe, assim como com a família inteira. Não era este o problema.

O problema é que ninguém o levava a sério; ninguém o escutava, inclusive a mãe, o pai e todos do clã. Mas Tuninho estava disposto até a inventar algumas calúnias contra a genitora, caso fosse necessário, mesmo se fosse apenas para que alguém o escutasse e não começasse a rir da história de suas aflições.

Na primeira frase que falou, Tuninho olhou para o terapeuta, e este se mostrava com a dignidade que convém ao cargo que ocupava. Com a mão segurando o queixo, olhos atentos, o nariz ligeiramente arrebitado franzido, demonstrando grande concentração no que escutava.

Tuninho se animou, porque pela primeira vez em toda sua vida ele dizia uma frase e ninguém ria.

Cheio de esperança, Tuninho disse a segunda frase e notou que o nariz arrebitado do terapeuta franziu mais um pouco e que sua boca teve um leve franzido também, como se buscasse conter algum som que a garganta quisesse expressar.

Desconfiado, Tuninho continuou xingando a mãe e rezando para que aquela careta que ele via na cara do terapeuta, não fosse um prenúncio de gargalhada.

Tuninho falou a terceira frase, e a boca e o nariz ficavam mais e mais franzidos, como se o terapeuta estivesse buscando conter uma grande, imensa explosão.

Na quarta frase, o descolado profissional não aguentou e soltou uma gargalhada que – valha-me Deus! – foi ouvida por todo o Leblon, quiçá, por toda a Zona Sul do Rio de Janeiro!

Não adiantou xingar a mãe. O terapeuta perdeu toda a fleuma e se curvou de tanto rir; parecia uma criança se deliciando com um palhaço no picadeiro.

Uma decepção.
Uma não. Mais uma!
Foi a última vez que Tuninho procurou ajuda profissional.

“Sou um caso perdido, não tenho jeito, não”, disse a si mesmo e, ao se ouvir, teve vontade de rir, mas se conteve.
Seria desmoralização demais para uma só pessoa.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Adão

Anunciava a todos os que quisessem ouvir e também àqueles que não queriam escutar:


– Minha mulher, sim! Isso é que é mulher!

Casado há quinze anos com Maria de Lourdes, Adão tinha certeza absoluta da fidelidade da mulher, mãe amantíssima de primeira qualidade, escolhida a dedo. A última da espécie.

Para ele, este negócio de emancipação feminina, queima de sutiã em praça pública, pílula anticoncepcional e todo este blá-blá-blá não passava de balela para boi dormir. Era ele que mandava na casa e pronto, e trazia a mulher, ali, no cabresto.

– Comigo, não! Homem nenhum me passa para trás! Ricardão lá em casa não se fia, não, senhor! – garantia o arrogante marido.

Adão demorou para encontrar a mulher ideal. Nascido na Cidade Maravilhosa, namorou muito e iludiu muita menina, mas ele sabia que não acharia a esposa, a que seria a mãe de seus filhos, onde ele vivia.

Na verdade, Adão tinha a certeza de que só no interior do interior é que encontraria a mulher ideal, porque ele não era homem de sustentar periguete, não, senhor.

E foi assim que ele encontrou Maria de Lourdes, numa cidade aonde essas ‘mudernidades’ do século XXI não haviam chegado. Num lugar tão longe, que Judas tinha perdido as meias, porque as botas havia deixado dez léguas antes.

Maria de Lourdes era a personificação da mulher que ele sempre idealizou. Muito nova, recatada, virgem, do lar e temente a Deus de todo o coração.

No final, a família se encantou com a possibilidade de o clã ter um parente na cidade mais maravilhosa do mundo e acabou insistindo que a filha desse o sim ao mancebo carioca.

Maria de Lourdes, vexada com tanta atenção, ainda demorou a aceitar a corte, mas no final acabou subindo ao altar de véu, grinalda e flores de laranjeiras, conforme manda o figurino.

Adão estava realmente certo: moça como Maria de Lourdes, se existia, eram poucas. Sua meiguice e mansidão só se encontram em livros água com açúcar do século XIX.

O casamento foi uma festança de fazer gosto. Adão não se fez de rogado e pagou três garrotes de uns quatro anos cada. A festa durou um final de semana inteiro e por pouco não vai segunda-feira adentro.

A noiva chorou muito ao se despedir da família e da amiga de infância, quase irmã, chamada Gracinha. A amizade vinha de longa data, e uma vivia agarrada à outra. Mas acabou se conformando e seguindo com o, agora, marido para a cidade grande.

Adão sabia que voltar para a Cidade Maravilhosa era correr um certo risco, porque, sabe como é… cidade grande há muita tentação. Por isso ele era muito vigilante e não dava espaço para a esposa arrumar um amante e trocá-lo.

– Demorei muito para encontrar Maria de Lourdes e confio nela, mas não dou oportunidade, não. Sabe como é: a ocasião faz o ladrão, como já dizia meu velho pai. E eu é que não vou ficar aqui dando boa vida para Ricardão nenhum! – dizia, gabando-se da vigilância cerrada que fazia com a esposa.

Não demorou muito, o primeiro rebento chegou. Ainda na lua de mel, Maria de Lourdes emprenhou e nove meses depois nascia um lindo garotinho de olhos azuis, puxando a família materna, que era dada a ter olhos claros, segundo afirmou a esposa de Adão.

– Macho como deve ser, levando o nome da família e perpetuando a espécie! – dizia o pai, distribuindo charutos para comemorar o nascimento do primeiro filho.

Adão era assim mesmo, macho até a última mitocôndria celular. Não admitia ninguém ciscando no seu terreiro; não acreditava nas modernidades e avanços da espécie humana e dizia que macho era superior à fêmea.

Por estes destinos da vida, Adão teve cinco filhos, e todos homens.

– Que vocês cuidem de suas cabritas, porque estou criando um time de bodes! – falava, rindo das próprias palavras.

Enquanto isso, Maria de Lourdes levava a vida de dona de casa e mãe amantíssima, não tinha grandes ambições.

No início do casamento teve dificuldade de se adaptar à agitação da cidade grande e aprender a cuidar de uma criança. Caçula de uma grande família, não tinha experiência em limpar umbigo e dar banho no pequeno rebento.

A solução encontrada foi chamar a grande amiga, Gracinha, que se prontificou imediatamente a ajudar a companheira de infância, mudando-se para a casa de Adão. Gracinha também vinha de uma grande prole, a diferença é que foi a primeira, e todos os irmãos que vieram depois ela ajudou a criar.

E assim, a vida seguia em céu de brigadeiro. Adão a cada dois anos embuchava a esposa, que continuava naquela mansidão e recato, sempre contando com a ajuda da amiga de infância, que passou a morar definitivamente com o casal.

Adão ficou feliz com a chegada de Gracinha, porque assim poderia dar suas escapulidas, não alterando em quase nada sua vida, mesmo sendo pai de família. Como ninguém é de ferro, Adão volta e meia pulava a cerca. Nunca teve um caso sério ou que durasse mais de três encontros. Afinal, ele não precisava de mulher, tinha uma em casa, escolhida a dedo. As outras, bem, eram outras, conforme ele mesmo dizia para os amigos nas rodas de bar.

Foi assim até o dia em que ele, que não era dado a essas coisas de modernidade, decidiu seguir o conselho de um amigo e procurou na internet um vídeo destinado ao público adulto.

Vamos no popular: Adão queria mesmo era ver filme com muita sacanagem, sem precisar pagar aluguel de locadora e também sem correr o risco de ser flagrado pela esposa ou por Gracinha vendo este tipo de película. Ao alugar a fita de alguma locadora, sempre corria o risco de ser descoberto, ainda mais tendo filho-homem, com os hormônios em ebulição. Então, ver pela internet lhe pareceu uma saída mais confortável, e foi isso o que Adão fez, sempre tomando o cuido com os horários, acessando em momentos em que a casa estivesse mais vazia.

Numa tarde de abril Adão acessou uma dessas páginas e encontrou um filminho bem dos sacanas. O filme começava com duas mulheres no ‘rala e rola’. Quando começou a ver o espetáculo, algo passou a incomodar o marido de Maria de Lourdes. Ele não soube identificar imediatamente o que lhe causava o incômodo, mas de repente se deu conta:

– Mas esta que está aí pelada é minha mulher, Maria de Lourdes! – exclamou, levantando-se de supetão da cadeira.

E era mesmo. Sua mulher, mãe amantíssima, estava lá, em poses indecentes, com outra mulher. O pior ainda: a outra mulher era Gracinha. Sim, a grande amiga de infância estava ali, em rede mundial, fazendo as estripulias que os filmes de sacanagem mostram.

Adão não acreditou. Tentou se convencer de que aquela ali era alguém muito parecida com a sua mulher, que não era Maria de Lourdes, a noiva que ele escolheu a dedo, que buscou a vida inteira para colocar a aliança e que lhe gerou cinco filhos-homens!

Mas era ela mesma, sim. Maria de Lourdes poderia até ter uma sósia, mas seria muita coincidência atuar num mesmo filme uma sósia de Maria de Lourdes e outra de Gracinha. Não, isso não era capaz de haver, seria muita coincidência para um corno só.

Quando a mulher chegou com Gracinha da rua, Adão foi logo lhe querendo tomar satisfação. Quando mostrou o vídeo às duas, Gracinha ainda teve o desplante de querer negar, soltando a clássica frase:

– Não é nada disso que você está pensando!

Durante todo o tempo, Maria de Lourdes ficou quieta, enquanto Gracinha tentava convencer o marido da amiga de que aquilo que ele via não era na verdade aquilo que ele via.

O silêncio da mãe amantíssima durou quase sete minutos, mas de repente Maria de Lourdes deu um grito e bateu a mão na mesa, confessando tudo:

– É verdade! Tu é um corno mesmo! Me vigiou a vida inteira com medo de ser corno, num foi? Cagava de medo que algum Ricardão aparecesse no seu terreiro? Pois bem, não foi Ricardão, foi Ricardona!!! É de mulher que eu gosto e sempre gostei! Eu e Gracinha sempre fomos um casal, e só você não via isso, não via porque não queria ver! Corno! Tu é um corno mesmo!!! C-o-r-n-o!!!!!! – gritava a mãe amantíssima de cinco filhos enquanto avançava agredindo o marido.

Xiiiiiii… aí foi aquela confusão, nem te conto!

Adão gritava, querendo matar, procurando faca de cozinha; as duas mulheres em cima dele, tirando sangue com as unhas e mordidas; os vizinhos logo vindo separar a briga; os “deixa disso” logo aparecendo para jogar água fria na quentura… um fuzuê daqueles de arrancar rabo, precisava ver.

Para você ter uma ideia, teve até que chamar a patrulhinha, e foi todo mundo parar na delegacia ter que explicar tudo ao delegado de plantão. Um vexame, nem lhe conto!

Os meninos foram levados para a casa de vizinhos e primos distantes; Adão, depois que saiu da delegacia, não sem antes ter passado o vexame de contar e registrar tudo, sendo declarado corno oficialmente, ficou na casa de um colega de trabalho, um conjugado no Catete; já as duas messalinas, conforme ele dizia, ficaram no apartamento.

Mas é como já disse um filósofo popular cujo nome nunca sou capaz de lembrar: o tempo, ah o tempo!, cura qualquer dor, principalmente as de corno.

Depois que a poeira baixou, Maria de Lourdes, Adão e Gracinha sentaram para conversar e decidir o que fariam da vida, porque, afinal de contas, ainda tinham os cinco filhos, que precisavam de amparo e proteção.

