quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Conversa no elevador - Episódio: Natal

Vigésimo segundo andar. Um casal de idosos entra no elevador.

- .... aí eu disse para ela que neste Natal eu não vou ficar me matando na cozinha enquanto a belezoca da Zumira fica na sala como se fosse uma visita muito importante! Eu, não. Nunca mais.

O marido abre a boca, mas logo é interrompido pela mulher.

- Onde já se viu! Lembra do ano passado, quando a Ruth foi fazer as compras para a ceia às seis horas da tarde?! O peru ficou um horror, com gosto de sangue na boca, lembra?! – olha para o marido com impaciência – Você nunca lembra de nada mesmo, né, Adamastor? – diz bufando.

Adamastor mais uma vez tenta responder, mas é interrompido novamente pela mulher.

- A palhaça aqui este ano está aposentada, isso eu garanto! – diz indignada.

O marido dá um longo suspiro. A mulher olha para ele com raiva.

- Não acredita, não?! Pois eu garanto que este ano serei visita na casa da Ruth, não moverei uma palha. E não adianta você querer chegar mais cedo para ver o jogo na TV a cabo, que só sairemos de casa depois das nove horas da noite, talvez só depois da novela! Onde já se viu! Todo ano é assim, eu e Isabel nos matamos na cozinha, a Ruth correndo igual a uma barata tonta, deixando para comprar tudo na última hora, e a lindeza da Zumira lá no bem-bom! O pior é que traz aquelas pragas de netos, filhos e noras que não têm nenhuma educação!

O marido olha para visor e nota que estão na metade do caminho. A mulher continua com sua metralhadora giratória.

- Lembra que no ano passado a neta da Zumira chegou para a ceia com um tipo mal encarado? Lembra? O rapaz era todo tatuado e cheio de… como é mesmo o nome daqueles negócios que as pessoas dependuram na orelha, nariz, colocam na boca? Como é o nome, Adamastor?!

Adamastor arrisca falar, mas é mais interrompido pela mulher:

- Você não sabe de nada mesmo, né, Adamastor?! – diz, bufando – Bem, não importa. Você sabe do que estou falando. Sinceramente, eu não sei por que hoje isso 'tá na moda. Uma perdição, isso sim. Artista faz isso porque é artista, quer chocar, e aí vem um Zé Ninguém e faz o mesmo. Ridículo, isso sim! Todo mundo agora quer ser artista hoje em dia.

O marido olha para o relógio e depois confere o visor do elevador. Faltam quatro andares. Dois segundos de silêncio.

- Ah, não me deixa esquecer de comprar as passas para a farofa e o arroz à grega, viu, Adamastor?! Não vai esquecer, 'tá? No ano passado você não me lembrou e ficou faltando a ameixa preta e a dondoca da Zumira logo disse que…

O elevador chega ao térreo e o marido sai rapidamente, sendo seguido pela mulher, que apressadamente anda atrás dele.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Par perfeito

