sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Aniversário (*)

A vida passa e, na soma dos anos, as lembranças vão-se acumulando nas dobras do coração. Não sei quando comecei a sentir-me velha. Talvez nunca tenha me dado conta de que estava envelhecendo, até ouvir os outros começarem a me chamar de senhora. Hoje completo 78 anos, e mais uma velinha colocarei em cima do bolo – se houver, é claro… se alguém lembrar que hoje é a data em que nasci.
Desde a hora em que acordei, o gosto do bolo de aniversário que mamãe fazia –quando eu era pequena – surgiu na boca. Adorava seu bolo. Ele era feito – a cobertura - com glacê de açúcar, e não de manteiga, no estilo de receita de suspiro, só que sem levar ao forno. A cobertura do bolo era com este glacê e coco ralado. Uma delícia! Melhor alquimia não há. O recheio? Doce de leite cremoso comprado da dona Ritinha, uma sitiante que vivia aparecendo lá em casa para vender coisas da roça. Bons tempos, bons tempos.
Hoje, aniversário de criança já começa no primeiro ano. No meu tempo só se fazia festa para comemorar os anos quando o pequeno, ou a pequena, podia desfrutar, ou seja: depois dos cinco anos. Comigo foi assim, com meu irmão Otavinho também e do mesmo jeito aconteceu com meus primos e primas.
Minha festa era muito simples, mas a alegria imperava e vejo, com os olhos do coração, hoje, aqueles momentos com muita saudade. No meu aniversário tinha bolo, ponche de maçã - sem álcool - com pedacinhos da fruta boiando e bala de coco enrolada em papel cor de rosa. Naquele tempo não tinha bola ou enfeites de festa temática com personagens do mundo infantil. Contudo, havia o cuidado ao se escolher a melhor toalha. Minha mãe usava uma bordada, da Ilha da Madeira, que ela sempre dizia que ficaria para o meu enxoval. Nas festas, os talheres e pratos que não se usavam no dia-a-dia saíam das gavetas e armários e os utilizávamos com toda a cerimônia que o ritual exigia. A casa ficava completamente iluminada e não havia quem não fosse convidado.
Os anos passaram, e estou aqui a relembrar o poema de Fernando Pessoa: “Hoje já não faço anos. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Raiva de não ter trazido o passado guardado na algibeira.”

(*) Texto inspirado no poema "Aniversário" de Fernando Pessoa.