Bem, ao menos foi esta a desculpa que Adão deu para todo mundo quando foi ao encontro do casal. Essa foi a justificativa, mas, cá entre nós, o que ele estava mesmo querendo era apaziguar o pobre coração. Sim, porque, apesar de toda a macheza, apesar de gostar de cantar de galo, Adão tinha os quatro pneus arriados pela mulher.

Sempre foi apaixonado por ela, mas nunca confessou nem a si mesmo o grande amor que abrigava em seu coração. Desde o início. Foi amor à primeira vista, sim, senhor, o que ele sentiu quando botou os olhos em Maria de Lourdes!

O resultado disso tudo: os meninos voltaram para casa; Maria de Lourdes e Gracinha continuaram juntas (como sempre) e Adão se conformou em fazer parte de um triângulo amoroso. Ele voltou para o santo lar, e todos vivem na paz e na concórdia.

Hoje Adão é, inclusive, um bem sucedido empresário de uma produtora de filmes para adultos.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Guarda-chuva

Sou um guarda-chuva preto e austero.
Estou esquecido num canto qualquer e, como o dia está ensolarado, ninguém se importa com minha presença.

Admito que minha austeridade e dignidade também não ajudam. Se ainda fosse uma alegre sombrinha colorida, talvez com bolinhas ou flores, vá lá! Mas não sou. Há quem diga que sou um guarda-chuva preto e feio, com uma dignidade de mordomo inglês, tão inapropriada em terras tropicais.

Esta é a história de uma vida inteira: ninguém se dignifica a me olhar.

Jogado, espero um momento certo para aparecer em cena, mas a meteorologia já sentenciou que a frente é de calor, e a chuva não surgirá tão cedo no céu de brigadeiro. É assim que vivo: de frente – ora frente fria, ora frente de calor, mas sempre, sempre de frente.

Fazer o quê, não é mesmo?

Sigamos em frente.

Acabei esquecido e ninguém me nota a presença. Já disse isso, não? Pois é, estou me repetindo. Eu sempre me repito. Teve até aquela vez…

Desculpe.

É dura a vida de um guarda-chuva. Ninguém nunca escreveu – pelo menos eu nada soube até então – as memórias de qualquer guarda-chuva, ainda menos um tão austero e formal como a minha pessoa.

Mas posso estar equivocado. Alguém pode ter escrito alguma coisa, existir algum livro, e eu, que não sou leitor profissional, posso não ter tomado conhecimento.

Deve haver alguém que escreveu, mas, torno a repetir: desconheço. Eu conheço as memórias de um fusca, de um cabo de vassouras, de uma gueixa, de um sargento de milícias… mas de um guarda-chuva? Ah, não conheço, não.

Deve ser porque, afinal de contas, nós, os guarda-chuvas, não devemos mesmo guardar grandes segredos, nem temos espaço para guardar grandes memórias… Ficamos lá, paradões, esperando o momento certo para aparecer como coadjuvante. Uma lástima mesmo. As pessoas só sentem falta de um quando a água desaba. Aí todos procuram algum da minha espécie para a sua própria proteção.

A sombrinha não. Ela é alegre, versátil e tem o glamour próprio de uma senhorita feliz. É colorida e, em algumas culturas, nem precisa de chuva para ser aberta, basta alguém querer dançar.

Lembra-se do pessoal de Recife com o seu frevo?

Você conhece alguém que fez música para algum guarda-chuva? Repito mais uma vez: a minha pessoa desconhece. Nunca ouvi nenhuma música onde o guarda-chuva fosse acessório de alegria.

Pode até haver alguma música em inglês, mas como só sei falar “I love you”, não tenho como garantir com certeza. Também pode ter algum compositor tupiniquim que tenha cantado em versos a beleza de um guarda-chuva, mas se existe, nunca ouvi.

Por tudo isso digo e repito: Uma injustiça é o que fizeram comigo e com os meus companheiros de jornada, isso sim!

Esta falta de prestígio deve ser porque atendemos, basicamente, ao público masculino. Sim, porque eu me lembro de que na fábrica onde nasci foi contada de geração em geração a história de nossa origem. Venho de uma família de alta estirpe. Já na Mesopotâmia meus tatatatatatatatatataravós protegiam a realeza do sol escaldante.

Sim, porque naquela área é muito difícil chover mesmo.

Continuando a aula de história ‘guardachuvesca’: depois, no Egito, subimos um pouco de posto hierárquico e adquirimos status de acessório religioso. Mas nossa desgraça mesmo foi na Grécia: transformaram-nos em acessório feminino e, sabe como é mulher, né? Logo quiseram colocar uns lacinhos, florzinhas e fru-frus e, voilà!, surgiu a sombrinha; daí o velho e digno guarda-chuva se transformou em sombrinha.

Dizem que Eva veio da costela de Adão, eu não sei se isso é verdade, mas posso garantir que a sombrinha veio das costelas-hastes de nós, guarda-chuvas.

Durante séculos e séculos ficamos relegados ao ostracismo, porque macho que era macho não queria usar nada que pusesse em dúvida sua masculinidade – os metrossexuais ainda não haviam dado o ar da graça. Mesmo sendo um acessório importante para a proteção contra intempéries e tendo um visual austero e impecável, fomos marginalizados durante muito tempo.

Foi só no século XVIII que um comerciante inglês, visando a aumentar o faturamento de sua loja, começou a campanha de que guarda-chuva era chique e masculino.

Vocês não sabem o que meus tatataravós sofreram com o escárnio dos lordes! Mas aos poucos estes acabaram se rendendo, e fomos aceitos.

Depois, tivemos nossos momentos de glória, como coadjuvantes, é bem verdade, mas tivemos! Uma quase glória, poderia dizer.

Meu tio-avô fez ponta em Hollywood, no filme “Cantando na chuva”; era ele lá, parceiro de Gene Kelly. A cena tornou-se lendária, mas ninguém se lembra de que sem as presenças da chuva torrencial e do guarda-chuva não haveria graça nenhuma. A cena não seria imortalizada.

Um primo meu, de quarto grau, também participou de outros momentos memoráveis, sempre coadjuvante. É a sina dos guarda-chuvas, serem sempre escadas para outros aparecerem. Este primo teve seus minutos de fama como parceiro de Mary Poppins, quando ela descia dos céus para ajudar as crianças da família Banks e, no final, a empregada transformava a vida de cada pessoa da casa.

Meu avô era par constante do lendário Mazzaropi. Ele apareceu em diversos filmes ao lado do mais famoso Jeca Tatu brasileiro.

Já eu nunca me atrevi a tentar ponta em nenhuma novela ou filme, muito menos em documentário. Eu não! Não estou aqui para ficar colocando azeitona na empada de ninguém, não senhor.

Eu rezo sempre para padim Cícero, que é o único santo que conheço, pois sempre carregou um guarda-chuva, para que o final dos meus dias seja tranquilo e que eu não seja vítima de nenhum tipo de preconceito ou bullying. Sim, porque volta e meia ouço algum infeliz dizendo que guarda-chuva aberto dentro de casa traz infortúnios e problemas familiares.

É brincadeira, não é não?!

Outros ainda têm a petulância de dizer que deixar o guarda-chuva ou a sombrinha cair em casa é sinal de que vai acontecer um assassinato naquela moradia!

E o pior é que tem gente que acredita!

O cara toma uns gorós, bate na mulher, chuta o gato, xinga a sogra, sai por aí distribuindo palavrão e brigando com o Deus e o diabo, e depois, se alguém mete uma bala nos cornos da criatura, nós é que somos culpados?!

Francamente!

É como eu digo, vida de guarda-chuva não é fácil, não, senhor. Precisa ser muito macho para vergar estas frágeis hastes, sustentando um pano preto e austero, ser relegado sempre a coadjuvante e, no final, ouvir algum traste dizer que somos geradores de má sorte e assassinato!

Mas não faz mal, não.

Nós, os guarda-chuvas, temos como profissão de fé sempre sermos abertos para a vida.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Caixa de remédios

Sou uma caixa de remédios muito fashion.

Minha dona é uma jovem de trinta anos e ela me comprou justamente porque não sou como essas caixas comuns que carregam pílulas.

Não! Sou descolada, com um estilo retrô século XXI, com brilho e espelhos.

Tenho muito orgulho de ser como sou, afinal, minha dona me considera a salvadora de sua vida, porque nos meus compartimentos há remédios para sanar todos os seus males.

Tem o remédio para o emagrecimento. Ela acha que precisa emagrecer no mínimo cinco quilos. Eu acho que está ótima, mas como minha opinião não vale neste caso, minha dona toma o remédio que vai deixá-la com o corpo perfeito. O problema é que depois ela fica nervosa, mas aí eu entro em ação novamente. e ela ingere um ansiolítico. Depois toma diurético, porque fazer xixi emagrece mesmo, elimina gordura. Ela leu isso numa dessas revistas de mulherzinha. Como eu e ela somos mulherzinhas mesmo, com muito orgulho, ela toma e eu guardo os comprimidos.

Umas duas vezes na semana ela também engole três cápsulas de laxante, porque nada melhor do que limpar o organismo indo ao banheiro para eliminar todo o chocolate que ela gosta de comer. A culpa é eliminada quando ela aperta a descarga.

Em um dos meus compartimentos também há as milagrosas pílulas anticelulite, e ela toma umas cinco vezes ao dia porque, afinal de contas, não adianta nada ser magra e estar cheia de casca de laranja, não é mesmo?

Ah, também tenho em meus compartimentos remédio para ela dormir, porque o estresse da coitadinha é grande! Como sou sua amiga mais fiel, guardo o remedinho para ela nanar com os anjos.

Também tenho remédio para ela acordar, porque a cápsula para dormir faz tanto efeito, que só tomando uma pílula para acordar de vez.

Minha dona pensa muito na saúde e tem uma pílula feita com todas as cascas de árvores da Amazônia, cuja finalidade é repor todas as vitaminas e sais minerais de que um corpo saudável necessita. Afinal, tomar vitaminas em cápsulas não engorda.

Sou uma super-heroína moderna! Estilo Mulher Maravilha, sabe?

Hoje em dia é muito comum ter remédio para todos os males e, com isso, graças a Deus!, eu e outras caixas de remédios estamos tão em voga.

Perdeu um amor?
Tome um remédio.
Ganhou outro amor?
Tome um remédio.
Brigou com o chefe?
Tome um remédio.
Foi promovida?
Tome um remédio.

É a glória para nós, caixas de remédios, porque, com tantas cápsulas para administrar durante o dia, nos tornamos essenciais na existência de todos.

A vida tem remédio!







domingo, 29 de abril de 2012

O Paladino

Ele nasceu para ser paladino.

Nasceu para ser O defensor dos “frascos e comprimidos”. Seu nome tinha até a pompa de um cavaleiro vindo ao mundo com uma missão maior: Carlos Magno!


Desde tenra infância, lá estava ele a defender gatos de cachorros, cães de felinos, meninas de meninos, garotos de garotas; um verdadeiro mini-herói, pronto para usar sua capa e espada infantis em defesa do mais frágil.

É bem verdade que nem sempre ‘o frágil’ queria ajuda, mas ele nem perguntava, ia defendendo e pronto. Se houvesse queixa, saía indignado, com o peito retumbante de orgulho, não entendendo a ingratidão que vigora no mundo. Fazer o quê, né mesmo? Paladino tem sempre como destino ser um incompreendido; ele não era exceção.

Quando ficou maiorzinho, saiu em defesa de coisas maiores: afinal, vivemos num mundo onde os micos-leões-dourados e as baleias-brancas precisam ser salvos, a floresta da Amazônia também e até aquele casarão caindo aos pedaços, que só tinha a fachada, é de suma importância para a vida de todos do planeta Terra. Neste momento, surgia a figura de Carlos Magno, pronto para defender tudo e todos que precisassem (ou não).