Ele vivia com sono. Desde que nasceu, era um ser que adorava dormir. Os pais, inicialmente, ficaram maravilhados com aquele bebê rosinha, que só queria saber de dormir e comer. Dormia a noite inteirinha, e esse negócio de dizer que, tendo criança nova em casa, a mãe pode esquecer o sossego do travesseiro não aconteceu com a genitora do pequeno Augusto Manoel Oliveira Sampaio Brito. Sim, esse era o seu nome de batismo, que logo foi esquecido. Por ser tão dorminhoco, rapidamente ganhou a alcunha, ainda no berço, de Morfeu. Até entrar para o colégio, o menino Morfeu pensava que esse era na realidade o seu nome. Seus pais, inicialmente, não ligavam muito por ver o guri dormindo tanto. “Antes dormir do que ficar fazendo arte e aprendendo o que não deve”, diziam. Contudo, com o passar do tempo, eles começaram a ficar preocupados. Morfeu só queria saber de dormir. Dormia, dormia, dormia, e a preocupação dos pais crescia, crescia, crescia. O médico constatou: Augusto Manoel Oliveira Sampaio Brito não tinha nada. Apenas gostava de dormir, ponto final.
Com o laudo médico em mãos, os pais de Morfeu se acostumaram com a ideia de que tinham um filho preguiçoso. O único filho – diga-se de passagem – era muito preguiçoso. “Fazer o quê, né mesmo? Pior seria se fosse marginal”, argumentavam aos amigos e parentes que sempre comentavam, admirados, o quanto Morfeu dormia.
Morfeu crescia e continuava a dormir. Era um custo fazê-lo levantar para ir ao colégio. O problema era tão sério, que ele chegou a repetir alguns anos porque não conseguia levantar cedo para ir às aulas na parte da manhã. Resultado: tiveram que matriculá-lo no curso da tarde. Não que isso melhorasse muito coisa, não; não melhorou, mas pelo menos ninguém começava o dia estressado ao tentar fazê-lo levantar da cama.
O problema percorreu todo primário, ginásio e segundo grau. Quando arrumou o primeiro emprego, os pais desistiram de sonhar com uma faculdade. O problema continuou, mas, aí, como ele já era adulto, entregaram a situação para Deus. Só Ele mesmo é que daria jeito na preguiça do filho, falavam, conformados.
A vida de Morfeu se resumia, então, a dormir a maior parte do tempo, ficando acordado o suficiente para ir bater o ponto de oito horas no trabalho. Mas, mesmo lá, na hora do almoço, ele dava o seu cochilinho, porque, afinal, ninguém de ferro!
Contudo, a vida de Morfeu se transformou quando chegou ao escritório uma nova funcionária: Sonia Terezinha Madeira de Carvalho Brandão. Era uma menina tímida, que tinha olhos enormes, meio arregalados, e olhavam para o mundo como se tivesse acabado de receber um susto de algum engraçadinho. Não era bonita, mas também não se poderia dizer que fosse feia; isso certamente ela não era. Talvez faltasse um pouco de cor na face, um batom mais vermelho, uns dez centímetros a mais no quadril, uns 25 no busto, uma atitude mais... como direi?... uma atitude mais firme na vida. Sim, é isso. Faltava a Sonia uma atitude pró-ativa na vida. Muito magra, muito pálida e com aqueles dois olhões, não era uma figura feminina que despertasse interesse imediatamente. Não, não era. Contudo, entre uma cochilada e outra, Morfeu a notou. Na verdade, o dorminhoco de plantão não notou Sonia primeiramente, não. Ele ouviu comentários sobre ela, para depois notar sua presença. Uma tarde, logo depois do almoço, quando ele estendeu tanto a siesta que seu chefe lhe chamou a atenção, Morfeu estava tomando o seu cafezinho básico, para ver se espantava o sono, quando ouviu a maledicência entre as fofoqueiras da rádio corredor, envolvendo o nome da mais nova contratada da firma. O que mais chamou a atenção de Morfeu foi quando ouviu que Sonia sofria de um grande mal, a insônia. As comadres atribuíam sua fragilidade física e emocional – por isso sua aparência, seus grandes olhos arregalados, sua constante tensão – à doença crônica que a quase beldade tinha.
Morfeu ficou curioso e começou a olhar Sonia com olhos mais... como direi?... compridos. Contudo, o rapaz era muito tímido. Ele tinha pouca experiência no trato com o sexo oposto, já que passava a maior parte do tempo dormindo. Morfeu não trocava sua cama por hipótese nenhuma para ir se balançar numa balada. Não! A cama era seu lugar predileto, sempre. Porém os colegas de trabalho começaram a notar os olhares de Morfeu, já que Sonia, com aquele jeitão estressado, nunca notaria mesmo. Notaram e incentivaram que o dorminhoco de plantão se aproximasse da quase beldade. Mas sempre que surgia uma oportunidade, Morfeu rateava, saía de escanteio, pulava fora, sartava de banda, enfim, escapulia mesmo. Um amarelão, era o que diziam os homens do escritório.
Mas o final de ano estava chegando, e os funcionários se arregimentaram para planejar uma estratégia de guerra para juntar o casal de quase pombinhos. Sim, porque, com aqueles dois, só mesmo um detalhado plano de combate para derrubar a artilharia inimiga. Sabe como é, final de ano, em festa de escritório, as pessoas sempre ficam... como direi?... mais soltas, mais livres, mais desinibidas, mais... ah, você já entendeu o que estou falando, né ? Pois é.
Então, resolveram oferecer várias opções de bebidas na festinha do escritório. Sonia já dizia para Deus e o mundo que não gostava de bebida alcoólica e que a única exceção era um ponche de maçã, bem fraquinho, a que ela se aventurava uma vez por ano, normalmente no Natal. Sabendo desta fraqueza, os colegas dos dois pombinhos logo incluíram na carta de bebidas o drink preferido da quase beldade. Detalhe: a bebida da moça estava devidamente batizada. Morfeu também nada bebia, pois imagine uma pessoa com tanta facilidade para dormir bebendo? No primeiro gole já cairia para trás. Contudo, os colegas do escritório – mal intencionados – colocaram um energético no seu vinho tinto e aí... Nas primeiras cinco horas, o dorminhoco de plantão ficou mais aceso do que fogueira de São João. Com essas duas estratégias de guerra, juntar o casal poderia parecer aos desavisados uma coisa fácil. Não foi, ambos ratearam, ratearam, cada um num canto do escritório. Mais soltinhos, é bem verdade, mas ainda sem coragem suficiente para se aproximarem.
Você já viu história de amor de filme romântico sem trilha sonora? Não, certo? Pois é. Algum romântico de plantão decidiu escolher uma trilha sonora para incentivar a aproximação. Quando os primeiros acordes de Roberto Carlos começaram a ecoar no salão, os olhares de Morfeu e Sonia se encontraram e aí, meu amigo, o Cupido fez o seu trabalho, direitinho, direitinho.
Bem, para encurtar esta prosa, pois estou me estendendo muito: em menos de seis meses estavam os dois subindo ao altar. Claro que o escritório foi em peso e cada funcionário atribuía a si mesmo a ideia de juntar o mais novo casal.
Resumo da ópera: depois que Sonia caiu nos braços de Morfeu, nunca mais sofreu de insônia. Por sua vez, Morfeu, desde que beijou Sonia, não conseguiu dormir com tanta facilidade assim. Hoje ele continua na firma, só que no cargo de chefia. Fez faculdade de Administração de Empresa, pós-graduação em marketing e MBA em gerência. Sonia saiu do escritório. Optou por cuidar dos pimpolhos: Soninha e Júnior.
E foram felizes para sempre, acredite.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Herança

