sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 2)

Se você pensa, contudo, que a história termina por aqui, está enganado. Esqueci de contar que naquela aldeia havia um menino, um moleque destes bem levados, que vivia de calça curta e joelho ralado, curioso por natureza, de olhar esperto e vivaz e cuja íris mais parecia um céu azul em dia ensolarado sem nenhuma nuvem.
Um garoto capaz de enxergar coisas a que os outros não dariam a mínima atenção. Um bichinho do mato que gostava de colecionar pedras pequenas, que colhia, escondido do pai, alface na horta e fruta no pomar para dar aos passarinhos, ou a qualquer criatura da natureza que sentisse fome de corpo e de atenção.
Mas o garoto não era santo não! Adorava subir em árvores, dar susto nas beatas que passavam pela calçada em direção à igreja e que o desconjuravam, rogando pragas do inferno, dizendo que sua alma queimaria lá em baixo, com o Belzebu, só porque ele teimava em jogar pererecas sempre no momento em que elas passavam. Uma grande injustiça com o pobre do garoto, essas beatas faziam. Afinal, até que se prove o contrário, só se é menino uma única vez. Era, pelo menos, o que o padre jurava em suas missas matinais de domingo! O garoto sempre desconfiou do pároco com suas mãos melecadas de gordura de frango assado, que comia duas vezes ao dia, mas como ninguém tinha se manifestado, não seria ele a fazê-lo. Afinal, era apenas um menino, e criança não tinha querer, tampouco podia dar pitaco em conversa de adulto. Se fizesse isso, sua mãe lhe puxaria as orelhas, e adeus sobremesa, durante uma semana inteirinha, inteirinha. Melhor ficar quieto.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A Borboleta Invisível (Capítulo 1)

Talvez você não acredite nesta história que vou narrar. Ela foi contada por meu avô, que ouviu de seu avô, que, por sua vez, escutou de seu nono, que era de uma terra bem distante.
Como todo bom "causo", este começa assim:
Era uma vez uma aldeia, e, próxima a ela, existia uma floresta cortada por um rio cujas águas cristalinas nasciam numa distante montanha. A terra ficava perdida num planalto central deste mundão de Deus. Dentro desta floresta densa, habitava um ser angelical, de cuja existência poucos se davam conta. Naquela mata de vegetação cerrada, havia uma linda borboleta.
Você pode até dizer: "Mas que novidade é esta? Borboletas existem aos montes pelo planeta afora!"
É verdade. Mas esta era especial. Muito especial mesmo, pois era uma Borboleta Invisível.
Poucos, muito poucos, podiam enxergá-la naquela floresta densa de tons de verde que pareciam ter nascido da paleta de um artista.
As borboletas que havia naquela mata eram conhecidas por suas belezas e variedade de cores, mas se os habitantes daquela terra pudessem enxergar a Borboleta Invisível, aaah… Certamente a elegeriam como o ser mais belo deste planeta. Mas ninguém, ninguém mesmo, conseguia vê-la para apreciar tanta formosura.
Suas asas lembravam rendas que pareciam criadas por alguma mão de fada que, certamente, habitava aquela mata. Cada pedacinho de seu corpo delgado era de uma perfeição que só mesmo a Mãe Natureza seria capaz de gerar.
Mas, apesar de tudo isso, o povo daquela terra não conseguia vê-la pousada nos largos e extensos troncos das árvores que circundavam a floresta, o que não deixava de ser uma pena, porque tanta beleza não deveria ser apreciada apenas por alguns. Sua transparência era motivo de tristeza para a Borboleta Invisível. Ela queria muito ser vista, apreciada e amada, mas ninguém tinha enxergado suas asas bordadas, suas antenas delicadas e seu voar angelical.
Triste é a sina de quem não consegue ser vista pelo outro. Dá um pesar danado no coração de quem se torna invisível para o mundo, principalmente quando tudo o que se almeja é ser admirado, é fazer brotar no peito de alguém um sentimento que acalente as entranhas como se fosse um colo quente e reconfortante.
A Borboleta Invisível se sentia assim, entristecida em sua invisibilidade, embora conformada com seu destino.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Testamento

Quando eu morrer, por favor, não chore: celebre a vida se aproximando mais desta Força Superior que habita em cada um.
Quando eu morrer, e espero que ainda demore algum tempo, lembre-se dos bons momentos que tivemos, nunca o que deixamos de viver.
Depois que partir, por favor, não me transforme em mito ou exemplo a ser seguido. Lembre-se que soltava pum, acordava com remela nos olhos, tinha TPM e, às vezes, apenas às vezes, aparecia eventualmente com comida entre os dentes.
No dia de minha morte, por favor, cubra-me com margaridas, nunca com rosas. Se não for época de florescerem, pode ser qualquer prima delas, que já serve.
Quero chegar onde tiver que chegar, coberta de margaridas que simbolizam para mim tudo que sempre busquei nesta vida.
Se a direção do cemitério deixar, plante na minha cova, ou então perto dela, um pé de jabuticaba. Deixe que meu corpo, que naquele momento deixei, sirva de nutriente para uma das mais belas árvores. A jabuticabeira é a minha preferida, principalmente quando está em flor. Quero que quando a árvore der os frutos, alguém possa dizer:

- Hummm, como a Mina tá gostosa este ano!

Tudo bem, admito que não fui a primeira a pensar nesta metáfora, mas gostei tanto da idéia de ser gostosa mesmo depois da morte, que reproduzi a frase aqui.
Caso morra de forma violenta, por favor, não se martirize pensando no quanto devo ter sofrido. Lembre-se da frase de William Shakespeare: “Há mais coisa entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.
Se você orar ou mandar rezar uma missa, desde já agradeço.
Mas se quiser realmente me alegrar, trazendo luz ao meu espírito, por favor, ouça um Chico Buarque, um Tom Jobim. Ahhh, um Vinícius também serve, qualquer música popular brasileira de boa qualidade.
Ligue o som na sua sala de estar ou no quarto e dance, abra os braços e dance. Você não estará sozinho. Prometo estar contigo celebrando a vida!

PS: Mina é meu apelido de infância