Por favor, não pense que estou criticando quem realmente busca salvar o dourado dos micos, os mamíferos aquáticos albinos, o pulmão do mundo e até aquele sobrado decadente. Não, não é isso. Falo apenas do paladino Carlos (fora de época) Magno, que nasceu para envergar a capa e a espada em pleno século XXI.

É bom que se diga que ele não era uma figura romântica, tal qual um Dom Quixote perdido nas veredas do mundo. Não, ele não era.

Falarei à vera: era um chato. Grande chato. Extremamente chato. Um chato de galocha, como se dizia no tempo da minha mãe. Um chato… bem, você já entendeu. Pois é. Carlos Magno sempre iniciava suas frases com expressões do tipo:

– Se eu fosse você…

Ou:

– Eu no seu lugar…

Ou ainda:

– Ah, mas você deveria fazer assim…

Não podemos esquecer também da frase que ele mais gostava de repetir:

– Faça dessa maneira …

Carlos Magno tinha conselho para tudo. Era capaz de explanar – durante três horas seguidas – sobre como salvou com seus conselhos o escondidinho de carne seca da sua vizinha do 303. Ele sabia tudo e tinha a resposta salvadora para qualquer pessoa, para qualquer perrengue. Eu disse qualquer, qualquer mesmo!

Quem não o conhecesse poderia até comprar sua figura, mas depois de algum tempo a pessoa já se conformava com estar realmente diante de um chato.

Foi assim com Creusa. Ela “comprou” a figura de Carlos Magno no início e, depois,… xiiiii… Nem te conto!

Mudando um pouco de assunto: você não acha que Creusa com “r” parece errado? Eu sei que nome próprio é complicado, cada um escreve do jeito que quer, e o cartório deixa passar, mas sempre achei que escrever Creusa é o mesmo que dizer Framengo. Você não acha não?

Bem, não importa. O que eu queria dizer é que foi assim que Carlos Magno conheceu aquela que viria a ser a mãe amantíssima de seus filhos.

Pois é, chato também se casa, se reproduz e pode, até, morrer dormindo. Eles, os chatos, estão soltos pelo planeta, e sempre cruzaremos com um paladino pelos corredores do mundo, quando não os encontrarmos na nossa própria casa!

Quando conheceu Carlos Magno, Creusa o achou simpático (tem chato que à primeira vista pode ser simpático), tinha boa presença – não era lindo de morrer, mas ela também não era nenhuma Vênus de Milo… –, falante e sempre querendo salvar qualquer um que encontrasse pela frente. Ele tinha, aparentemente, todos os ingredientes necessários para ser aquele príncipe encantado do subúrbio que ela queria encontrar. Encontrou. Mas a jovem enamorada estava tão carente, que não deu bola para as pequenas intuições que vagavam como diminutos relâmpagos repentinos em sua mente, alertando-a de que aquele príncipe, na verdade, era um sapo disfarçado. Resultado: casou-se.

Eu queria completar a frase com “e eles foram felizes para sempre”, mas, convenhamos!, quem se casa com um chato nunca, eu disse nunca!, será feliz, ainda mais para sempre! Tenha dó!

E a coitada da Creusa se casou de véu, grinalda e rosas vermelhas (ela achou cafona usar flores de laranjeira), bufê e salão de festa da igreja alugado para o grande evento. Tirou fotos com os padrinhos da noiva e os do noivo, jogou o buquê e foi passar a lua de mel numa praia paradisíaca no Nordeste brasileiro, viagem paga – por boleto bancário – em trinta e seis meses. Tudo certo, mas, no final do primeiro mês de casamento, ela já tinha confirmado a certeza de que havia realmente se casado com um chato. Ora, veja você a decepção da criatura!

Então, a jovem senhora entubou a decepção e seguiu com a vida, aguentando com paciência de Carmelita Descalça em penitência todo aquele blá-blá-blá interminável a lhe rondar os dias e as noites.

Não demorou muito, o Júnior chegou; dois anos depois, Creusinha Priscila; e, para coroar o clã familiar, o caçulinha, Maicon Aparecido. A família estava formada, e Creusa pôde constatar que aquele ditado antigo que diz que “filho de peixe peixinho é” não podia ser mais certo. Eita, crianças mais chatas! E olha que era a própria mãe falando dos anjinhos! Imagine então a vizinhança!

Mais uma vez a 'tadinha da Creusa entubou a situação, e assim os anos foram passando, passando, e a pobrezinha aguentando, aguentando, aguentando a cada amanhecer aquele karma, aquele inferno astral que o destino lhe tinha pregado.

Tenho uma teoria de que o que a pessoa é na juventude, com a idade, a característica, sendo boa ou má, se intensifica. Então, o velho chato foi um jovem chato. Carlos Magno, com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais chato; os filhos, crescendo, tornaram-se também mais e mais chatos; e, no meio daquela chatice toda, estava a pobrezinha da Creusa. Ela foi acumulando, acumulando, acumulando ressentimento e mágoa, até que um dia, os filhos já crescidos, ela não aguentou mais e deu seu grito de independência. Arrumou um amante, uns vinte anos mais novo, e colocou um baita par de chifres na cabeça do chato do marido ex-amado.

Sabe como é, existe uma satisfação maquiavélica em saber que um chato se deu mal. Se a notícia é de que o chato virou corno, então, o prazer, literalmente, é maior!

Quando a vizinhança e os colegas da repartição souberam que o chato do Carlos Magno era portador de um ditoso par de chifres, ah, eles vibraram de satisfação e deram vivas, exaltando o nome da dona Creusa!


– Bem feito! – é o que diziam com um sorriso de gato que acabou de comer sua presa.

Se Carlos Magno já era chato na vida normalmente, imagine quando descobriu que era corno, que a mãe amantíssima de seus filhos o tinha traído? Xiii… quando alguém o via se aproximando, saía de fininho, para evitar ouvir as lamúrias. Sim, porque naquela época dona Creusa já tinha saído de casa e montado apartamento com o jovem mancebo.

Carlos Magno ficou deprimido, não se conformando com a situação. Dizia até que perdoaria a traidora, aceitando-a de volta ao santo lar. Os chatos dos filhos não aguentaram a chatice do pai; saíram também em disparada, não sobrando nenhum, nenhum mesmo!, para dar o conforto material e espiritual à figura paterna.

Com isso, ele virou um farrapo humano: barba crescida, cabelo sem corte, olheiras profundas, de pijama o dia inteiro, rondando a casa, que estava uma verdadeira zona sem a mão firme da dona Creusa a comandar aquele lar.

Além disso, ele trocava o dia pela noite e, no final, acabou despedido da repartição por justa causa. Carlos Magno nem ligou:


– Minha vida está acabada mesmo! – dizia o chato do corno, dramaticamente.

Até parecia que ele era o único corno do mundo; como todo chato que se preza, era dramático e superlativo.

Cada vez mais fundo no poço da depressão e da autopiedade, parecia que seu fim estava próximo, até que, numa madrugada, encontrou a salvação de sua vida: resolveu construir sua própria igreja e foi à luta.

A primeira providência foi transformar a sua moradia na mais nova igreja do pedaço. Foi fácil, e a procura, já na primeira noite, foi grande. Uns vizinhos chegaram ao local movidos pela curiosidade, porque conheciam o passado do chato do vizinho. Contudo, a maioria apareceu mesmo querendo ser salva.

Já no primeiro mês, Carlos Magno abriu quatro filiais nos bairros circunvizinhos.

Seis meses depois, já tinha trezentas e sessenta e cinco filiais no estado inteiro.

Sua conta corrente crescia a olhos vistos, e até o experiente gerente do banco ficou estupefato com tamanho crescimento financeiro em tão pouco tempo.

Sua vida realmente deu uma guinada completa, e hoje ele vive com a nova mulher, Shirley Matilde, o grande amor de sua vida, sua verdadeira alma gêmea, tão chata quanto ele! Teve mais três filhos com seu grande amor: Petrick Jorge, Melissa Matilde e Wallace Juarez. A feliz família mora num grande triplex de frente para o mar. Tem jatinho e helicóptero e já contratou um personal stylist e um assessor de imprensa. Carlos Magno pretende concorrer nas próximas eleições para o cargo de deputado federal.

E todos foram felizes para sempre!



quinta-feira, 26 de abril de 2012

Pão Doce

Pão Doce era um menino muito levado da breca.

Não era este o seu nome de batismo, é claro, mas nem a avó se lembrava de como o neto se chamava. A mãe morreu de complicações no parto, e o pai era desconhecido.

Resultado: Pão Doce foi batizado com algum nome cristão, mas a avó, que na verdade se tornou sua mãe, devido à idade avançada nem se lembrava mais do nome que tinha lhe dado. Precisava procurar a certidão de batismo para saber o nome do neto, mas, como ela não soubesse ler e os problemas da velhice não ajudavam muito, ela sempre deixava para depois.

O apelido veio desde antes mesmo de o umbigo cair. Ainda era petititico, alguém olhou para ele e o chamou de Pão Doce. A alcunha pegou na mesma hora.

Sabe como é, apelido, quando cai na boca do povo, nada trata meio de tirar. Pão Doce era um bom menino, apesar de arteiro.

Adorava mexer com as beatas, soltando pequenos camundongos na hora da missa em que elas estavam ajoelhadas. Era um alvoroço. Ele sempre fazia isso na missa das 11 horas, porque a igreja estava mais vazia e ninguém lhe notava a presença.

O padre Ezequiel ficava doido com bafafá das beatas, que interrompiam sua missa para subir nos bancos, com medo dos pequenos ratinhos.

Pão Doce ria, escondido perto da sacristia, e depois que via o mal que tinha feito, saía correndo como um corisco, destrambelhado ladeira abaixo.

Porém Pão Doce também tinha qualidades.
Era um ótimo moleque de recados entre os enamorados. Havia uns quatro casais que utilizavam seus serviços, em troca de alguns trocados.
Coisa pouca, o suficiente apenas para comprar cocada preta e algumas balas de coco ou de tamarindo na venda do seu Messias.

Outra qualidade de Pão Doce: era bom em lidar com os bichos de todas as espécies. Parecia que o moleque sabia se comunicar na linguagem deles, e qualquer cachorro vira-lata ou roedor de beco vinha saudar-lhe como se fossem velhos amigos.
Daí a facilidade que tinha para arrumar camundongos e soltá-los na missa do padre Ezequiel.

Não pense que Pão Doce fosse um garoto mau; não, ele tinha um bom coração. Mas, como todo moleque saudável, era levado e fazia estripulias, desfrutando os curtos momentos da infância, que passa tão rápido. Pão Doce, apesar dos pesares, era querido e sabia cativar os outros com seu sorriso branco e largo.

Mesmo as beatas acabavam lhe desculpando e volta e meia utilizavam seus serviços para comprar alguma coisa na venda do seu Messias ou na farmácia do seu Fausto.

Foi assim até o dia em que o padre Ezequiel bateu à porta da casa de sua avó para contar que tinha conseguido um lugar para Pão Doce num seminário lá na capital.

A avó do menino, ciente de que já tinha idade avançada e que qualquer hora dessa iria se juntar a Nosso Senhor lá no meio do céu, havia pedido ao pároco que achasse uma posição para o neto em algum seminário, garantindo ao moleque estudo, moradia e proteção.

Pão Doce, quando foi informado de que o padre havia conseguido a vaga, não quis ir de jeito nenhum. Largar a boa vida de moleque solto na campina, sem preocupação com estudo e hora?
Ah, não queria, não!

