segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Canalha

Ela se casou com um canalha.
Não aquele canalha rodriguiano por quem a gente se apaixona à primeira baforada de Continental sem filtro nos cornos.
Não.

Era um canalha vulgar, encontrado em qualquer definição de dicionário. Estava lá: conjunto de pessoas desprezíveis. Era assim. Assim era ele.

Desde o início do flerte (no tempo dela, era flerte mesmo) ele já mostrava a que veio. Mas ela, carente e já quase passando da idade de arrumar matrimônio, resolveu aceitar, como se ele fosse a última coca-cola do deserto.

Ela detestava coca-cola, preferia mil vezes um guaraná ou suco de caju, mas mesmo assim resolveu aceitar e investir no que ela achava que poderia tornar-se um namoro firme, com vistas a um casamento de véu, grinalda, flores de laranjeiras e caminhada pela nave do Outeiro da Glória.

Ele passava em frente à sua casa, diariamente, e ficava por alguns minutos sob o poste, com a desculpa de acender e fumar um cigarro.
Ela, como toda boa moça de família que se preza, sempre no mesmo horário tinha por costume estar ‘casualmente’ na janela vendo a vida passar, tal qual uma musa à espera de um poeta para eternizá-la.

Não era feia. Mas dizer que era bonita seria exagero. Estava ali entre a linha tênue do quase belo com uma pitada de ‘normalidade’. Mas a juventude (ah, a juventude!) é capaz de trazer em si qualquer tipo de beleza, elevando-a a um patamar onde a pele firme, os olhos vivos e a boca rósea fazem qualquer mulher transformar-se numa quase Ava Gardner tropical.

Ela sondou entre a vizinhança e ficou sabendo que ele morava nas redondezas, numa pensão barata, bem mixuruca mesmo, que ficava três quarteirões abaixo da rua onde ela residia. Sua casa ficava numa ladeira, um casarão antiquado precisando de reformas urgentes, mas que trazia em si a opulência de um passado machadiano que ficou lá atrás, no pretérito bem longe.

Aquele chove-não-molha durou quase três semanas. O tempo era outro, e as horas passavam numa lenta morbidez de filmes ‘cabeça’, aqueles que só intelectuais sabem entender.

Até que um dia o mancebo encontrou ‘ao acaso’ sua – nem tão jovem – Julieta na quermesse de uma festa de Santo Antonio, na igreja do bairro. Galante, ofereceu-lhe uma maçã do amor, que ela aceitou imediatamente.

Antes não tivesse aceitado o mimo, porque a guloseima açucarada lhe custou a quebra do roach que tinha colocado havia pouco menos de três dias. Uma pequena fortuna que deveria ser paga em seis suaves prestações pela prótese parcial.

Para esconder a quebra, ela, durante todo colóquio, abria a boca o mínimo necessário e só dava um sorriso um tanto ou quanto amarelado, sem mostrar os dentes, para qualquer gracejo que o jovem fazia.

Gracejo sem graça, devo dizer, mas como o interesse mútuo era visível, o jovem se esforçava para parecer inteligente e bem-humorado, e ela se esforçava por acreditar que ele era realmente inteligente e bem-humorado.

O que não faz uma mulher carente!

Mas não era disso que estava falando, e sim contando história da pobrezinha.

A quermesse durou uma semana, e durante sete dias ele e ela se encontravam em diferentes barracas para não despertar suspeita na família, que a vigiava com uma fidelidade de cachorro pequinês.

Um dia encontraram-se na barraca de tiro ao alvo, onde ela ganhou de presente uma feia boneca de pano depois que ele acertou meia dúzia de garrafas; no outro, encontraram-se na barraca do leilão, e desta vez ela foi agraciada com um buquê de flores de plástico, que ele arrematou por alguns trocados.

No terceiro dia, o dinheiro dele já tinha acabado e foi ela quem acabou pagando o sorvete de morango para os dois. Ele fingiu esquecer a carteira em casa. Como ela já tinha dado duas lambidas na casquinha, não poderia devolvê-la ao sorveteiro. Teve então que desembolsar os trocados para quitar a dívida e não passar vergonha. Aquilo já deveria tê-la alertado sobre o caráter canalha do mancebo, mas ela fingiu não ouvir a intuição – ou mesmo o anjo da guarda, sei lá! – que lhe gritava sinais de alerta.

