sábado, 15 de março de 2008

Nasci ... (Capítulo 6)

Bem, então a família não tinha um nome para me dar. Houve uma reunião do génos e cada um apresentou uma sugestão:

- Por que não coloca Deusa?! – graças a Deus o nome foi descartado! Já imaginou naquela época de uma novela da Globo em que a Vera Fischer era chamada de deusa pelo personagem do Nuno Leal Maia? Não, melhor não. Que bom não!

- Ah, então põe Cíntia. – ficaram na dúvida, analisando a sonoridade do nome.

Mas aí minha tia Tereza, sempre ela, sugeriu:

- Porque não fazemos uma homenagem para a avó (mãe do lado materno e que tinha morrido meses antes de saber que a filha estava grávida)? Coloca Giacomina.

Mamãe tinha aprendido sobre esse negócio de nome, acho até que teve remorso lembrando-se do titio Fufu, então disse:

- Olha, Giacomina é um nome italiano e gosto muito. É o nome de minha mãe, mas é diferente e ela (eu) pode não gostar. É diferente demais. Na Itália não é tão diferente assim, mas no Brasil é. – argumentou.

Sábia como Matusalém descalço, Tereza contra-argumentou:

- Se é assim, então põe Carla Giacomina. Fica uma homenagem à mãe e à avó.

E foi assim que todos concordaram e fui batizada pelo nome de Carla Giacomina Giffoni Carneiro. Adoro meu nome inteiro.
Quero acreditar, nunca tirei isso a limpo, que o nome grande desse jeito foi uma maneira de homenagear os clãs envolvidos: Giffoni da minha vó Tita (este era o apelido da que foi batizada Giacomina) e do papai, Carneiro.
É essa a minha história. Nasci por imposição divina. A chance de minha mãe gerar uma criança era uma em um bilhão. Sou esse um.
Não pense que me sinto a ungida do Senhor por ter baixado neste planeta. Acredito – cá entre nós – que minha vinda foi mais para pagar os pecados do que qualquer outra coisa. Mas hoje estou aqui e agradeço a Deus e à minha família o dom da vida.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Nasci ... (Capítulo 5)

Foi assim que vim para este planeta. Às 14h45min de uma quinta-feira. Nasci para o mundo. Vó América contava que meu pai chorava feito criança, dava dó ver o velho Gilberto (quando nasci ele já tinha completado 51 anos) recebendo a notícia de que era pai de uma linda menina (foi o que disseram, vá lá).
Menina?!
Pois é. M-e-n-i-n-a! Tia Tereza estava certa. Realmente certa. Inegavelmente certa, a máquina falhara e a emoção e a intuição prevaleceram. Menina.

- E agora, que nome dar? – indagava a família em suspense, esperando minha mãe acordar.

Sim, porque depois que passou o efeito da anestesia, minha mãe caiu em sono profundo, acredito que oriundo do cansaço e desgaste emocional.
Meu pai contava que, ao ser levada para o quarto, mamãe lutava bravamente contra o cansaço, querendo confirmar o sexo da criança:

- Gil (ela sempre o chamava assim), é menino ou menina? – questionava para cair em exaustão logo em seguida, não se dando conta de que a previsão de minha tia Tereza estava certa.
Ela levou dois dias para ficar melhor e saber do sexo da criança.
Já em casa, a grande dúvida se abateu sobre a família. Afinal, todos (aliás, quase todos) tinham a certeza absoluta de que era um menino e que se chamaria Paulo Marcelo! Aí chego euzinha e atrapalho todos os planos, desconcertando a família. Afinal, ninguém tinha pensado na hipótese de um nome feminino.
A escolha de Paulo Marcelo foi uma concordância do clã Giffoni de Barra Mansa. Seria uma forma de homenagear meu avô Fausto, que fazia aniversário no dia 11 de abril. Ele sempre quisera ter um filho com o nome de Paulo. Ele teve quatro: Tereza (adotiva), Carla e Plínio. Entre minha mãe e meu tio, teve um menino, que nasceu morto. Minha Dindinha (irmã de minha avó materna) contava que na época mamãe era pequena foi ela quem escolheu o nome do rebento que nasceria: Pafúncio! Sim, isso mesmo: Pafúncio.
Mamãe, segundo Dindinha, andava pela casa dizendo a todo momento:

- Meu irmãozinho Pafúncio, meu irmão Panfúncio vai nascer! – dia após dia.

Isso traumatiza, né? Hoje sabemos que a criança que está na barriga da mãe sente e ouve o ambiente fora. Coitado. Acredito que se enforcou ao saber que poderia ser batizado com prodigioso nome. Mesmo não acreditando que o suicídio seja a solução para os problemas da vida, entendo meu ex-futuro tio Fufu – sim, era assim que o chamaria, se tivesse sobrevivido.

terça-feira, 11 de março de 2008

Nasci ... (Capítulo 4)

Fezinha chegou no dia 31 de janeiro e o combinado foi que eles descansariam alguns dias e depois minha mãe e ela seguiriam para o Rio munidas de malas para trazer o enxoval para o Paulo Marcelo (vamos combinar que o nome será esse, pois sempre confundo a ordem, ok?).
Chegou o dia 1º de fevereiro e no dia 2 elas viajariam para a capital Fluminense. Só que vovô Fausto não deixou. Disse que mamãe deveria ir ao médico antes. Se esse liberasse, ok. Mamãe ainda relutou muito:

- Mas eu estou me sentindo bem, papai!
- Você vai ao médico e está acabado
– sentenciou vô Fausto no alto de sua autoridade paterna.