O padre Ezequiel que tratasse meio de colocar outro garoto, que ele ia ficar por ali, subindo em árvore, dando recado para os enamorados, comendo a cocada preta e as balas de coco da venda do seu Messias, sendo feliz do jeito que era. Foi um rebuliço na casa.

A avó de um lado querendo excomungá-lo pela heresia, e o padre Ezequiel tentado apaziguar os ânimos e buscando convencer o garoto de que a senhora estava fazendo apenas o que achava que seria bom para ele. Afinal, crescer um menino solto na vida não daria em boa coisa.

 – Não lembra do filho da sinhá Madalena, o Zequinha fura-bolo, que morreu de morte matada? – questionava o padre ao garoto rebelde.

O pároco tinha razão: sinhá não entortou o pepino enquanto era novo e, no final, perdeu o filho para um facão bem afiado. A desgraça aconteceu no Sábado de Aleluia, na venda do seu Messias, há dois anos.

Pão Doce azedou no mesmo instante, fechou a cara, bateu o pé e jurou por tudo que é santo que não arredava dali, nem que a vaca tossisse por três meses.

Para encurtar a conversa, no fim das contas Pão Doce embarcou no trem, mesmo a contragosto, e foi estudar na capital. O coração de cada um, tanto o da avó como o do neto, ficou cortadinho, cortadinho de saudade.

Mesmo que Pão Doce não compreendesse na época que aquilo que sua avó fazia não era por maldade, mas por amor, o coração chorou de saudade, porque é sempre assim quando a gente é obrigado a ficar longe de quem a gente ama, e os dois se amavam muito, demais mesmo.

Pão Doce com o tempo se acostumou à vida do seminário, com relutância, é bem verdade, porque moleque como ele, criado solto, não se acostumaria facilmente às regras e imposições de um bando de padres, dizendo o que ele deveria ou não fazer.

Aprendeu muita coisa naquela escola, coisas que nem sabia que existia.
Tinha dificuldades em matérias como Latim e com aquelas decorebas todas que era obrigado a guardar. Mas era bom em matemática e fazia conta de cabeça como ninguém.

Teve uma vez em que fez uma arte em sala de aula e como punição foi obrigado a ajudar na cozinha do seminário.
Pão Doce foi de muito má vontade.
Na cabeça dele, cozinha era lugar de mulher, e ele era macho, sim, senhor.
Mas acabou indo e lá encontrou um novo mundo de cheiros e sabores.

Padre Joãozinho, o responsável, adorava cozinhar e sabia como ninguém fazer iguarias maravilhosas; iguarias a que só os padres tinham acesso, porque os meninos comiam aquele feijão com arroz básico mesmo.

Foi lá que Pão Doce descobriu sua verdadeira vocação: as massas. Parecia até que o destino tinha lhe pregado uma peça fazendo-lhe ter um apelido que condissesse com sua real vocação.

Qualquer massa nas mãos de Pão Doce se transformava em algo macio, leve e divinamente saboroso!
Um grande pecado da gula, diziam sempre os padres do seminário, queixando-se e sem poder resistir às guloseimas do ex-moleque. É bem verdade que padre Joãozinho foi generoso, ensinando todos os truques que sabia.

Contudo, o aluno ultrapassou o próprio mestre e inventou seus próprios truques. Em pouco tempo sua fama corria solta fora dos portões do seminário, e ele era obrigado a fazer pães e bolos para bispos, arcebispos e cardeais.

Quando chegou a hora de ordenar-se padre, Pão Doce explicou à direção do seminário que não daria certo. Que não era esta a sua vocação, que o que ele queria mesmo era ser padeiro. Os padres ficaram tristes, principalmente aqueles mais gulosos, porque iriam perder as delícias feitas pelo jovem talentoso.

Mas, no final das contas, se conformaram e abençoaram o rapaz.
E foi assim que o empresário Pão Doce, ou melhor, Duval Leite, começou sua fortuna e sucesso.
Saiu do seminário, alugou com a ajuda do padre Joãozinho um quarto numa pensão barata, onde a dona deixava que utilizasse sua cozinha, e começou a fazer pães e bolos para vender de porta em porta.

Em pouco tempo já tinha uma pequena padaria, logo depois comprou uma pequena casa de vila e trouxe a avó para morar junto. Em menos de cinco anos era proprietário da maior e mais bem conceituada padaria do Distrito Federal.

Tinha filiais não só na capital, mas também em importantes cidades do país. Montou uma indústria e emprega uma porção de gente. Na próxima semana, ele inaugura uma escola onde ensinará aos jovens carentes os segredos das massas.

O nome da oficina é 'Broinhas do amanhã'.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sexy fone - perfil de personagem

Maria Izilda Barbosa = é uma mulher branca, 55 anos, virgem, moradora de Nilópolis, Baixada Fluminense, onde reside na companhia do pai, que tem sérios problemas de saúde devido ao estado avançado da diabetes. É filha única. Izildinha, como é chamada pelos conhecidos, é representante de produtos de cosméticos, mas sua maior fonte de renda é trabalhando num sexy fone, para onde solitários ligam querendo ouvir as fantasias sexuais de que ela fala.

Izildinha é bem magra, baixa, cabelo pintado de vermelho intenso e tem uma voz que aparenta muito menos idade do que ela tem. A voz parece ser de uma jovem de vinte anos. Seu horário de trabalho é das 22h às 6h, no Centro da Cidade. Ninguém sabe que ela ganha seu dinheiro no sexy fone Garganta Profunda; ela diz que trabalha como camareira no Copacabana Palace.

Seu nome de guerra é Priscila Tanajura.

Seu Isauro Barbosa = é um torcedor fanático pelo América e tem ódio mortal do Botafogo. Carrega uma grande frustração na vida: não ter sido aceito no Exército. Tem alma de general: mandão, orgulhoso e dono da verdade. Trata a filha de maneira muito rígida e nunca aceitou que ela arrumasse namorado. É viúvo e tem 72 anos. Foi obrigado a se casar com a mãe de Izildinha, ela estava grávida; ele tinha 17 e ela 15anos. Como era arrimo de família, o Exército não o aceitou.

Tem sérios problemas de saúde devido ao avanço da diabetes. Está quase cego, mas não admite isso, tampouco deixa de comer doces. Faz isso escondido. Tem um garoto que todo dia compra para ele, num botequim, pé de moleque, paçoca, doce de abóbora e canudinho. Come escondido da filha. Já perdeu dois dedos da mão e corre o risco de perder o pé por inteiro.

Pedreira = José Pedreira, conhecido pelo sobrenome, é o gerente do sexy fone. O dono do estabelecimento é um político famoso, que não aparece. Pedreira é seu laranja.

Baixo, mulato, bem acima do peso, tem 53 anos e usa no dedo mindinho um anel com rubi falsificado. Sua nas mãos e com toda funcionária mais jeitosinha ele quer fazer o teste do sofá. Humilha Izildinha, mas, às vezes, ouve-a falando ao telefone e se excita no escritório, masturbando-se diante da foto da Luana Piovani.


Ele mora no prédio onde está localizado o sexy fone, um sobrado decadente na Rua Mem de Sá.

Regina da Silva = é a única amiga de Izildinha. Trabalha também no sexy fone. É negra, está acima do peso, tem 64 anos, seios fartos, bunda grande e foi dançarina de boate na década de 70. Tem voz rouca e sexy. Trabalha para sustentar os três netos menores, já que a mãe (sua filha) é viciada em crack. Foi casada quatro vezes. Mora em Madureira e é viúva. Enterrou os quatro maridos. Teve só uma filha.
Seu nome é Talytta Popozuda.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Careca

Licínio nasceu careca.

Nada de mais nascer careca, poderão argumentar os mais desavisados.
É verdade.
A beleza de um bebê está em, muitas das vezes, ele nascer careca, vermelho e sem dente.

Contudo, ele realmente nasceu careca e, com a passagem dos meses, que se acumularam em anos, não nasceram sequer alguns fiozinhos de cabelo.

Nada.
Nadica de nada.
Era só testa, sem um mísero fio de cabelo para lhe voar aos olhos. Era portador de uma testa obsessiva, lustrosa e fluorescente.

Pergunte a um homem se ele gosta de ser careca: a maioria esmagadora dirá um sonoro e retumbante ‘não’. Mesmo os que sobram podem não querer admitir, mas, lá no fundo de suas calvas generosas, dirão que a resposta também é um ruidoso e ressonante ‘não’!

Veja você, então: se é difícil para um homem adulto ser portador de um crânio desprovido de tufos capilares, imagine uma criança em formação, tendo que brincar com outros pequenos na escolinha, ir ao parque e participar das festinhas infantis, que sempre existiram e sempre existirão, para desespero de alguns pais.

Não há quem não se emocione com crianças, mas estes anjinhos que os Céus enviam podem muitas vezes se transformar em pestinhas a infernizar a vida de algum coleguinha. Hoje tem até nome científico para isso, o tal do bullying, mas no tempo de Licínio não tinha não, e o pobre sofria, porque criança careca não era muito frequente na aurora de sua vida.

Hoje criança desfila com penteado de tudo que é maneira: os últimos dos moicanos, pajens, Mauricinhos etc., etc., etc.… Vai conforme a moda e o gosto do freguês.

Mas no tempo dele não era assim que a banda tocava. Todas as crianças deveriam ter cabelos comportados e cortados conforme mandavam os bons modos e costumes.

Menino de cabelo grande?
Nem pensar!
Menina de cabelo curto?
Fora de cogitação!
Com isso, o pobrezinho do Licínio não se encaixava em nenhuma das regras.

O pior era que em sua família todos tinham uma vasta cabeleira, homens, mulheres, crianças e velhos. Da parte tanto da mãe como do pai nenhum careca se via nas reuniões familiares. Só ele é que sofria do mal da ‘carequice’ na família.

Com isso, as crianças da própria família começaram a lhe dar os mais terríveis apelidos, que o constrangiam e irritavam: aeroporto de mosquito, pouca telha, bola de sinuca, cabeça de ovo – só para lembrar alguns.

Como sofria!
'Tadinho dele!, era o que diziam as almas caridosas.

Me dá um medo de gente assim… nem é bom falar! Gente que começa a frase dizendo que o outro é 'tadinho… sei não… este é um tipo de compaixão que humilha, e gente que tem prazer em humilhar o outro, sei não… pode até se revestir de cristão, mas na verdade…

Bem, voltemos ao coitado… quer dizer, voltemos a sua careca lustrosa, que começou desde que nasceu e o acompanhou quando chegou à puberdade e juventude.

Nos bailinhos… hiiiiiiiiii… era um desacerto, porque nenhuma garota, por mais mal-ajambrada, queria dançar com a criatura.

Corria à boca pequena que Licínio tinha uma doença contagiosa no couro cabeludo.

Esclareço desde já que tudo não passava de fofoca. Nenhum médico, especialista, pai de santo, padre ou pastor diagnosticaram qualquer problema físico que pudesse gerar a falta de cabelos, muito menos a presença de qualquer tipo de doença contagiosa.

Teve um psicólogo, muito renomado em sua época, que disse que seu problema poderia ser de ordem emocional.

Não descarto esta possibilidade, nós, seres humanos, somos um feixe enorme de emoções, certo? Mas acho que também há um pouco de exagero, porque, afinal de contas, pode ter sido apenas um karma (ou destino ou então má sorte…) que ele teria que viver, sei lá!