No tempo dela, não havia essas normalidades de hoje, em que mulher paga a conta e tudo bem. Não. O tempo dela era outro; um tempo em que o cavalheirismo era tão comum quanto usar guardanapo de pano na mesa do almoço e do jantar de qualquer família remediada.

Bons tempos, bons tempos…

Mas não era disso que estava falando. Não quero aqui ficar emitindo nenhum juízo de valor. Meu desejo é apenas contar a história de uma mulher que se casou com um canalha no tempo em que a palavra canalha não podia ser dita na sala de visita de uma família.

Após se encontrarem em uma barraca diferente a cada dia, ele lhe pediu para namorar.

Ruborizada como uma virgem austeniana, ela aceitou, mas impôs a condição de que o jovem galante fosse pedir permissão à mãe viúva e aos três irmãos mais velhos, que moravam no casarão machadiano com ela.

Ele foi.
Foi e enfrentou a nobre papada de bócio da viúva e as caras amarradas dos irmãos mais velhos, que mais pareciam três mosqueteiros retirados de um cais de porto qualquer, maltrapilhos e cheirando a peixe.

Depois de um interminável interrogatório, os quatro decidiram que ele não era digno que ter a mão (e as outras partes do corpo muito menos!) da nobre donzela.

O mancebo saiu de lá humilhado como contínuo de repartição pública quando vai pegar o salário no caixa.

A Julieta tropical esperneou.
Chorou.
Gritou.
Ameaçou que se jogaria na frente do primeiro bonde que aparecesse (sim, no tempo dela os bondes ainda circulavam) e que também atearia fogo ao corpo, tal qual uma passional viúva italiana.

De nada adiantou.
Nadica de nada.

Os quatro juraram – solenemente – que ela só sairia de casa com aquele indivíduo por cima do cadáver de cada um.

Eram quatro.
Ela apenas uma.
A enamorada fingiu se conformar, mas só depois de ter ficado quatro dias tomando água e comendo pão dormido como uma forma de autoflagelo indignado.

Os irmãos e a mãe fingiram não ligar para os maus modos.

Depois de quatro dias, já enjoada de pão seco e água de bica, largou o papel de mártir incompreendida e se atracou com um frango com quiabo e angu que a mãe havia preparado para o almoço. Fartou-se até lamber as pontas dos dedos.

De bucho cheio, o pensamento é mais desanuviado, e ela começou a bolar uma maneira de ficar com o mancebo de quinta. Agora ficar com ele tinha um caráter de honradez, porque se eles, irmãos e mãe, pensavam que ela ficaria em casa limpando a baba de cada um até que a velhice se apresentasse, pois sim! Eles veriam do que ela era capaz!

A escravidão do ego é a perdição da raça humana, já disse… quem mesmo? Ah, sei lá! Não importa.

Mas onde estava mesmo? Ah, sim, lembrei!

Pois foi assim que ela e o jovem Romeu decidiram marcar encontros na igreja, velha conhecida de todos os amantes incompreendidos por séculos e séculos, não é mesmo? É verdade… é verdade…

Não foi diferente entre a quase madura donzela e o amásio. Lá se encontravam e arquitetavam um plano de fuga para que pudessem vivenciar aquele grande amor que se iniciou com a quebra de um roach.

Cá entre nós, longe querer recriminá-la, mas ela bem que deveria ter se mancado de que uma pretensa história de amor que começa com a quebra de um roach – ah, vai me desculpar! – não poderia dar boa coisa não,

Você não acha que estou certa? Pois sim!
Se ele era bonito?
Assim, assim…
Se você acha bonito galã de filme B mudo, tudo bem.
É como já dizia minha avó Cotinha: o que é de gosto é o regalo da vida.

Agora tenho que confessar que o danado tinha lá seu quinhão de charme. Todo canalha tem charme, faz parte da genética do camarada ter um quê de charme. Ele era um Clark Gable fajuto. Usava um bigodinho que, para quem gostasse, tinha lá o seu encanto. Eu, particularmente, sempre fui mais um Gary Cooper ou então um John Wayne.