Mariinha ganhou um par de brincos de água marinha quando completou 15 anos. Desde então, o acessório fez parte de sua longa existência. A delicada peça, uma pedra de límpido azul num engaste de prata artisticamente trabalhado, foi presente que o pai lhe deu pelo rito de passagem, num tempo em que o acessório era usado exclusivamente pelas representantes do sexo frágil. Não havia as modernidades de hoje.
O brinco foi testemunha de sua vida. Em vários momentos – se não em todos – esteve presente: foi assim quando se formou no Curso Normal. Depois, quando concluiu a Universidade de Geografia. Ela o usava quando foi ao enterro do irmão, morto de repente num acidente na Dutra. Depois, no falecimento dos pais. Sempre em alguma data especial, estava lá o penduricalho sendo usado por ela.
O brinco foi presença também em várias fases de sua vida, desde mocinha até hoje, quando ela se olha no espelho e não reconhece aquela senhora enrugada que já não traz nos olhos o brilho de outrora. Ah… o brinco de pedra azul combinava tantos com seus olhos verdes! Os rapazes diziam que pareciam duas esmeraldas. A pedra mais preciosa, a mais pura que a natureza foi capaz de criar! Agora são duas gemas opacas que ela só enxerga colocando os óculos. A vida é assim e ela já se conformou.
Quer dizer, nem sempre. Há momentos em que Mariinha olha para os brincos e também para sua existência e vê o que foi capaz de fazer, ou melhor, o que não fez. Sente raiva. Sente ressentimento, e ressentir é sentir novamente, numa dor eterna.
Se houvesse um Deus lá em cima não deixaria que todos fossem embora para bem longe. Muito longe. Mas aí o momento passa, é apenas um instante de rebeldia.
Normalmente, depois do acesso de raiva e ressentimento, vem uma grande tristeza. Sim, tristeza por não ter para quem deixar os brincos, os lindos brincos que a acompanharam e que poderiam se eternizar nas orelhas de outrem. Uma neta, quem sabe até uma bisneta, talvez? Mas a vida não lhe agraciou com descendentes. Foi estéril de emoções.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Unha