O que sei é que Licínio chegou à juventude e só deu seu primeiro beijo aos vinte e sete anos.
Imagine você! Um virgem!
Sim, porque nem as prostitutas aceitavam sua companhia, com medo de pegar a decantada doença que a rádio corredor tratou de anunciar para toda a cidade. Elas aceitavam pegar sífilis, gonorreia, mas ficar careca, ah, isso não!

Nem cantar perto dele o famigerado refrão “É dos carecas que elas gostam mais” se podia. Licínio logo dizia, revoltado, para quem quisesse ouvir:

– Mentira!

Também, pensa bem, ele comeu a vida inteira o pão que o diabo amassou por três dias! Então era natural o tom de revolta.

Mas quem pensa que sua vida começou a melhorar, a se normalizar, após o primeiro beijo da amada, pode perder a esperança. Licínio beijou e, logo em seguida, já tratou meio de casar com a única moça que lhe aceitou os afagos pueris.

Carminha era uns cinco anos mais velha (na verdade, oito; mas ela diminuía a idade entre os familiares), não era bonita, mas também não era feia. Era comum. Muito comum. Extremamente comum. Um tanto quanto seca no trato, é bem verdade. Mas o enamorado não se importou.

Licínio mal sabia a fria em que estava entrando. Com medo de ficar sozinho, acabou se casando com a primeira que apareceu, literalmente, e que se mostrou uma megera que mais parecia a união de todas as madrastas das histórias infantis. Desde que pôs a aliança no dedo, em frente a padre e juiz, ela fez da vida de Licínio um pequeno inferno, humilhando-o de todas as maneiras.

Desculpe o palavreado, mas era ela quem “colocava o pau” em cima da mesa, mandava e desmandava em casa e na vida do infeliz. Como sofreu, o bendito!

Ela o fazia de gato e sapato, não importando se tinha gente perto ou não. Já na lua de mel, a recém-casada botou suas manguinhas de fora. Conta-se à boca pequena que Carminha só esperou a aliança no dedo para mostrar como era realmente o seu caráter. Dizem também as más línguas que ela já não era menina-moça e que se casou com ele só por medo de ficar para titia, porque, convenhamos, idade ela já tinha.

Quando chegou o primeiro e único filho, a situação já tinha piorado muito. Ela só cumpriu o que mandavam os bons costumes do tempo: mulher tinha que casar e gerar, pelo menos, um filho. Ser mãe amantíssima era o que mais lhe convinha, e Carminha apenas utilizou o pobre para que seu objetivo de vida se concretizasse.

Agora, veja você, além de ser careca num tempo em que os carecas não estavam na moda nem nada, ainda tinha que aguentar a esposa megera e o insuportável filho. Que via crucis, não é mesmo? Sim, porque Carminha casou na verdade com o filho.

Era uma agarração para cá, uma agarração para lá, que só Freud explica.
Nem Jung explica, nem Jung!

O garoto recebeu o nome de Eusébio. Eusebiozinho, como era chamado por todos. O diminutivo já demonstra a falta de caráter da criatura. Nem sempre o diminutivo quer dizer falta de caráter, mas no caso dele era. Era alguém menor, com o ego inflado graças à figura materna.

- Graças a Deus - dizia Carminha em alto e bom som para quem quisesse ouvir - Eusebiozinho tem uma vasta cabeleira e não é careca como o imprestável do pai - clamava, humilhando ainda mais o marido.

Era ou não um inferno a vida do infeliz?
Pois é.
E comparada ao inferno em que vivia, a ‘carequice’ às vezes até era esquecida.

Quer dizer, só um pouco. Porque, na verdade, Licínio, sempre que se via no espelho ou tinha sua imagem refletida em algum lugar, lembrava-se do seu grande infortúnio e que toda desgraça acontecida em sua existência tinha o selo da ‘carequice’ a lhe imputar a falta de cabelos.

E assim os anos foram passando, passando… passando… passando… Licínio se acomodou com as humilhações no sacrossanto lar e com a vidinha sem sal no trabalho; virou aquele homem bonachão, funcionário público de baixo escalão, que ia da casa para o trabalho e do trabalho para casa, usava pijama e chinelas e via pela TV uma vida que nunca teve e que nunca teria.

Certo dia, já com idade avançada, morreu dormindo em frente ao aparelho de televisão. Carminha e o filho sequer choraram, afinal se livraram do traste do imprestável.

Seu enterro se deu numa tarde fria e chuvosa, e apenas a mulher, o filho e meia dúzia de parentes distantes e vizinhos apareceram para acompanhar o corpo até sua última morada.

Contudo, um fato estranho aconteceu tempos depois. Sobre seu túmulo nasceu um pé de milho, apenas um pé. Um único e exclusivo pé. A espiga era muito pequena, raquítica mesmo, mas o cabelo do milho era grande, vistoso, parecendo uma trança de Rapunzel.

Um exagero, diziam alguns.
O administrador do cemitério mandou cortá-lo umas três vezes, mas o pé de milho sempre voltava a crescer do mesmo jeito, e o cabelo se tornava lustroso, forte, encorpado.
Uma belezura!

Tempos depois, começou a ocorrer uma romaria ao seu túmulo. Desde o momento em que um homem começou a tomar o chá daquele cabelo de milho, os próprios cabelos começaram a crescer e as entradas que tinha pronunciadas sumiram completamente. Imagine a confusão que houve no cemitério quando a notícia se espalhou!

Pois é. O que teve de homem querendo um chumaço de cabelo do moribundo careca não está no gibi!
Virou santo para o povo: São Licínio, o protetor dos calvos e carecas.

Amém!

sábado, 17 de março de 2012

Aeroporto

A claridade surge no horizonte, e Valdomiro ainda se encontra no aeroporto, esperando o voo.

É sexta-feira de Carnaval, e ele se junta a um elenco de rostos. Seu olhar vagueia pelo salão, procurando distrair-se. Algumas pessoas estão deitadas no chão, outras nas cadeiras cochilam.

Um homem e uma mulher parecem recém-casados, tal a ‘melação’. Valdomiro lembra-se da ‘patroa’ em casa e de que no início do namoro e do casamento era aquela mesma paixão, aquela efervescência de hormônios; talvez fosse até mais intensa do que o casal que agora espia. Mas o tempo passou, o mato cresceu, e a rotina, a presença das crianças e depois dos netos chegados precocemente fizeram o fogo se extinguir, deixando só um espectro do que fora.

Valdomiro olha para o relógio com impaciência. Cada ponteiro caminha tão lentamente, que parece não se mexer. Uma lentidão de operários em greve branca.

Uma mulher senta-se do seu lado. Ela empurra um carrinho de bebê de dois lugares, e os gêmeos choram desafinadamente. Valdomiro suspira porque prevê que o dia será longo, compassivamente longo.

O garotinho de verde faz birra, não querendo a chupeta que a mãe tenta lhe impingir, enquanto o outro, de azul, bate as perninhas, chora e berra ainda mais alto. Ambos parecem estar num concurso para medir quem ultrapassa o limite de decibéis que os ouvidos humanos conseguem aguentar.

Ele pensa em tomar um cafezinho para ver se fica mais animado, mas, dando mostras de sua presença, a úlcera expele fogo, tal qual uma dragoa com TPM, e ele desiste da ideia.

Uma velhota, com acompanhante, senta-se à sua esquerda. A idosa não para de falar um só minuto, e a outra, provavelmente a empregada, olha placidamente em volta. Deve estar acostumada ao falatório de metralhadora giratória da patroa. O pior é que a voz da anciã é horrível, fina, penetrando nos ouvidos como um punhal estreito, frio e afiado.

Valdomiro não aguenta. Está no meio de dois fogos cruzados. Levanta-se e busca distração na loja de revistas e jornais. Procura o setor dos jornais, mas seu olhar é atraído pelas mulheres peladas das revistas masculinas.

Cada pose!

No tempo em que era moleque, ver mulher pelada era uma dificuldade. Tinha todo um esquema para comprar as revistinhas proibidas de Carlos Zéfiro. Teve uma vez em que ele e seu primo Betinho encontraram nas revistas de sua mãe um anúncio de sutiã e meias no qual as modelos – nem eram mulheres reais, mas desenhos – usavam espartilhos e meias sete oitavos. Foi o suficiente para ambos passarem horas e horas no banheiro.

Hoje tudo é diferente. As fotos mostram cada posição que parece ter sido feita durante uma consulta de médico de senhoras!

“Os tempos são outros”, pensa, conformado.

Compra o jornal e uma revistinha de palavras cruzadas. Não tem coragem de adquirir as revistas masculinas. Afinal, chegar em casa com aquelas publicações despertará a indignação de Isaura, sua ‘patroa’. O ciúme já não lhe visitava a vida matrimonial havia algumas décadas, mas, sabe como é, melhor não facilitar.

Além do mais, ele não tem mais idade para ficar levando revistas escondido para o banheiro, não cai bem a um senhor de sua faixa etária, por isso desistiu de concretizar a compra. Mas que ficou tentado, ah, isso ficou!

Procura um lugar para sentar-se, bem longe dos gêmeos e da matraca giratória da velhinha. O aeroporto está cheio, mas encontra um assento vago perto dos banheiros. Da porta do lavabo feminino sai uma mulher super alta. Um mulherão de mais de metro e noventa. Valdomiro sabe que existem mulheres altas, cada vez mais isso é uma realidade, mas ele fica na dúvida.

“Será mulher mesmo?” – questiona-se.

Roupa chamativa, muito maquiada, cílios que devem ter sido comprados em alguma loja especializada em maquiagem feminina para o Carnaval, um perfume forte que lhe causa uma crise de espirros, Valdomiro questiona-se mais uma vez se realmente é mulher a criatura. Na bolsa que ela usa dá para carregar o bairro de Vila Isabel inteiro e ainda sobra espaço para o Parque do Aterro do Flamengo.

“Muito exagero, muito exagero para ser uma mulher”, argumenta Valdomiro consigo mesmo.

Mas, como hoje tudo é normal, ele abre a revistinha de palavras cruzadas, procura uma caneta no bolso interno do paletó e começa a buscar as palavras certas para preencher aqueles quadradinhos.

Valdomiro gosta muito de fazer palavras cruzadas. Dizem os médicos que isso é bom para pessoas que têm a sua idade, mas não é por isso que ele faz o joguinho. É por prazer mesmo, e não para evitar aquelas doenças que afetam o cérebro e que acompanham a velhice.

Durante algum tempo, Valdomiro não prestou atenção ao burburinho natural do aeroporto, de tão concentrado que estava em encontrar as palavras certas; às vezes ele olha atrás da revista, para conferir se a sentença em que pensou estava correta; ou então espia quando não sabe mesmo que vocábulo deve escrever. Isaura diz que ele trapaceia no jogo.

– Mentira! Calúnia! – nega, indignado, sempre, para quem quiser ouvir; nunca deixou de olhar as respostas de vez em quando, porém agora sempre faz isso escondido dos olhares da esposa e dos outros.

Uma voz de mulher de aeroporto se ouve nos alto-falantes. Valdomiro sempre teve vontade de conhecer aquela voz, que dá a impressão de acompanhar uma figura feminina muito bonita.

“Deve ser um tribufu!” – pensa – “Quem vê cara não vê coração, já dizia minha vó Dorinda”, lembra-se.

A voz diz que o check-in está sendo iniciado e que os passageiros devem encaminhar-se ao balcão da companhia aérea.

Quando Valdomiro faz o movimento de levantar-se da cadeira, parece que uma manada de elefantes é liberada. A empregada arrasta a velha pela mão ao mesmo tempo em que tenta levar as duas malas; a mãe com o carrinho dos gêmeos grita que tem prioridade, o casal recém-casado vai atropelando qualquer um à sua frente. Desespero total.

