sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Além da porta (*)

Uma porta que não se abre nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca… nunca. Nunca é um tempo muito longo e eu estava lá em frente desta porta e continuava a chover, chover, chover e eu parado dentro da chuva. O maço de cigarro que antes estava molhado agora se encontrava encharcado de dar dó, irremediavelmente molhado e tudo o que eu queria era entrar para podermos juntos tomar o conhaque e assim, em algum momento da noite esta friagem úmida - que me entorpecia a alma e os ossos - parasse de me castigar, esta era a minha esperança. Mas a porta continuava lá, impávida e colosso e eu insistia batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo e ela parada minando a minha esperança sem nunca abrir nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca nunca… nunca. Os pulsos castigados pela ação insana mostravam já sinais de fadiga, a pele delicada se tornara vermelha e dói uma dor que não vem do corpo, mas um sofrimento que vem do ser antes do ego, numa pré-existência. Chovia, chovia, chovia e eu lá parado, dentro da chuva esperando que a porta se abrisse. Sou insano, pensei num momento de lucidez. E fui pensando que ele iria pensar que sou insano e não queria que ele pensasse que sou, mas sou. De nada adianta saber tantas coisas, de nada adianta, nada nada nada nada nada… minha vida é um nada, pensei com o coração condoído. Não quero que ele pense que minha vida é um nada, apesar de ser. Não quero, não quero, mas ela é. Chovia, chovia, chovia e eu lá parado. Escurecia e a porta continuava o que sempre foi, quieta, impossibilitando de concretizar a minha esperança de afinal sair do sofrimento e da dor. Chovia e parecia que estava vivenciando um sonho um pesadelo uma experiência metafísica, sei lá. Não sei de nada e não quero que ele pense que não sei nada mesmo sabendo que não sei. O breu da noite me envolveu completamente enquanto chovia. Será que estou vivendo um pesadelo? Será que esta porta realmente existe? Será que morri? E se morri não sei onde estou. Ah, pensei encostando com a cabeça na porta sem deixar de continuar a bater, seria tão bom se ele estivesse ali para abrir aquela bendita porta! Minhas pernas entorpecidas pelo frio pela chuva pela umidade pela friagem e pela vida não eram confiáveis, não se confia em que não merece confiança. Não quero que ele pense que minhas pernas não são confiáveis e elas não são. Não sei o que quero, quero – talvez – que ele me veja mas não muito profundamente apenas na superfície de um prato raso onde se possa colocar um morno leite para se dar a um gato.

(*) Inspirado no texto de Caio Fernando Abreu: Além do ponto. Este texto é o resultado de um exercício que fiz. A professora pediu que continuássemos o texto do Caio e o resultado foi a história acima.