Era um homem comum. Quem o visse à primeira vista poderia até dizer: “É um homem comum”. E era mesmo. Quer dizer, era comum até o momento em que tirasse os sapatos fechados. Ele usava um daqueles que são amarrados com cadarços, sabe?
No momento em que tirava os sapatos, meu amigo!, não havia quem não virasse o rosto ou fizesse uma cara de espanto. O motivo? As grandes unhas dos seus pés. Imagine uma unha grande. Imaginou? Pois posso garantir: era maior. Muito maior. Maior do que possa imaginar sua vã filosofia! Isso eu garanto.
Mas a unha não era apenas grande. Era grande, imensa, curvada e… como direi?… não quero ferir temperamentos mais sensíveis… mas, vamos dizer, esbanjando eufemismo, que a unha do dito cujo não primava pela limpeza. Não que ele fosse parente de algum mamífero suíno, não, de jeito nenhum, posso garantir. Contudo, a unha era tão grande que não havia condição de ele próprio cuidar. Procurar um podólogo? Ele sequer era capaz de levar o pensamento em consideração. Tinha medo de o profissional querer lixar, cortar ou fazer sei lá o quê com aquelas garras, que ele tanto amava. Sim, porque era um grande amor o que o homem sentia por suas garras. É verdade, acredite. O aspecto era esse mesmo. Grandes garras agarradas nos seus pequeninos pés. Sim, porque ele não era um homem alto, mas também não poderíamos dizer que era um anão. Não, isso ele não era. Contudo, seus pés eram pequenos, diminutos até, poderíamos dizer que mais pareciam pés infantis, eram pés delicados como aquelas mulheres japonesas que usam lindos quimonos e têm de usar sapatos de madeira, para disciplinar as duas extremidades inferiores. Ele se sentia mal por ter pés tão femininos. Afinal, era macho sim, senhor, e ai de quem duvidasse! Não dizem que todo baixinho é invocado? Pois é. Ele confirmava a regra.
Ter as unhas dos pés tão grandes não era fácil. Ele penava e pagava muitas vezes um alto preço por isso. Namoradas? Eram poucas as que se sujeitavam em ir para a cama com uma figura tão exótica. Se quisesse manter um relacionamento mais duradouro tinha que usar meias ou então abrir mão de sexo, porque invariavelmente, quando a garota olhava para os seus dois pés com aquelas garras enormes, o tesão ia para o ralo. Não havia chamego que fizesse a dita cuja esquecer as garras e se entregar aos prazeres de Vênus. Mas o homem seguia sua vida, conformado com sua condição e pagando o preço por ser um humano com garras. Mas aí um dia ele encontrou Zuleide. Sim, Zuleide era uma linda cabocla, de olhos negros, ligeiramente puxados, que faziam lembrar a noite sem lua. Uma nordestina arretada, um pouco acima do peso, é bem verdade, mas o homem não se importava. Ele gostava de pegar em carnes, esse negócio de mulher magrela demais não o agradava. Ao ver Zuleide, logo raciocinou: “Isso sim é que é mulher!” Gostou do seu sorriso fácil, sua gargalhada espalhafatosa, mas o que o fez apaixonar-se verdadeiramente foi o tamanho de suas unhas. Sim, Zuzu – ele logo chegou cheio de intimidade com a cabocla – tinha umas senhoras unhas, destas de fazer inveja a qualquer mulher que se preze. Eram unhas enormes e muito bem cuidadas. Quando a cabocla disse sua profissão, o homem logo atinou com seus botões: “É ela! Sim, Zuleide é a mulher da minha vida! Tinha que ser ela!” Sabe qual era a profissão da morena sestrosa? Acertou: manicure. Sim, manicure. Zuleide logo deu trela para o homem e foi lhe contando toda sua trajetória; como saiu de uma cidadezinha do interior da Paraíba e veio parar no Sudeste em busca de seu sonho e fugindo da miséria. Ao ser elogiada por sua beleza de unha, toda garbosa e sem um pingo de modéstia, disse: “É bonita mesmo, não? Eu não tenho uma maior porque a profissão não deixa. Mas o meu sonho era ter uma unha tão grande como garras de uma poderosa águia. Sou portelense roxa! Adoro unha grande!” – confidenciou, dando uma risada escandalosa.
Resultado: em menos de três meses estavam os dois subindo ao altar, na frente do padre e também do juiz.
Não dizem que todo pé cansado tem seu chinelo velho aí perdido no mundo, pronto para ser encontrado? Pois é. O homem encontrou seu par, e hoje suas unhas dos pés continuam grandes, imensas, só que muito bem cuidadas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A menina de saia xadrez

Sempre de tarde, quando era um jovem mancebo – e isso já faz muito tempo! – via uma menina passar por mim vestindo uma graciosa saia xadrez. A moleca, sim porque era uma garotinha que sempre desfilava sorrindo de um jeito de quem iria dar muito trabalho aos pais dali a uns dez ou quinze anos, caminhava – lembro-me bem – com os cabelos negros balançando. Eram duas tranças artisticamente trabalhadas, que sempre terminavam com laços de fitas coloridas. Ela andava pela calçada, pisando como se o longo passeio público tivesse se transformado em um grande jogo de amarelinha.
Não me pergunte o seu nome. Não sei. Não me pergunte onde morava, também não poderei dizer. Só sei do sorriso largo que ela me dava quando passava saltitando em frente à farmácia onde eu trabalhava. Um sorriso infantil, com uma charmosa ausência de dois dentinhos frontais. A saia xadrez fazia parte fazia parte do uniforme que ela usava para ir ao colégio, também não sei onde.
Passados tantos anos, pergunto-me: Onde andará aquela menininha? Será que casou? Teve filhos? Encontrou um grande amor? Ou será que a vida – sempre ela – a tragou, a levou para as correntezas da desilusão?
Não sei, não sei. Como posso saber, não é mesmo ?!
O que sei é que eu não sou mais aquele mancebo, hoje sou um velho ancião. Eu sei… eu sei, estou me repetindo, pois ancião quer dizer que sou velho. Mas permita-me intensificar a minha idade. Demonstrar para você, que me lê – e não me vê –, o quanto de peso do tempo tenho acumulado nos ossos…
O tempo passa como se fosse areia a se perder entre os dedos. Quando jovem, não tinha noção da rapidez e do poder de Cronos: um dia nasci e, sem saber o porquê, me vejo velho, tendo saudade de uma menininha de quem nem sei sequer o nome.
Hoje vejo que meu menino interno, aquele que a vida volta e meia quis matar, queria sair e brincar com aquela menininha, como se fossem dois irmãos, dois primos, dois (quem sabe?) futuros amantes. Todavia, a vida me tragou e o menino que habitava em mim teve que crescer muito rápido, teve que sair, pagar contas, batalhar por um espaço na vida – docemente amarga vida. Com isso, a menininha ficou sem par. Hoje, lembro-me daquela garotinha de tranças negras com laços de fitas combinando com a graciosa saia colegial. Faço uma prece para que ela tenha sido feliz.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O par de brincos