Como boa filha que era, mamãe enfiou a viola no saco e atendeu ao seu pedido-imposição.
Chegando ao médico, a surpresa:

- A senhora está em trabalho de parto e terá que ir para a sala agora.
- Mas como?! Não estou sentindo nada, absolutamente nada.
- Mas a senhora não pode viajar e precisa ir para a sala de operação.
- Ah, não, doutor! Hoje não vou ter criança nenhuma. Minha irmã fez um quiabo com angu e frango e vou lá em casa almoçar. Além disso, preciso fazer as unhas. Amanhã volto e tenho o bebê
– sentenciou a teimosa grávida.

Resultado: no dia seguinte ela foi para a maternidade. Lá chegando teve uma crise de pré-eclampsia. Sua pressão subiu muito e uma junta médica se formou ao seu redor. A criança – euzinha – queria sair, mas ela não podia ser operada. Ah, claro, esqueci de contar: ela não tinha passagem e precisaria de uma cesariana.
Depois de muitas idas e vindas, a junta conseguiu diminuir sua pressão arterial e levá-la para a sala de operação. Mais um problema surgiu: lembra que contei que minha mãe no inicio do casamento fez duas operações em menos de 24 horas? Pois é. A seqüela que ficou foi uma alergia a anestesia, principalmente as que tivessem efeito longo. Para se ter uma idéia, minha mãe, quando tratava de canal ou precisava arrancar um dente, era no muque.
E como operar uma cesariana sem anestesia? Eis a questão! Os médicos arrumaram uma que durava pouco, muito pouco. Veja bem: estou vendendo o peixe conforme me contaram. Nunca busquei saber até que ponto tal situação possa existir ou os termos técnicos exatos sobre o problema. Acredito no que a família contava e ponto.
Voltando. Então arrumaram uma anestesia que durava apenas 15 minutos. O médico tinha que abrir a barriga, me tirar, limpar e costurar em menos de 15 minutos! Meu pai contava, e vó América (que não era vó, mas uma vizinha muito querida que chamei a vida inteira de vó) confirmava, que quando o médico saiu da sala de operação, devido à tensão da possibilidade da perda da mãe e da criança, o calor insuportável típico da estação (lembre-se que nasci em fevereiro) e as luzes potentes da sala faziam que onde ele pisasse formassem-se poças, de tanto suor que escorria de sua roupa.

domingo, 9 de março de 2008

Nasci ... (Capítulo 3)

Bem, depois desta bolha proustiana, volto. Onde estava mesmo? Ah, sim, lembrei: Tereza negava que fosse menino. O exame errou porque foi mal interpretado. Ao olharem a criança que se formava e verem o punho que eu havia fechado na frente do sexo, eles pensaram que fosse o saquinho do menino. Claro que, como boa moça de família, não ficaria posando assim, mostrando a genitália desnuda para qualquer um, né? Tem graça!
Outro que também não acreditava em tal hipótese era tio Plínio. Na verdade, ele não acreditava que fosse menino e sequer que fosse menina. Para ele, o que mamãe tinha era um tumor. Durante toda a gravidez ele insistia:

- Carla, vá num médico do Rio. Você fica se consultando com esses médicos do interior, que não sabem nada, que não têm aparelhos potentes. Vá para o Rio!

Quando nasci, minha tia Tereza dizia, caçoando dele:

- Olha aí, Plínio, olha aí o “tumorzão” que nasceu!

Não classifico meu tio como um esnobista ao alertar a irmã. Durante décadas minha família conviveu e morou em São Paulo e nas cidades prósperas do seu interior. Quando eles chegaram a Barra Mansa no meio da década de 50, a rua principal da cidade (Joaquim Leite) era toda de terra batida. Havia chovido e estava um lamaçal, enquanto em Taubaté (cidade onde a família até então residia) era toda calçada com paralelepípedo. Hoje Barra Mansa é completamente diferente, uma cidade com cerca de 180 mil habitantes – a segunda mais populosa do Sul Fluminense, perdendo apenas para Volta Redonda. Mas naquele tempo não era assim, por isso a preocupação de tio Plínio.
Bem, mamãe não atendeu ao pedido do irmão e a gravidez seguia calma, tranqüila e ela esperava a Fezinha para comprar o enxoval no Rio.
Fezinha trabalhava no comércio em Guará e sempre tirava férias no final de janeiro, quando seguiam ela e o pai, meu tio Livinho, para Barra Mansa, passando com a família de 15 dias a um mês. Fezinha sempre foi uma pessoa expansiva, bem humorada, risonha, encarando a vida com alegria. Tio Livinho sempre foi mais hermético, fechado, muito ciente de seu papel como pai e tio, mas também sabia ser um conservador generoso e risonho. Esses dois sempre estiveram presentes em minha vida. Sempre, nos momentos alegres e também nos tristes. Aliás, os Giffonis sempre marcaram presença em minha existência. Meus primos e primas de São Paulo e Minas fazem parte de minha memória desse tempo.