Valdomiro é levado naquela onda e nem sabe como sair do tumulto. A asma ataca e a úlcera dá pinotes de cavalo xucro. Ele é arrastado pela multidão insana. Ainda tenta resistir, mas é espremido entre um homenzarrão e um rapazote. O homem, que mais parece um armário, de tão largo, impede a visão de Valdomiro. Já o rapaz parece ter saído de um filme de terror, destes atuais, tal a quantidade de piercings e tatuagens que carrega, além do cabelo arrepiado, pintado de preto e roxo.

Outro homem, pesando uns cento e oitenta, pisa no pé de Valdomiro, justamente naquele pé em que joanete e unha encravada fazem parceria de Batman e Robin. Valdomiro solta um grito de dor, mas no meio daquela manada destrambelhada não é ouvido e o seu urro se perde no meio do tumulto.

Quando consegue chegar ao balcão, Valdomiro se sente triturado por uma máquina de moer carne: camisa fora da calça, cabelo despenteado, rosto vermelho, olho rútilo, boca seca como se tivesse atravessado três desertos, e mancando devido à pisada no joanete e na unha encravada dada pelo gordo.

Valdomiro pensa: “Agora, sim! Vou sair desta loucura. No avião tudo se resolverá, e logo estarei em casa!”.

De posse dos documentos necessários para entrar no avião, Valdomiro caminha pela passarela que leva ao transporte, que é mais pesado que o ar, com a certeza de que o pior já passou.

Procura seu lugar na fileira e constata que não há ninguém dos lados direito e esquerdo. Valdomiro suspira de felicidade, senta-se na poltrona estreita e fecha os olhos, esperando o momento em que o aeroplano (sim, no tempo dele avião era chamado de aeroplano) decolará.

A temperatura ambiente é agradável, e Valdomiro quase cochila, mas é acordado com um toque insistente no ombro. Abre os olhos e depara-se com o rosto vermelho e redondo do homem de cento e oitenta quilos que havia pisado ao mesmo tempo no seu joanete e na unha encravada.

E pensa: “Oh, não!”.

Sim, desgraça pouca é bobagem, Valdomiro! Acredite.
O gordo senta-se à sua direita, do lado da janelinha, e Valdomiro vê-se espremido entre o homem e sua senhora, tão gorda quanto ele.

É Carnaval, e Valdomiro sente as agruras da carne.

terça-feira, 13 de março de 2012

Carnaval

De repente, a sala foi invadida de fantasias.

Eram baianas, Supermans, Colombinas e Carlitos de diversas cores. Cada um buscava remédio para sanar suas próprias dores no Pronto-Socorro. Médicos e enfermeiras mostraram-se perdidos naquela confusão inesperada de paetês e serpentinas.

Uma baiana em crise de nervos, histericamente desesperada, gritava pela perda de seu tabuleiro, e outras, solidárias, choravam junto, tal um coro grego.

Dois Supermans em coma alcoólico precisavam, com urgência, tomar soro glicosado.

Sete Colombinas, nas cores do arco-íris, zanzavam para cima e para baixo. A van em que elas estavam tinha capotado, mas (graças a Deus!) ninguém se feriu gravemente. Apenas sofreram escoriações diversas, mas como nenhum Arlequim as acompanhasse, batiam as cabeças uma às outras, mais parecendo baratas tontas.

Um Carlito alto, magro e negro apoiava outro Carlito, baixo, gordo e branco, que tinha ferido o pé numa garrafa quebrada e sentia os cacos de vidros tragicamente penetrarem sua pele.

Uma mulher titanicamente gorda era carregada – com dificuldade – por cinco homens parrudos e um anão. A maquiagem dos olhos pintados em branco e preto derretia gota a gota, formando lágrimas cinzentas a escorrer sobre a papada flácida, até se estilhaçarem no chão. De sua boca saia uma gosma amarelada, como se tivesse comido pão com ovo mole.

Um velho trajando fralda de bebê gigante e de toquinha de babadinho mal respirava, em crise asmática. A chupeta do neném quem segurava era uma jovem fantasiada de babá sexy, que tentava consolá-lo, enquanto exigia que a enfermeira o atendesse, dando prioridade aos maiores de sessenta e cinco anos, conforme determina a lei.

Ainda não era meia-noite, e a sala do Pronto-Socorro já estava empilhada de fantasias, dores e aflições.

– Será uma longa noite adentro – profetizou, sentado num canto perto da porta do banheiro, um Pierrô roto, agarrado à sua garrafa.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Canalha

Ela se casou com um canalha.
Não aquele canalha rodriguiano por quem a gente se apaixona à primeira baforada de Continental sem filtro nos cornos.
Não.

Era um canalha vulgar, encontrado em qualquer definição de dicionário. Estava lá: conjunto de pessoas desprezíveis. Era assim. Assim era ele.

Desde o início do flerte (no tempo dela, era flerte mesmo) ele já mostrava a que veio. Mas ela, carente e já quase passando da idade de arrumar matrimônio, resolveu aceitar, como se ele fosse a última coca-cola do deserto.

Ela detestava coca-cola, preferia mil vezes um guaraná ou suco de caju, mas mesmo assim resolveu aceitar e investir no que ela achava que poderia tornar-se um namoro firme, com vistas a um casamento de véu, grinalda, flores de laranjeiras e caminhada pela nave do Outeiro da Glória.

Ele passava em frente à sua casa, diariamente, e ficava por alguns minutos sob o poste, com a desculpa de acender e fumar um cigarro.
Ela, como toda boa moça de família que se preza, sempre no mesmo horário tinha por costume estar ‘casualmente’ na janela vendo a vida passar, tal qual uma musa à espera de um poeta para eternizá-la.

Não era feia. Mas dizer que era bonita seria exagero. Estava ali entre a linha tênue do quase belo com uma pitada de ‘normalidade’. Mas a juventude (ah, a juventude!) é capaz de trazer em si qualquer tipo de beleza, elevando-a a um patamar onde a pele firme, os olhos vivos e a boca rósea fazem qualquer mulher transformar-se numa quase Ava Gardner tropical.

Ela sondou entre a vizinhança e ficou sabendo que ele morava nas redondezas, numa pensão barata, bem mixuruca mesmo, que ficava três quarteirões abaixo da rua onde ela residia. Sua casa ficava numa ladeira, um casarão antiquado precisando de reformas urgentes, mas que trazia em si a opulência de um passado machadiano que ficou lá atrás, no pretérito bem longe.

Aquele chove-não-molha durou quase três semanas. O tempo era outro, e as horas passavam numa lenta morbidez de filmes ‘cabeça’, aqueles que só intelectuais sabem entender.

Até que um dia o mancebo encontrou ‘ao acaso’ sua – nem tão jovem – Julieta na quermesse de uma festa de Santo Antonio, na igreja do bairro. Galante, ofereceu-lhe uma maçã do amor, que ela aceitou imediatamente.

Antes não tivesse aceitado o mimo, porque a guloseima açucarada lhe custou a quebra do roach que tinha colocado havia pouco menos de três dias. Uma pequena fortuna que deveria ser paga em seis suaves prestações pela prótese parcial.

Para esconder a quebra, ela, durante todo colóquio, abria a boca o mínimo necessário e só dava um sorriso um tanto ou quanto amarelado, sem mostrar os dentes, para qualquer gracejo que o jovem fazia.

Gracejo sem graça, devo dizer, mas como o interesse mútuo era visível, o jovem se esforçava para parecer inteligente e bem-humorado, e ela se esforçava por acreditar que ele era realmente inteligente e bem-humorado.

O que não faz uma mulher carente!

Mas não era disso que estava falando, e sim contando história da pobrezinha.

A quermesse durou uma semana, e durante sete dias ele e ela se encontravam em diferentes barracas para não despertar suspeita na família, que a vigiava com uma fidelidade de cachorro pequinês.

Um dia encontraram-se na barraca de tiro ao alvo, onde ela ganhou de presente uma feia boneca de pano depois que ele acertou meia dúzia de garrafas; no outro, encontraram-se na barraca do leilão, e desta vez ela foi agraciada com um buquê de flores de plástico, que ele arrematou por alguns trocados.

No terceiro dia, o dinheiro dele já tinha acabado e foi ela quem acabou pagando o sorvete de morango para os dois. Ele fingiu esquecer a carteira em casa. Como ela já tinha dado duas lambidas na casquinha, não poderia devolvê-la ao sorveteiro. Teve então que desembolsar os trocados para quitar a dívida e não passar vergonha. Aquilo já deveria tê-la alertado sobre o caráter canalha do mancebo, mas ela fingiu não ouvir a intuição – ou mesmo o anjo da guarda, sei lá! – que lhe gritava sinais de alerta.

No tempo dela, não havia essas normalidades de hoje, em que mulher paga a conta e tudo bem. Não. O tempo dela era outro; um tempo em que o cavalheirismo era tão comum quanto usar guardanapo de pano na mesa do almoço e do jantar de qualquer família remediada.

Bons tempos, bons tempos…

Mas não era disso que estava falando. Não quero aqui ficar emitindo nenhum juízo de valor. Meu desejo é apenas contar a história de uma mulher que se casou com um canalha no tempo em que a palavra canalha não podia ser dita na sala de visita de uma família.

Após se encontrarem em uma barraca diferente a cada dia, ele lhe pediu para namorar.

Ruborizada como uma virgem austeniana, ela aceitou, mas impôs a condição de que o jovem galante fosse pedir permissão à mãe viúva e aos três irmãos mais velhos, que moravam no casarão machadiano com ela.

Ele foi.
Foi e enfrentou a nobre papada de bócio da viúva e as caras amarradas dos irmãos mais velhos, que mais pareciam três mosqueteiros retirados de um cais de porto qualquer, maltrapilhos e cheirando a peixe.

Depois de um interminável interrogatório, os quatro decidiram que ele não era digno que ter a mão (e as outras partes do corpo muito menos!) da nobre donzela.

O mancebo saiu de lá humilhado como contínuo de repartição pública quando vai pegar o salário no caixa.

A Julieta tropical esperneou.
Chorou.
Gritou.
Ameaçou que se jogaria na frente do primeiro bonde que aparecesse (sim, no tempo dela os bondes ainda circulavam) e que também atearia fogo ao corpo, tal qual uma passional viúva italiana.

De nada adiantou.
Nadica de nada.

Os quatro juraram – solenemente – que ela só sairia de casa com aquele indivíduo por cima do cadáver de cada um.

Eram quatro.
Ela apenas uma.
A enamorada fingiu se conformar, mas só depois de ter ficado quatro dias tomando água e comendo pão dormido como uma forma de autoflagelo indignado.

Os irmãos e a mãe fingiram não ligar para os maus modos.

Depois de quatro dias, já enjoada de pão seco e água de bica, largou o papel de mártir incompreendida e se atracou com um frango com quiabo e angu que a mãe havia preparado para o almoço. Fartou-se até lamber as pontas dos dedos.

De bucho cheio, o pensamento é mais desanuviado, e ela começou a bolar uma maneira de ficar com o mancebo de quinta. Agora ficar com ele tinha um caráter de honradez, porque se eles, irmãos e mãe, pensavam que ela ficaria em casa limpando a baba de cada um até que a velhice se apresentasse, pois sim! Eles veriam do que ela era capaz!

A escravidão do ego é a perdição da raça humana, já disse… quem mesmo? Ah, sei lá! Não importa.

Mas onde estava mesmo? Ah, sim, lembrei!