O brinco largado na mesinha de cabeceira do quarto. Foi isso o que ela deixou. Saiu apressada, sem escrever sequer uma despedida de batom no espelho. Foi embora, largando tudo, largando todos, largando o mundo… se largando. Nem do cachorro se despediu. Eles, o Poeta e Sérgio, ficaram lá, vendo-a sair com olhar perdido, de cão que caiu da mudança. Os dois. Órfãos.
Sérgio não soube o que dizer, o que falar, como argumentar que ela não fosse embora. Diante do fato consumado, não houve argumentação possível. Não adianta argumentar com uma pessoa que não quer ser convencida, que não está aberta a possibilidades. É triste, mas é a pura verdade, ele constatou.
Poeta ficou lá, olhando com aqueles dois olhos negros, de cachorro pidão, carente de afeto. Ele não teve força para abanar o rabo. A letargia de Sérgio contagiou o Poeta e sequer um tímido latido saiu de sua garganta. Ele não pensou nem ao menos em fazer alguma gracinha, recém-aprendida com ela, para elevar o moral do seu dono. Dono? Ele nem sabia quem era o seu dono. Poeta não se lembrava de quem ele elegeu para ser seu dono. Dizem que os animais é que elegem seus proprietários. Foi sempre assim, desde que o mundo é mundo, mas Poeta não se lembrava. A dor de vê-la sair era maior do que qualquer memória. Cachorro sente, caso você não saiba.
E o apartamento ficou em silêncio. Se houvesse um relógio daqueles tic-tac na sala eles poderiam ouvi-lo em seu esplendor, mas marcador de tempo não havia. Ela levou também o rádio-relógio que estava sobre a cabeceira da cama. Com isso, o tempo estacionou. Ficou um hiato pairando no ar.
Ela levou quase tudo, mas esqueceu o brinco. E o silêncio da tarde se estendeu para a noite, passando pela madrugada e chegando ao amanhecer de um esplendido dia. Contudo, a tristeza pairava pelo apartamento no Catete. Os carros e a vida se movimentam lá fora. Mas no apartamento não havia vida, não havia esperança, não havia ela. Apenas o brinco. E o Poeta chorou.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Boa de cama

Sou boa de cama. Calma. Não vá pensar, leitor(a) amigo(a), que neste texto falarei sobre minhas intimidades na alcova. Não! Sou uma garota do interior e nascida no século passado. Tenho pudores.
O que quero dizer é que na maioria das vezes durmo com facilidade. Ás vezes até aparece uma insoniazinha aqui, outra ali… Mas nada que me apoquente. Não perco o sono com a falta de sono. Por isso, na minha farmacinha, localizada numa gaveta do banheiro, não consta nenhum remédio que possa jogar-me nos braços de Morfeu.
Contudo, dias atrás, não consegui dormir. O pior é que não havia motivo aparente para a insônia. As contas estavam em dia, a TPM já tinha sido concluída e o filho metaleiro da vizinha do 702 tinha viajado… Ou seja: tudo normal. Normalíssimo. Então por que não dormia?
Sei lá!
Não dormia, ora!
E o que se faz numa hora dessas? Eu, normalmente, leio. Caso não adiante, vejo TV. Detalhe: com o som baixo para não incomodar o soninho do pimpolho do 702. Normalmente esses dois instrumentos sempre me levam para os braços do Morfeu rapidamente.
Escrever não é bom, já descobri, porque senão me empolgo e só paro às 13hs do dia seguinte.
Mas e quando tudo falha? Meditar pode ajudar, mas tenho muita dificuldade de não pensar em nada. Fico sete segundos com a mente envolta numa tela branca e aí penso: “Que bom! Não tô pensando!” Ou seja, já pensei!
Sair e caminhar pelas ruas de madrugada poderia ser inspirador, mas a violência que impera faz com que não me empolgue com a ideia.
Ligar para alguém, nem pensar! Telefone quando toca fora de hora é desgraça na certa. Olha o susto que poderia dar no(a) amigo(a) infeliz! Nem pensar. Fora de cogitação. Fico com a insônia, mas não perco a amizade.
Outra coisa que pra mim não adianta: navegar pela internet. Fico entusiasmada e viro a noite, facinho, facinho.
Então o que fiz neste momento crucial? Bem, lembrei do conselho de uma ex-ministra: relaxei e gozei. Fui dormir depois das 5hs da manhã. Sem culpa, sem remorso, sem neura. Foi difícil, porque tenho um relógio interno que funciona pontualmente entre 6h15 e, no máximo, 6h30, e que me faz acordar. Mas nesse dia, no horário esperado, despertei, olhei para o relógio, virei para o canto e voltei a dormir. E ponto final.