Mas não sou eu a personagem da história, e sim ela, a pobre iludida que numa madrugada de garoa fina e constante fugiu pela janela do quarto levando três vestidos, duas meias, duas anáguas e um paletozinho de lã já desbotado, que já vira dias melhores.
Ele jurou de pé junto que iriam casar-se etc. etc. etc.

Juras de amor para cá, juras de amor para lá, e em menos de vinte e quatro horas a enamorada já não era mais moça-donzela.

Naquele tempo não era como hoje, não! Mulher direita tinha que permanecer direita até o último suspiro de vida, caso não arrumasse um pobre coitado para descansar o pé cansado e cheio de joanete.

Mas sabe como é, a carne é fraca, a carência é grande e a pobrezinha caiu na lábia do canalha. Todo canalha tem uma lábia de que nem é bom falar, pode ter criança por perto nos ouvindo.

Durante uma semana, os amantes desfrutaram do paraíso sem pensar que a serpente poderia aparecer a qualquer momento. No final do sétimo dia apareceu uma, aliás, apareceram três cobras-corais machos peçonhentas para desmanchar o ninho de amor e pecado dos pombinhos.

Os irmãos parrudos, mal encarados e fedendo a peixe apareceram com garruchas em punho, exigindo reparação do rapto da ex-donzela. Não se sabe como eles conseguiram o endereço da pensão de quinta em que o jovem casal se hospedara em Petrópolis, mas conseguiram, e foi o maior fuzuê quando apareceram lá arrombando a porta e encontrando-os em trajes menores.

Quer dizer, na verdade já sem traje nenhum, mas isso não é para a gente ficar falando em público porque não fica nem bem…

Ao ver o casal tal qual Adão e Eva, os irmãos enfurecidos os levaram embrulhados em lençóis até a delegacia mais próxima e os forçaram a casarem-se na marra.

O escrevente ainda tentou argumentar que a garota já não era menor, mas o delegado, pai de quatro filhas, resolveu aceitar as queixas e casou-os enrolados em lençóis baratos mesmo.

Este foi o início martírio da pobrezinha. Sim, porque se fosse hoje em dia cada um desfrutaria dos pecados com outro e, depois, beijinho e tchauzinho.

Uma pouca vergonha, é o que acho.
Você não acha?

Mas, no tempo dela, casamento era para sempre, ou pelo menos até que a morte os separasse. Um tinha que aguentar o outro até o final, e a coitadinha ficou atrelada àquele canalha por anos e anos.

Você precisava ver. Foram morar numa pocilga destas bem infectadas mesmo. Os irmãos não os aceitaram, mesmo tendo eles casados perante a Justiça. Não, não aceitaram, e os recém-casados foram morar numa cabeça de porco.

Tudo bem que ela não vivia na abastança na casa antiga, mas também não estava acostumada à penúria que encontrou.

Coitada… tsiu, tsiu, tsiu…

Ela, justamente ela, que esperava casar de véu, grinalda, flores de laranjeiras e caminhada pela nave do Outeiro da Glória, acabou em Irajá.

Por favor, não estou aqui desprezando Irajá. Não é isso. Nestes tempos em que tudo tem que ser politicamente correto, não quero meu nome em bocas de Matilde, dizendo que estou menosprezando o charmoso bairro carioca.

Não, não é isso.

O que estou tentando dizer é que ela foi morar muito longe e em condições precárias porque, naquela época, Irajá era longe para dedéu e as condições de vida dos moradores eram uma vergonha para qualquer político com um mínimo de ética e responsabilidade.

Entendeu?
Ah, então ‘tá.

É preciso explicar mesmo porque senão a gente é logo acusada de …

Calma, eu vou contar. Vou contar tudinho. Também você fica me interrompendo toda hora! Já disse que vou contar.

Onde estava mesmo?

Ah, sim, lembrei! Estava dizendo que ela casou e foi morar numa pocilga.

Precisa ver… tsiu… tsiu… tsiu… Não é à toa que se chama aquilo de joelho de porco.

Como? Ué, eu disse cabeça de porco, não disse? Disse joelho, é? Ah, mas você fica me interrompendo a toda hora, que fico atrapalhada! Afinal, você quer ou não quer escutar?! Então cale a boca e escute.