Pois foi assim que ela e o jovem Romeu decidiram marcar encontros na igreja, velha conhecida de todos os amantes incompreendidos por séculos e séculos, não é mesmo? É verdade… é verdade…

Não foi diferente entre a quase madura donzela e o amásio. Lá se encontravam e arquitetavam um plano de fuga para que pudessem vivenciar aquele grande amor que se iniciou com a quebra de um roach.

Cá entre nós, longe querer recriminá-la, mas ela bem que deveria ter se mancado de que uma pretensa história de amor que começa com a quebra de um roach – ah, vai me desculpar! – não poderia dar boa coisa não,

Você não acha que estou certa? Pois sim!
Se ele era bonito?
Assim, assim…
Se você acha bonito galã de filme B mudo, tudo bem.
É como já dizia minha avó Cotinha: o que é de gosto é o regalo da vida.

Agora tenho que confessar que o danado tinha lá seu quinhão de charme. Todo canalha tem charme, faz parte da genética do camarada ter um quê de charme. Ele era um Clark Gable fajuto. Usava um bigodinho que, para quem gostasse, tinha lá o seu encanto. Eu, particularmente, sempre fui mais um Gary Cooper ou então um John Wayne.

Mas não sou eu a personagem da história, e sim ela, a pobre iludida que numa madrugada de garoa fina e constante fugiu pela janela do quarto levando três vestidos, duas meias, duas anáguas e um paletozinho de lã já desbotado, que já vira dias melhores.
Ele jurou de pé junto que iriam casar-se etc. etc. etc.

Juras de amor para cá, juras de amor para lá, e em menos de vinte e quatro horas a enamorada já não era mais moça-donzela.

Naquele tempo não era como hoje, não! Mulher direita tinha que permanecer direita até o último suspiro de vida, caso não arrumasse um pobre coitado para descansar o pé cansado e cheio de joanete.

Mas sabe como é, a carne é fraca, a carência é grande e a pobrezinha caiu na lábia do canalha. Todo canalha tem uma lábia de que nem é bom falar, pode ter criança por perto nos ouvindo.

Durante uma semana, os amantes desfrutaram do paraíso sem pensar que a serpente poderia aparecer a qualquer momento. No final do sétimo dia apareceu uma, aliás, apareceram três cobras-corais machos peçonhentas para desmanchar o ninho de amor e pecado dos pombinhos.

Os irmãos parrudos, mal encarados e fedendo a peixe apareceram com garruchas em punho, exigindo reparação do rapto da ex-donzela. Não se sabe como eles conseguiram o endereço da pensão de quinta em que o jovem casal se hospedara em Petrópolis, mas conseguiram, e foi o maior fuzuê quando apareceram lá arrombando a porta e encontrando-os em trajes menores.

Quer dizer, na verdade já sem traje nenhum, mas isso não é para a gente ficar falando em público porque não fica nem bem…

Ao ver o casal tal qual Adão e Eva, os irmãos enfurecidos os levaram embrulhados em lençóis até a delegacia mais próxima e os forçaram a casarem-se na marra.

O escrevente ainda tentou argumentar que a garota já não era menor, mas o delegado, pai de quatro filhas, resolveu aceitar as queixas e casou-os enrolados em lençóis baratos mesmo.

Este foi o início martírio da pobrezinha. Sim, porque se fosse hoje em dia cada um desfrutaria dos pecados com outro e, depois, beijinho e tchauzinho.

Uma pouca vergonha, é o que acho.
Você não acha?

Mas, no tempo dela, casamento era para sempre, ou pelo menos até que a morte os separasse. Um tinha que aguentar o outro até o final, e a coitadinha ficou atrelada àquele canalha por anos e anos.

Você precisava ver. Foram morar numa pocilga destas bem infectadas mesmo. Os irmãos não os aceitaram, mesmo tendo eles casados perante a Justiça. Não, não aceitaram, e os recém-casados foram morar numa cabeça de porco.

Tudo bem que ela não vivia na abastança na casa antiga, mas também não estava acostumada à penúria que encontrou.

Coitada… tsiu, tsiu, tsiu…

Ela, justamente ela, que esperava casar de véu, grinalda, flores de laranjeiras e caminhada pela nave do Outeiro da Glória, acabou em Irajá.

Por favor, não estou aqui desprezando Irajá. Não é isso. Nestes tempos em que tudo tem que ser politicamente correto, não quero meu nome em bocas de Matilde, dizendo que estou menosprezando o charmoso bairro carioca.

Não, não é isso.

O que estou tentando dizer é que ela foi morar muito longe e em condições precárias porque, naquela época, Irajá era longe para dedéu e as condições de vida dos moradores eram uma vergonha para qualquer político com um mínimo de ética e responsabilidade.

Entendeu?
Ah, então ‘tá.

É preciso explicar mesmo porque senão a gente é logo acusada de …

Calma, eu vou contar. Vou contar tudinho. Também você fica me interrompendo toda hora! Já disse que vou contar.

Onde estava mesmo?

Ah, sim, lembrei! Estava dizendo que ela casou e foi morar numa pocilga.

Precisa ver… tsiu… tsiu… tsiu… Não é à toa que se chama aquilo de joelho de porco.

Como? Ué, eu disse cabeça de porco, não disse? Disse joelho, é? Ah, mas você fica me interrompendo a toda hora, que fico atrapalhada! Afinal, você quer ou não quer escutar?! Então cale a boca e escute.

Bem, voltando: ela foi morar na cabeça de porco e lá encontrou todo tipo de miséria e podridão. Ela era uma moça pobre, mas muito limpinha, e ir para aquele lugar fez com que ela envelhecesse em seis meses o que levaria dez anos se tivesse ficado na casa da mãe, em companhia dos irmãos mosqueteiros do cais.

Logo embuchou. Acho que na primeira noite com o ainda não marido já pegou filho.

Também pudera, você já viu canalha estéril?
Eu nunca vi.
Em todos estes anos de vida, nunca vi um canalha que não deixasse atrás de si uma penca de filhos pela cidade inteira e, quiçá!, até em outros estados e países.
Uma fertilidade a toda prova, isso sim!

Depois de casado, já na primeira semana morando na pocilga, o canalha colocou as manguinhas de fora, e ela conheceu sua verdadeira face, que, apesar do charme, não era nada bonita. Só saía da cama depois do meio-dia, só chegava da rua com o dia claro, cheirando a bebida e a perfume feminino barato. Ela, que nunca precisou lavar uma meia, teve agora que virar lavadeira de roupa de cama, mesa e banho.

O pouco dinheiro que conseguia, ele levava tudo para a farra e o jóquei. Ela no início até acreditou em suas palavras de que a sorte estava lhe sorrindo naquele dia e que ele acertaria o milhar na cabeça e eles iriam mudar-se e morar na rua principal do bairro, num sobrado que ele compraria e reformaria com a bolada.

Mas os dias foram passando, e o grande amanhecer não chegava. As pernas inchavam cada vez mais, e as varizes começaram a aparecer. Quando o rebento nasceu, ela só tinha a companhia de outras lavadeiras na beira do córrego onde lhe fizeram o parto. Na verdade, era não um rebento, mas uma menina.

Não gosto de falar mal de ninguém, cruz-credo de pecar contra um anjinho, porque afinal de contas toda criança é um anjinho com aquela carinha de joelho, né mesmo? Mas cá entre nós, que ninguém nos ouça, que criança feia aquela menina que ela pariu, hem?

Cruz-credo!… Feia como a fome e a miséria que aquela pobre criaturinha teve que enfrentar, porque o canalha sequer deu uma olhada para a criança, que foi colocada num caixote de feira que lhe serviu de berço.

E não é que a mulher ainda defendia o canalha no início? Dizia que ele era um incompreendido, que passou fome, que foi largado pela mãe quando criança etc. etc. etc.

Agora me diga você: quantas pessoas você conhece que tiveram uma vida desgraçada na infância e mesmo assim se tornaram pessoas de bem?!
Uma porção, não é?

Eu mesma tenho um primo de segundo grau que…
Está bem, está bem, vou voltar à história dela, mas depois não me deixe esquecer de contar-lhe a história do meu primo Valdemar, tá?

Eu tenho a impressão de que ela o defendia assim porque ele era bom de cama. Só pode ser! Talvez ele nem fosse lá estas coisas, sabe-se lá! Mas uma mulher que conheceu os prazeres da carne tão tarde perde a cabeça quando descobre as doçuras de um chamego. Só isso pode explicar aquela defesa toda e ela se matar de trabalhar para sustentar a feia filha e o traste do canalha.

Se digo que ela o defendia provavelmente por estar envolvida nos prazeres da carne é porque, nem bem pariu a feiazinha, ainda de resguardo, embuchou de outra.

Para encurtar esta prosa, posso lhe dizer que foram cinco filhas, sim, tudo um bando de menina-mulher feia como a fome; uma seguidinha da outra, não dava nem tempo nem de respirar direito. Já embuchava no resguardo mesmo. Uma calamidade. Naquele tempo não havia estes remédios que o médico receita para evitar de as mulheres emprenharem, não. Mas sempre teve jeito de se evitar, né mesmo?

Não estou dizendo que era para tirar o anjinho, mas que ele pelo menos não fizesse filha uma atrás da outra, ainda nem bem acabado o resguardo. Ah, isso ele não devia fazer não. Isso chega até ser pecado! É o que eu acho.

Mas depois de quase quatro anos de casamento, quando estava nos últimos dias de dar à luz a caçula, a ficha dela caiu, como se diz hoje em dia, e ela viu que realmente tinha casado com um canalha, e a fantasia de que ainda viveria com ele um final feliz de filme de Hollywood foi por terra. Ela descobriu que tinha se casado com um bígamo e que não era sua primeira mulher.

Você não acredita?
Pensa que estou enfeitando a história e transformando a vida dela num dramalhão de novela mexicana?
Pois sim! Antes fosse.

A coitadinha sofreu o pão que o diabo amassou por três dias com o rabo. Passava fome, trabalhava igual a um burro de carga com as filhas agarradas à saia, tudo para não faltar o cigarro, o conhaque e o dinheiro do jóquei de Sua Alteza, o marido.

E tudo isso por quê?!
Por quê? – pergunto eu.
Porque – eu mesma respondo – o canalha era bom de cama, ou melhor, ela é que nunca tinha desfrutado de uma boa f… quer dizer, não fica bem uma mulher, uma dama como eu, ainda mais na minha idade, ficar falando palavrão.

Sou uma mãe de família, mãe amantíssima, segundo meu finado marido. Sim, aquilo é que era homem! Alfredinho chegava pontualmente todos os dias às seis horas da noite, tomava banho, comia uma papinha de batata com carne moída passada três vezes na máquina que eu lhe preparava e ficava vendo televisão até o sono chegar. Antes das dez horas da noite, já ia para a cama, onde sempre encontrava seu leitinho morno para acalmar a úlcera, que lhe escravizava a vida. Sua úlcera era tratada como gato siamês de grã-fina, tais eram o carinho e a atenção que ele lhe dedicava.

Aquilo, sim, é que era marido! Não aquele canalha com quem ela se casou e que a fez parir cinco filhas feias como a miséria humana. Eu não estou aqui para julgar ninguém, afinal de contas nem é cristã tal atitude, mas… sabe que eu acho que ela bem mereceu? É triste dizer isso, mas quem mandou sair da casa materna? Quem mandou enfrentar os irmãos? Quando a cabeça não pensa, quem paga é o corpo, já dizia minha vó Mariinha.

Ué, eu não posso ter duas avós não, é? Tinha uma que se chamava Cotinha e outra, Mariinha, dá licença, viu?