OBS.: Agora, aos(às) insistentemente curiosos(as) para saberem se sou ou não boa de cama: a modéstia faz com que fique calada.
hehehehehehehehehe…

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O minuto eternizado

Domingo: o sol de abril brilhava como se fosse uma primavera européia e eu andava pela Rua do Catete quando me deparei com uma situação curiosa. Vi um pequeno aglomerado de pessoas olhando uma série de fotografias em preto e branco. Um camelô as vendia e gente de variadas idades circulava ao redor das araras onde estavam dependuradas. Tinha velhos (melhor dizendo, em época do politicamente correto, “pessoas da melhor idade” ou “gente da Terceira Idade”); havia adolescentes e também homens e mulheres nem tão novos, nem tão velhos. Mãe empurrando um carrinho de bebê também olhava para as imagens do passado, assim como donas de casa, turistas, domésticas, surfistas e gatinhas douradas pelo “sol que resplandecia no firmamento”. Ou seja: um amontoado de gente interessada naquelas fotografias do Rio antigo. O passado chegou aos olhos das pessoas que olhavam os instantâneos de uma realidade que não volta mais.
A fotografia tem essa capacidade mesmo. Sempre fui apaixonada por foto em preto e branco, porque ela traz em seu bojo uma dramaticidade que a colorida não tem. As cores distraem a visão do que vemos da vida, o preto e branco não.
Mas não era isso que queria contar. O interessante foi ver a fisionomia e a reação de cada um. Pouco mirei as fotos, porém o que fiz mais foi o exercício de apreciar a alma humana.
Havia um senhor (com cerca de 80 anos) que olhava os Arcos da Lapa como se tivesse saudade do quintal de sua casa, com um olhar serenamente triste.
Um turista espiava as fotos sem entender direito e ria, comentando (em inglês) com o colega as cenas curiosas que via. Nada muda. Nós sempre fomos encarados - e ainda continuamos sendo - pelos europeus como algo estranho, uma espécie que merece ser estudada e analisada perante a grande cultura do Velho Mundo.
Uma jovem sorria ao ver a imagem dos transeuntes caminhando na Avenida Rio Branco. Era outro tempo, um tempo em que as mulheres vestiam elegantemente chapéus e os homens cerimoniosamente usavam gravata e terno, como se fossem para algum evento formal. A vida era mais formal. Havia o certo e o errado apenas, a teoria da relatividade ainda não tinha chegado ao convívio social. Bons tempos, bons tempos...
Fui para casa e peguei minhas próprias fotos. Busquei o álbum amarelado, esquecido numa caixa qualquer, e revi gente querida, pessoas que se foram de uma maneira ou de outra. Vininha (perdoe-me a intimidade como trato o poeta Vinícius de Morais) sempre disse que a vida é a arte dos encontros e desencontros. É verdade, poeta amado. E a foto tem esta capacidade de trazer o que passou. O abstrato e o imponderável se concretizam no minuto eternizado.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Mãe (*)

O tempo passou, o mato cresceu e hoje sequer preciso fechar os olhos para ver sua figura risonha a abrir os braços para que pudesse aconchegar-me. Eu sabia ser o feliz proprietário de um abrigo seguro e reconfortante, onde podia esconder-me do mundo. Sim, porque, diferente de outros meninos, fui muito temeroso da vida, desde pequeno. O mundo parecia - aos meus olhos infantis - um lugar assustador. Ficar no escuro era motivo de temor, porque o bicho papão se escondia dentro do guarda-roupa, esperando que você saísse para me atazanar, logo depois de sua figura maternal dar-me o último beijo da noite.
Eu dizia, rotineiramente, que nunca cresceria, nunca, nunca, nunca! Que ficaria sempre assim, infante, um eterno Peter Pan na Terra do Nunca, para que você estivesse ao meu lado sempre, sempre e sempre. Você lembra? Pois é...
Era também categórico ao afirmar que você sempre estaria aqui comigo, dizia apontando o lado do coração. Nunca fui bom em distinguir o lado direito do esquerdo, por isso invariavelmente apontava o esquerdo quando na verdade queria dizer o direito – ou vice-versa. Lembra? Você ria e explicava o lado certo, mas não tinha jeito: eu errava, sempre.
Agora mesmo sou capaz de ouvir seu riso, suave, parecendo aqueles sininhos que ficam dependurados nas árvores de Natal e a brisa faz balançar suavemente.
Pois é, mamãe, o tempo passou e eu cresci, mas continuo tendo você no meu coração, na minha mente, em minha alma. O amor permeia nossa relação até hoje e nos une como se fosse cola feita no céu, que nenhuma ação humana pode separar.
Sinto saudades, muitas saudades.
Há momentos em que sou ainda aquele menino temeroso do mundo, do vasto mundo que é grande, muito grande, maior do que eu ou você. Mas, hoje, tenho que tomar decisões, trabalhar, competir e viver nesse planeta chamado Terra. Contudo, se hoje me tornei este ser capaz de lidar minimamente com a vida, foi por sua causa, por seu carinho, por seu incentivo. Eu, que fui um menino temeroso, amedrontado pelo bicho papão que morou escondido no armário, conheci o mundo, cidades, países… O mundo se abriu, e hoje sei que posso derrotar o bicho papão, porque tenho certeza de que sua força, carinho e amor estão aparando-me. Sou um adulto feliz e seguro, cresci, mas uma coisa não mudou: eu nunca, nunca, nunca vou me afastar de você, mãe. Você está sempre aqui e aqui – do lado esquerdo e também do direito –, a me inundar o peito, sua doçura me forra a alma.