Bem, voltando: ela foi morar na cabeça de porco e lá encontrou todo tipo de miséria e podridão. Ela era uma moça pobre, mas muito limpinha, e ir para aquele lugar fez com que ela envelhecesse em seis meses o que levaria dez anos se tivesse ficado na casa da mãe, em companhia dos irmãos mosqueteiros do cais.

Logo embuchou. Acho que na primeira noite com o ainda não marido já pegou filho.

Também pudera, você já viu canalha estéril?
Eu nunca vi.
Em todos estes anos de vida, nunca vi um canalha que não deixasse atrás de si uma penca de filhos pela cidade inteira e, quiçá!, até em outros estados e países.
Uma fertilidade a toda prova, isso sim!

Depois de casado, já na primeira semana morando na pocilga, o canalha colocou as manguinhas de fora, e ela conheceu sua verdadeira face, que, apesar do charme, não era nada bonita. Só saía da cama depois do meio-dia, só chegava da rua com o dia claro, cheirando a bebida e a perfume feminino barato. Ela, que nunca precisou lavar uma meia, teve agora que virar lavadeira de roupa de cama, mesa e banho.

O pouco dinheiro que conseguia, ele levava tudo para a farra e o jóquei. Ela no início até acreditou em suas palavras de que a sorte estava lhe sorrindo naquele dia e que ele acertaria o milhar na cabeça e eles iriam mudar-se e morar na rua principal do bairro, num sobrado que ele compraria e reformaria com a bolada.

Mas os dias foram passando, e o grande amanhecer não chegava. As pernas inchavam cada vez mais, e as varizes começaram a aparecer. Quando o rebento nasceu, ela só tinha a companhia de outras lavadeiras na beira do córrego onde lhe fizeram o parto. Na verdade, era não um rebento, mas uma menina.

Não gosto de falar mal de ninguém, cruz-credo de pecar contra um anjinho, porque afinal de contas toda criança é um anjinho com aquela carinha de joelho, né mesmo? Mas cá entre nós, que ninguém nos ouça, que criança feia aquela menina que ela pariu, hem?

Cruz-credo!… Feia como a fome e a miséria que aquela pobre criaturinha teve que enfrentar, porque o canalha sequer deu uma olhada para a criança, que foi colocada num caixote de feira que lhe serviu de berço.

E não é que a mulher ainda defendia o canalha no início? Dizia que ele era um incompreendido, que passou fome, que foi largado pela mãe quando criança etc. etc. etc.

Agora me diga você: quantas pessoas você conhece que tiveram uma vida desgraçada na infância e mesmo assim se tornaram pessoas de bem?!
Uma porção, não é?

Eu mesma tenho um primo de segundo grau que…
Está bem, está bem, vou voltar à história dela, mas depois não me deixe esquecer de contar-lhe a história do meu primo Valdemar, tá?

Eu tenho a impressão de que ela o defendia assim porque ele era bom de cama. Só pode ser! Talvez ele nem fosse lá estas coisas, sabe-se lá! Mas uma mulher que conheceu os prazeres da carne tão tarde perde a cabeça quando descobre as doçuras de um chamego. Só isso pode explicar aquela defesa toda e ela se matar de trabalhar para sustentar a feia filha e o traste do canalha.

Se digo que ela o defendia provavelmente por estar envolvida nos prazeres da carne é porque, nem bem pariu a feiazinha, ainda de resguardo, embuchou de outra.

Para encurtar esta prosa, posso lhe dizer que foram cinco filhas, sim, tudo um bando de menina-mulher feia como a fome; uma seguidinha da outra, não dava nem tempo nem de respirar direito. Já embuchava no resguardo mesmo. Uma calamidade. Naquele tempo não havia estes remédios que o médico receita para evitar de as mulheres emprenharem, não. Mas sempre teve jeito de se evitar, né mesmo?

Não estou dizendo que era para tirar o anjinho, mas que ele pelo menos não fizesse filha uma atrás da outra, ainda nem bem acabado o resguardo. Ah, isso ele não devia fazer não. Isso chega até ser pecado! É o que eu acho.

