quarta-feira, 4 de julho de 2012

Adão

Anunciava a todos os que quisessem ouvir e também àqueles que não queriam escutar:


– Minha mulher, sim! Isso é que é mulher!

Casado há quinze anos com Maria de Lourdes, Adão tinha certeza absoluta da fidelidade da mulher, mãe amantíssima de primeira qualidade, escolhida a dedo. A última da espécie.

Para ele, este negócio de emancipação feminina, queima de sutiã em praça pública, pílula anticoncepcional e todo este blá-blá-blá não passava de balela para boi dormir. Era ele que mandava na casa e pronto, e trazia a mulher, ali, no cabresto.

– Comigo, não! Homem nenhum me passa para trás! Ricardão lá em casa não se fia, não, senhor! – garantia o arrogante marido.

Adão demorou para encontrar a mulher ideal. Nascido na Cidade Maravilhosa, namorou muito e iludiu muita menina, mas ele sabia que não acharia a esposa, a que seria a mãe de seus filhos, onde ele vivia.

Na verdade, Adão tinha a certeza de que só no interior do interior é que encontraria a mulher ideal, porque ele não era homem de sustentar periguete, não, senhor.

E foi assim que ele encontrou Maria de Lourdes, numa cidade aonde essas ‘mudernidades’ do século XXI não haviam chegado. Num lugar tão longe, que Judas tinha perdido as meias, porque as botas havia deixado dez léguas antes.

Maria de Lourdes era a personificação da mulher que ele sempre idealizou. Muito nova, recatada, virgem, do lar e temente a Deus de todo o coração.

No final, a família se encantou com a possibilidade de o clã ter um parente na cidade mais maravilhosa do mundo e acabou insistindo que a filha desse o sim ao mancebo carioca.

Maria de Lourdes, vexada com tanta atenção, ainda demorou a aceitar a corte, mas no final acabou subindo ao altar de véu, grinalda e flores de laranjeiras, conforme manda o figurino.

Adão estava realmente certo: moça como Maria de Lourdes, se existia, eram poucas. Sua meiguice e mansidão só se encontram em livros água com açúcar do século XIX.

O casamento foi uma festança de fazer gosto. Adão não se fez de rogado e pagou três garrotes de uns quatro anos cada. A festa durou um final de semana inteiro e por pouco não vai segunda-feira adentro.

A noiva chorou muito ao se despedir da família e da amiga de infância, quase irmã, chamada Gracinha. A amizade vinha de longa data, e uma vivia agarrada à outra. Mas acabou se conformando e seguindo com o, agora, marido para a cidade grande.

Adão sabia que voltar para a Cidade Maravilhosa era correr um certo risco, porque, sabe como é… cidade grande há muita tentação. Por isso ele era muito vigilante e não dava espaço para a esposa arrumar um amante e trocá-lo.

– Demorei muito para encontrar Maria de Lourdes e confio nela, mas não dou oportunidade, não. Sabe como é: a ocasião faz o ladrão, como já dizia meu velho pai. E eu é que não vou ficar aqui dando boa vida para Ricardão nenhum! – dizia, gabando-se da vigilância cerrada que fazia com a esposa.

Não demorou muito, o primeiro rebento chegou. Ainda na lua de mel, Maria de Lourdes emprenhou e nove meses depois nascia um lindo garotinho de olhos azuis, puxando a família materna, que era dada a ter olhos claros, segundo afirmou a esposa de Adão.

– Macho como deve ser, levando o nome da família e perpetuando a espécie! – dizia o pai, distribuindo charutos para comemorar o nascimento do primeiro filho.

Adão era assim mesmo, macho até a última mitocôndria celular. Não admitia ninguém ciscando no seu terreiro; não acreditava nas modernidades e avanços da espécie humana e dizia que macho era superior à fêmea.

Por estes destinos da vida, Adão teve cinco filhos, e todos homens.

– Que vocês cuidem de suas cabritas, porque estou criando um time de bodes! – falava, rindo das próprias palavras.

Enquanto isso, Maria de Lourdes levava a vida de dona de casa e mãe amantíssima, não tinha grandes ambições.

No início do casamento teve dificuldade de se adaptar à agitação da cidade grande e aprender a cuidar de uma criança. Caçula de uma grande família, não tinha experiência em limpar umbigo e dar banho no pequeno rebento.

A solução encontrada foi chamar a grande amiga, Gracinha, que se prontificou imediatamente a ajudar a companheira de infância, mudando-se para a casa de Adão. Gracinha também vinha de uma grande prole, a diferença é que foi a primeira, e todos os irmãos que vieram depois ela ajudou a criar.

E assim, a vida seguia em céu de brigadeiro. Adão a cada dois anos embuchava a esposa, que continuava naquela mansidão e recato, sempre contando com a ajuda da amiga de infância, que passou a morar definitivamente com o casal.

Adão ficou feliz com a chegada de Gracinha, porque assim poderia dar suas escapulidas, não alterando em quase nada sua vida, mesmo sendo pai de família. Como ninguém é de ferro, Adão volta e meia pulava a cerca. Nunca teve um caso sério ou que durasse mais de três encontros. Afinal, ele não precisava de mulher, tinha uma em casa, escolhida a dedo. As outras, bem, eram outras, conforme ele mesmo dizia para os amigos nas rodas de bar.