Depois que ela ficou sabendo que era a segunda mulher do bígamo e que o canalha ainda se casou outras três vezes durante os anos que eles permaneceram juntos – em sua porta apareceram as outras mulheres mostrando as certidões de casamento fajutas, mas que todas acreditavam ter alguma validade perante a lei, os homens e Deus –, ela não se separou da criatura, apesar dos pesares.

Uma decepção atrás da outra a fez envelhecer muito rapidamente. Ela, que nunca foi um primor de beleza, envelheceu em dez anos meio século, pareceu um maracujá de gaveta de tão murcho que nem valia a pena descasar e voltar para casa.

Não quero falar nada não, mas acho que ela não voltou para a casa materna por orgulho. Sim, porque só o orgulho é que deve tê-la impedido de dar o braço a torcer perante a família. Ficaram velhos juntos, viram a filha mais velha morrer atropelada por um ônibus, três casarem com estivadores do porto e uma cair na vida. Quando ele morreu, no enterro não chorou. Não demonstrou nenhuma emoção por enterrar o pai de suas filhas e o genitor de tantos outros filhos que ela nem sabia quantos.

Antes de descer o caixão, ao invés de jogar uma flor, como assim o fazem muitas viúvas, ela apenas juntou saliva na boca e lhe deu uma grande cusparada na portinha do caixão, onde fica o rosto, e disse em voz alta para todos ouvirem:

– Vá para o quinto dos infernos, canalha!

Uma triste história, não? Esta é a vida… A vida como ela é.
Nem todo mundo tem a sorte que tive em encontrar um marido como o meu Alfredinho. Aquilo, sim, é que era homem!

Mas aonde você vai?

Ainda é cedo. Eu ainda não contei o caso do meu primo Valdemar! Este, sim, teve uma história triste, mas com um final feliz! Sabe, quando meu primo Valdemar nasceu…

sábado, 7 de janeiro de 2012

MACHO ALFA

As mulheres estão aí, mostrando para o que vieram: dinâmicas, independentes, senhoras de si e do mundo. Mas, no que diz respeito ao quesito relacionamento com homens, tudo como antes no quartel dos Abrantes. A maioria se queixa de que falta homem no pedaço, que só encontra homem casado, que casais monogâmicos só vemos em novelas ou entre os que são homossexuais etc., etc., etc..

Perfeitamente compreensível, já que as mulheres mudaram, mas os homens nem sempre. Acredito que os homens não sabem o que fazer com esta nova mulher. Afinal, foram milênios de comportamento feminino muito diferente do que vemos hoje. Não se iludam, meninos: as mulheres sempre comandaram o jogo, a diferença e que não era tão visível assim.

Por isso, aqui vão algumas dicas do que uma parcela significativa de mulheres procura num homem. Não digo todas as mulheres porque sempre encontraremos as do contra. Além disso, nem todas são fêmeas alfas, e também porque não quero ficar aqui ditando regras e dizendo que sei mais do que qualquer um.

Não é isso. São apenas – como direi? – sugestões para você encontrar uma garota legal e ser feliz para sempre, até que o massacre do dia a dia estremeça as bases do coração e chegue o tempo da famosa DROP – Discutindo a Relação Outra vez, Porra!

Tenho cá minhas teorias sobre casais que dão certo. São apenas teorias, e nenhuma grande universidade como Oxford comprovou minha tese. Mas vamos lá.

Na natureza temos os chamados machos alfas. A biologia diz que entre animais superiores – como leões, lobos, primatas – existe a figura do macho alfa, que é o líder. Segundo definição do site Wikipédia, este tipo de macho tem força, habilidade para caçar, facilidade de tomar decisões, personalidade marcante e bravura. O macho é acompanhado pela fêmea alfa e, juntos, demonstram sua autoridade. Ela é sua PARCEIRA.

O problema é que cada vez mais mulheres estão se transformando em fêmeas alfas, e os homens… bem, os homens andam um tanto ou quanto perdidos perante esta nova mulher. “O que fazer?” – indagam-se alguns.

Revisemos a definição encontrada no Wikipédia; também aproveitei para acrescentar alguns pontos que acho importantes:

Autêntico – Se você não é um macho alfa, tudo bem. Afinal, não existem só fêmeas alfas. Mas, por favor, queeeeerido, nunca se faça passar por aquilo que você não é. A mulher, qualquer que seja a fêmea em questão (Alfa, Ômega, Beta ou mesmo Gama), logo descobrirá, fácil, fácil. Nenhuma pessoa consegue manter o personagem com a vivência dos dias.

Eu não estou dizendo que por isso qualquer macho, de qualquer outra categoria, vá ter que amargar o resto dos seus dias sem uma fêmea do lado. Não. Cada chinelo velho encontrará o seu par num pé cansado. Você encontrará sua parceira. Acredite.
O que estou dizendo é que não dá para tentar ser macho alfa sem o ser. Isso os cafajestes é o que fazem e, COM CERTEZA, macho alfa não é cafajeste.

É o líder – Uma amiga disse que leu não sabia onde de que o macho alfa tem uma mão que guia. Sempre. É verdade. Se o casal sai, ele sutilmente guia a mulher com as mãos nas costas ou no cotovelo ou, melhor ainda, na nuca. Macho alfa não deixa sua fêmea solta por aí, não; ele cuida do que é dele e pronto. Não de forma possessiva, ciumenta, dando vexame. Cuida com firmeza. Ele demarca o território com pequenos gestos como este. Acredite.

Vaidade – Ok, macho é vaidoso. A natureza está aí para provar que o pavão tem toda aquela plumagem para atrair a fêmea. Certo. Concordo. Concordo, mas em parte. Estamos falando do macho alfa da espécie humana e como o homem não precisa mais comer como as mãos, semelhantemente aos demais primatas – já inventou os talheres e os pratos – poderá, por isso, demonstrar sua ‘plumagem’ de forma mais ‘amena’. O ‘homo erectus sapiens’ não precisa ser um pavão.

Macho alfa não disputa com a mulher espaço no espelho. Seu porta-joias não será do mesmo tamanho que o da sua fêmea; na verdade, ele não terá porta-joias. Não precisará, porque não usa brinco(s), anel(is), pulseira(s), colar(es), tudo isso junto.

Se ele usa creme, é por recomendação médica. Filtro solar, tudo bem; qualquer pessoa, de qualquer idade, deve usar desde o momento em que nasce. Gente com pele seca também, independente de ser macho ou fêmea.

O que estou tratando aqui é do macho alfa: sua mão não tem esmalte (base), ele não rói unha. A mão pode ser bem cuidada, assim como os pés, mas por um podólogo, e nunca por uma manicure.

Aí os vaidosos poderão dizer:

- Ah, mas se as mulheres conquistaram o direito de usar calças, os homens também podem usar joias e passar creme.

Tudo bem, também acredito nisso. Afinal, não é o buraco da orelha que dirá que um homem é macho ou não. Não é isso que estou dizendo, o que estou explanando é sobre o
MACHO ALFA, e macho alfa que se preza não usa isso não, vai me desculpar. Unhas grandes, nem pensar! E não adianta dizer que toca violão e por isso que as deixam grandes. Não. Macho alfa tem as unhas cortadas, limpas. Não precisam de mais nada.
Outra coisa, meninos, cuidado com o quesito perfume: tem mulher que gosta, tem mulher que não gosta e tem ainda as que são alérgicas.

A dica: se você não conhece bem a mulher em questão, melhor ir aos primeiros encontros usando uma boa loção pós-barba e um desodorante sem odor. Fêmea que é fêmea adora cheiro de macho, seja ele de qualquer espécie, por isso confie no que dizem os antigos: um homem prevenido vale por dois.

Força – Atenção, marombeiros de plantão: não se trata de força física exclusivamente, não, viram? Claro que é legal ter ao seu lado um macho que seja capaz de carregar uma escada para trocar a lâmpada da cozinha, mas não é apenas de força física que se trata aqui.

Tem um poema de Vinícius de Moraes chamado ‘Para viver um grande amor’, que é lindo e ensina direitinho. Vininha (perdoe-me a familiaridade com que trato o poeta, mas a mim ele é muito caro e vêm daí essas intimidades que tomo) já escrevia: “Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito – peito de remador.”

Antes de mais nada, quero dizer uma coisa ao mestre:

– A bênção, mestre, você faz uma falta danada!

Voltando:
O que é peito de remador? Quem faz remo ou já reparou no peito dos caras sabe que é um peito largo. Um peito prontinho para que a fêmea alfa descanse a cabeça depois de um dia agitado, de preferência deitados numa rede. Nem precisa ser uma tarde em Itapuã, basta ter aquele peito, que na verdade pode ser fisicamente estreito, mas deve ser acolhedor.

Entenderam, meninos?
Então tá.

Facilidade de tomar decisões – As mulheres estão cada vez mais independentes, após décadas e décadas de luta por isso. Quando se ventilou a primeira vez o voto feminino, já se tinham acumulado passado séculos e séculos antes que esta voz começasse a soar pelas cidades. Tantos anos de sofrimento não podem ser jogados ao ralo.

Elas são, SIM, capazes de tomar conta de si mesmas, mas é muito bom saber que o macho alfa é o tipo de homem que ‘faz’. Não fica lá, parado como um palerma, esperando que tudo caia em suas mãos. O macho alfa tem facilidade de tomar decisões e mesmo quando ela, a fêmea, não precisa, é sempre bom contar com uma pessoa que sabe fazer.

Personalidade marcante – O macho alfa não é palhaço, mas também não é aquele cara ranzinza para quem tudo está ruim: a cerveja, o perfume, a minissaia, o tempo, o time, o… a… São inúmeras as razões para o constante mau humor de certos homens.

Bravura – macho alfa não é covarde. Mas também não é aquele tipo valentão que briga por tudo. Pit bull não é macho alfa e nunca será. Por favor: não confundam agressividade com macheza. Gente agressiva tem mais é que se tratar, buscar ajuda psicológica e/ou psiquiátrica, e usar remédio de tarja preta. Não é disso que estamos falando.

Não ser covarde é muito mais do que simplesmente cair em qualquer briga de esquina. Na espécie humana, a bravura está em aceitar as suas próprias limitações e as dos outros também. É não se levar tão a sério, é ri de si mesmo.

Habilidade para caçar – Sabe por que o macho alfa tem habilidade para caçar? Porque ele tem ‘pegada’. Mas a tal decantada e famigerada ‘pegada’ de que tanto se fala é de difícil definição. É fácil sentir; facinho, facinho; mas é muito difícil definir. Se você não é mulher ou homossexual, não entenderá o que é uma verdadeira ‘pegada’, porque nunca sofreu uma. Pode ter até sentido uma ‘pegada feminina’, mas não é a mesma coisa, não.

‘Pegada’ é uma firmeza que faz com que… ai, meu Deus, de repente ficou tão quente aqui, você não sentiu, não?!

Bem, voltando – depois de tomar um litro de água gelada, apesar da baixa temperatura que vigora no céu –, a pegada é uma firmeza.

Você conhece quando um homem tem ‘pegada’, na maneira como ele segura a mulher para beijar, antes mesmo de beijar. Ele puxa o rosto da mulher com as mãos espalmadas nas laterais de sua face. É a maneira firme como ele puxa o corpo feminino para ir de encontro do seu.

Repito: não tem agressividade nessa puxada, tem firmeza, e a boca que vai ao seu encontro e beija é… ahhhhhhhhhhh, melhor deixar pra lá. Pode haver crianças por perto e não cai bem uma escritora como eu ficar descrevendo assim as intimidades próprias ou as das outras. Melhor deixar quieto.

É como já dizia o sábio Vininha: “Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada – para viver um grande amor”.