(*) Texto inspirado na obra “Nazarenas e Matrioskas”, de Margarida Rebelo Pinto.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Cena de Ciúme

SEQ. 01 – QUARTO DE LÚCIA/INTERIOR/NOITE
No vão da porta, Laís, 20 anos, olha demoradamente Lúcia, 42 anos, se arrumando. Lúcia veste minissaia de couro preto, blusa rosa-choque transparente e sutiã de renda preto; nos pés, sapatos Luiz XV, pretos.

LAÍS
Vai sair?

LÚCIA
Querida (irônica), em plena sexta-feira VOCÊ acha que ficaria em casa curtindo novelinha de TV? Ah, fala sério! (passa o batom e ajeita o cabelo). E você? Não vai sair com a Paulinha e a Bárbara?

LAÍS
Não! (desanimada)

LÚCIA
Brigaram? (indo ao guarda-roupa e trocando o cinto que usa na minissaia)

LAÍS

Não, não brigamos. Não vou sair porque amanhã tenho prova de inglês.

LÚCIA
Graças a Deus, já passei por esta etapa na vida! Há vantagens em não ter mais 20 anos! (diz, sorrindo)

LAÍS
Mãe, você não acha que esta saia está muito curta?

LÚCIA
(olhando para as pernas) Curta? Você acha?

LAÍS
Sim, acho.

LÚCIA

Por quê? Tá vendo varizes? Tô com celulite? (olhando com atenção em frente ao espelho, na frente e por trás).

LAÍS
Não, mãe. Não tem varizes ou celulite. (suspirando) Só acho que não fica bem você nesta idade usar uma roupa tão curta. (diz, desgostosa)

LÚCIA

(olha para Laís por alguns instantes) Eu não acredito que ouvi isso de você, Laís. Estamos em pleno século XXI! Se fossem meus avós que estivessem vivos ainda falando isso, podia até ser… Mas VOCÊ?! Ah, fala sério, Laís! Tem dó. Mi mira, mas me erra!

LAÍS

Tá vendo, mãe? (indignada) Até seu palavreado é adolescente! Eu é que deveria estar dizendo “fala sério”. Você tem idade para ser avó e fica aí usando minissaia como se tivesse 15 anos! Mãe, você já passou dos 40! (indignada)

LÚCIA
Amada filhinha do meu coração, no tempo de Balzac uma mulher de 30 poderia ser considerada velha. Mas hoje, uma mulher de 50 anos é ainda uma gatona, convidada pra pousar para a Playboy e tudo mais. Desencarna, Laís. Vai curtir sua vida e me deixa em paz, curtindo a minha!

LAÍS
Você faz isso porque papai não está mais aqui. Se ele estivesse, duvido que fizesse metade do que tá fazendo agora. Daqui a pouco vai me apresentar um garoto de 18 anos como seu namorado! (gritando)

Laís sai do vão da porta do quarto de Lúcia e caminha pelo corredor até a sala. Lúcia a segue. Câmera deriva.

LÚCIA
Só que seu querido paizinho não está mais aqui, Laís! (gritando) Tá ouvindo??! (gritando mais alto) Tá ouvindo??!

LAÍS
É claro que ele não tá mais aqui! Por que ficaria aqui tendo uma megera indomada como mulher? (diz, se atirando no sofá)

LÚCIA
Sabe qual é o seu problema? Você tem ciúme de mim, Laís! Ciúme e inveja, porque eu não morri quando o seu pai saiu desta casa! A opção foi dele, não minha! Foi ele que nos deixou para viver uma crise de meia-idade com uma ninfeta de 18 anos! Foi ELE que colocou uma garota de 18 anos aqui nesta casa, não eu.

LAÍS
Ah, faz favor, mãe! Se meu pai foi embora foi porque você não era boa esposa. Você pensa que eu não escutava as brigas de vocês de madrugada, falando baixinho? A quem você pensa que engana? A mim?! (revoltada) Sabe qual é o seu problema?! O seu problema é que você não aceita que não tem mais 18 anos, que já passou.