Foi assim até o dia em que ele, que não era dado a essas coisas de modernidade, decidiu seguir o conselho de um amigo e procurou na internet um vídeo destinado ao público adulto.

Vamos no popular: Adão queria mesmo era ver filme com muita sacanagem, sem precisar pagar aluguel de locadora e também sem correr o risco de ser flagrado pela esposa ou por Gracinha vendo este tipo de película. Ao alugar a fita de alguma locadora, sempre corria o risco de ser descoberto, ainda mais tendo filho-homem, com os hormônios em ebulição. Então, ver pela internet lhe pareceu uma saída mais confortável, e foi isso o que Adão fez, sempre tomando o cuido com os horários, acessando em momentos em que a casa estivesse mais vazia.

Numa tarde de abril Adão acessou uma dessas páginas e encontrou um filminho bem dos sacanas. O filme começava com duas mulheres no ‘rala e rola’. Quando começou a ver o espetáculo, algo passou a incomodar o marido de Maria de Lourdes. Ele não soube identificar imediatamente o que lhe causava o incômodo, mas de repente se deu conta:

– Mas esta que está aí pelada é minha mulher, Maria de Lourdes! – exclamou, levantando-se de supetão da cadeira.

E era mesmo. Sua mulher, mãe amantíssima, estava lá, em poses indecentes, com outra mulher. O pior ainda: a outra mulher era Gracinha. Sim, a grande amiga de infância estava ali, em rede mundial, fazendo as estripulias que os filmes de sacanagem mostram.

Adão não acreditou. Tentou se convencer de que aquela ali era alguém muito parecida com a sua mulher, que não era Maria de Lourdes, a noiva que ele escolheu a dedo, que buscou a vida inteira para colocar a aliança e que lhe gerou cinco filhos-homens!

Mas era ela mesma, sim. Maria de Lourdes poderia até ter uma sósia, mas seria muita coincidência atuar num mesmo filme uma sósia de Maria de Lourdes e outra de Gracinha. Não, isso não era capaz de haver, seria muita coincidência para um corno só.

Quando a mulher chegou com Gracinha da rua, Adão foi logo lhe querendo tomar satisfação. Quando mostrou o vídeo às duas, Gracinha ainda teve o desplante de querer negar, soltando a clássica frase:

– Não é nada disso que você está pensando!

Durante todo o tempo, Maria de Lourdes ficou quieta, enquanto Gracinha tentava convencer o marido da amiga de que aquilo que ele via não era na verdade aquilo que ele via.

O silêncio da mãe amantíssima durou quase sete minutos, mas de repente Maria de Lourdes deu um grito e bateu a mão na mesa, confessando tudo:

– É verdade! Tu é um corno mesmo! Me vigiou a vida inteira com medo de ser corno, num foi? Cagava de medo que algum Ricardão aparecesse no seu terreiro? Pois bem, não foi Ricardão, foi Ricardona!!! É de mulher que eu gosto e sempre gostei! Eu e Gracinha sempre fomos um casal, e só você não via isso, não via porque não queria ver! Corno! Tu é um corno mesmo!!! C-o-r-n-o!!!!!! – gritava a mãe amantíssima de cinco filhos enquanto avançava agredindo o marido.

Xiiiiiii… aí foi aquela confusão, nem te conto!

Adão gritava, querendo matar, procurando faca de cozinha; as duas mulheres em cima dele, tirando sangue com as unhas e mordidas; os vizinhos logo vindo separar a briga; os “deixa disso” logo aparecendo para jogar água fria na quentura… um fuzuê daqueles de arrancar rabo, precisava ver.

Para você ter uma ideia, teve até que chamar a patrulhinha, e foi todo mundo parar na delegacia ter que explicar tudo ao delegado de plantão. Um vexame, nem lhe conto!

Os meninos foram levados para a casa de vizinhos e primos distantes; Adão, depois que saiu da delegacia, não sem antes ter passado o vexame de contar e registrar tudo, sendo declarado corno oficialmente, ficou na casa de um colega de trabalho, um conjugado no Catete; já as duas messalinas, conforme ele dizia, ficaram no apartamento.

Mas é como já disse um filósofo popular cujo nome nunca sou capaz de lembrar: o tempo, ah o tempo!, cura qualquer dor, principalmente as de corno.

Depois que a poeira baixou, Maria de Lourdes, Adão e Gracinha sentaram para conversar e decidir o que fariam da vida, porque, afinal de contas, ainda tinham os cinco filhos, que precisavam de amparo e proteção.

Bem, ao menos foi esta a desculpa que Adão deu para todo mundo quando foi ao encontro do casal. Essa foi a justificativa, mas, cá entre nós, o que ele estava mesmo querendo era apaziguar o pobre coração. Sim, porque, apesar de toda a macheza, apesar de gostar de cantar de galo, Adão tinha os quatro pneus arriados pela mulher.

Sempre foi apaixonado por ela, mas nunca confessou nem a si mesmo o grande amor que abrigava em seu coração. Desde o início. Foi amor à primeira vista, sim, senhor, o que ele sentiu quando botou os olhos em Maria de Lourdes!

O resultado disso tudo: os meninos voltaram para casa; Maria de Lourdes e Gracinha continuaram juntas (como sempre) e Adão se conformou em fazer parte de um triângulo amoroso. Ele voltou para o santo lar, e todos vivem na paz e na concórdia.

Hoje Adão é, inclusive, um bem sucedido empresário de uma produtora de filmes para adultos.