Mas depois de quase quatro anos de casamento, quando estava nos últimos dias de dar à luz a caçula, a ficha dela caiu, como se diz hoje em dia, e ela viu que realmente tinha casado com um canalha, e a fantasia de que ainda viveria com ele um final feliz de filme de Hollywood foi por terra. Ela descobriu que tinha se casado com um bígamo e que não era sua primeira mulher.

Você não acredita?
Pensa que estou enfeitando a história e transformando a vida dela num dramalhão de novela mexicana?
Pois sim! Antes fosse.

A coitadinha sofreu o pão que o diabo amassou por três dias com o rabo. Passava fome, trabalhava igual a um burro de carga com as filhas agarradas à saia, tudo para não faltar o cigarro, o conhaque e o dinheiro do jóquei de Sua Alteza, o marido.

E tudo isso por quê?!
Por quê? – pergunto eu.
Porque – eu mesma respondo – o canalha era bom de cama, ou melhor, ela é que nunca tinha desfrutado de uma boa f… quer dizer, não fica bem uma mulher, uma dama como eu, ainda mais na minha idade, ficar falando palavrão.

Sou uma mãe de família, mãe amantíssima, segundo meu finado marido. Sim, aquilo é que era homem! Alfredinho chegava pontualmente todos os dias às seis horas da noite, tomava banho, comia uma papinha de batata com carne moída passada três vezes na máquina que eu lhe preparava e ficava vendo televisão até o sono chegar. Antes das dez horas da noite, já ia para a cama, onde sempre encontrava seu leitinho morno para acalmar a úlcera, que lhe escravizava a vida. Sua úlcera era tratada como gato siamês de grã-fina, tais eram o carinho e a atenção que ele lhe dedicava.

Aquilo, sim, é que era marido! Não aquele canalha com quem ela se casou e que a fez parir cinco filhas feias como a miséria humana. Eu não estou aqui para julgar ninguém, afinal de contas nem é cristã tal atitude, mas… sabe que eu acho que ela bem mereceu? É triste dizer isso, mas quem mandou sair da casa materna? Quem mandou enfrentar os irmãos? Quando a cabeça não pensa, quem paga é o corpo, já dizia minha vó Mariinha.

Ué, eu não posso ter duas avós não, é? Tinha uma que se chamava Cotinha e outra, Mariinha, dá licença, viu?

Depois que ela ficou sabendo que era a segunda mulher do bígamo e que o canalha ainda se casou outras três vezes durante os anos que eles permaneceram juntos – em sua porta apareceram as outras mulheres mostrando as certidões de casamento fajutas, mas que todas acreditavam ter alguma validade perante a lei, os homens e Deus –, ela não se separou da criatura, apesar dos pesares.

Uma decepção atrás da outra a fez envelhecer muito rapidamente. Ela, que nunca foi um primor de beleza, envelheceu em dez anos meio século, pareceu um maracujá de gaveta de tão murcho que nem valia a pena descasar e voltar para casa.

Não quero falar nada não, mas acho que ela não voltou para a casa materna por orgulho. Sim, porque só o orgulho é que deve tê-la impedido de dar o braço a torcer perante a família. Ficaram velhos juntos, viram a filha mais velha morrer atropelada por um ônibus, três casarem com estivadores do porto e uma cair na vida. Quando ele morreu, no enterro não chorou. Não demonstrou nenhuma emoção por enterrar o pai de suas filhas e o genitor de tantos outros filhos que ela nem sabia quantos.

Antes de descer o caixão, ao invés de jogar uma flor, como assim o fazem muitas viúvas, ela apenas juntou saliva na boca e lhe deu uma grande cusparada na portinha do caixão, onde fica o rosto, e disse em voz alta para todos ouvirem:

– Vá para o quinto dos infernos, canalha!

Uma triste história, não? Esta é a vida… A vida como ela é.
Nem todo mundo tem a sorte que tive em encontrar um marido como o meu Alfredinho. Aquilo, sim, é que era homem!

Mas aonde você vai?

Ainda é cedo. Eu ainda não contei o caso do meu primo Valdemar! Este, sim, teve uma história triste, mas com um final feliz! Sabe, quando meu primo Valdemar nasceu…