LÚCIA
Eu sei que não tenho 18 anos, tá ouvindo, Laís?! (revoltada) Eu SEI, VIU ? Só que eu sou uma mulher bonita e cheia de vida. Se SUA vida é uma merda, não venha descontar em mim! TÁ ouvindo? Cresça, Laís. Cresça!

LAÍS

Se tô com dificuldade para crescer deve ser por herança genética! (irônica)

LÚCIA
Qual é o seu problema, hein? (um grande suspiro de desanimo) Por que você não pode me ver feliz, hein, minha filha?

Lúcia e Laís se olham demoradamente, até que Laís sai correndo da sala, chorando. Lúcia faz um movimento de seguir Laís, mas desiste.

CORTA PARA

terça-feira, 17 de março de 2009

Procura-se uma viúva

Interior da Capela Mortuária São José Carpinteiro. Matilde e Donana, duas senhoras de 80 e 82 anos, respectivamente, entram ao local e percorrem os olhos no ambiente, como se procurassem alguém.

- Donana, quem é a viúva? – sussurra Matilde.

- Você sabe que não sei, Matilde – diz Donana, mal disfarçando a irritação. – Só sei que é uma mulher muito jovem. Não sei onde Osvaldo estava com a cabeça de casar com uma garota que tem idade para ser sua neta!

- Neta?! Você está sendo muito generosa, Donana! Pelo que ouvi falar, a garota tem idade para ser bisneta dele. Realmente, homem não pensa com a cabeça de cima! Onde já se viu uma coisa dessa?! – diz ironicamente indignada.

- É claro que ela deu o golpe do baú, porque convenhamos, ninguém é capaz de se apaixonar por um velho de 87 anos!

- Mas como vamos descobrir a viúva no meio de tanta gente? – indaga Matilde.

- Ah, basta ver uma garota que seja nova e que esteja chorando – argumenta Donana.

- Chorando de mentirinha, né? Pois com a polpuda pensão que receberá do Exército, ela deve estar mesmo é soltando rojões! – diz invejosamente Matilde.

- Venha, vamos olhar as pessoas. Precisamos dar os pêsames à viúva. – diz Donana, puxando a amiga na direção do caixão.

No caminho, ficam observando para ver se encontram a jovem viúva do amigo de infância. Há pessoas de todas as idades no velório do general Osvaldo Viana. Há, inclusive, uma mulher jovem, com piercing e tatuagens, fumando e soltando gargalhadas que chamam a atenção de Matilde e Donana. Elas se olham, questionando se a tal figura poderia ser a viúva do general, mas desistem da ideia. Osvaldo não estava tão senil assim.
As duas velhinhas caminham e, ao se aproximarem do caixão, veem uma bela jovem pálida, de óculos escuros, com um vestido sóbrio e fisionomia triste. Olham entre si e concordam simultaneamente, sem falar nada: “É ela!”
Penalizadas com a dor da viúva, as amigas do general esquecem as maledicências de há pouco e tentam consolar a jovem.

- Minha filha, não fique assim! – diz Matilde.

- Você tem uma vida pela frente! – emenda Donana.

A jovem tira os óculos escuros e olha para as duas com espanto. Tenta falar alguma coisa, explicar, mas nenhuma das velhinhas deixa que ela emita qualquer palavra.

- Você é jovem, encontrará um homem bom! Osvaldo certamente abençoará a nova união! Você vai ver, Nosso Senhor Jesus Cristo vai ajudar. Faça uma novena para São Benedito que logo, logo, você arranjará outro amor.

A jovem ainda tenta explicar, mas é interrompida por Donana:

- Não precisa falar nada, nós entendemos a sua dor. Eu também fiquei desolada quando perdi meu marido, há quase 20 anos. Mas a vida continua. Você vai ver. Vai passar – diz a velhinha, dando dois tapinhas amigáveis na mão da jovem.

A garota faz uma cara esquisita, entre choro e riso e, pegando um lenço da bolsa, segura-o em frente à boca e começa e emitir sons como se estivesse soluçando. Matilde e Donana, desoladas, não sabem o que fazer com a jovem. Cada vez que elas tentam consolá-la, a garota soluça mais e mais forte. Donana sai em busca de um copo de água para dar à garota. No meio do caminho, encontra o irmão do general, Paulo, e diz aflita:

- Arrume um copo de água para a viúva, ela está desesperada ali no caixão!

- Mas aquela ali não é a viúva de Osvaldinho! – diz espantado Paulo – A viúva de meu irmão é aquela ali, perto da saída – e mostra a moça com piercing e tatuagens, que fumava e gargalhava a plenos pulmões.

- Quê?! Mas então quem é aquela jovem ali no caixão, com cara de desolada? – indaga espantada Donana.

- Aquela é a Glorinha, filha do general Roberto Duval, que morreu há poucos dias. Ela está assim triste pela morte do pai. Duval era muito ligado ao meu irmão.