quarta-feira, 15 de abril de 2009

Mãe (*)

O tempo passou, o mato cresceu e hoje sequer preciso fechar os olhos para ver sua figura risonha a abrir os braços para que pudesse aconchegar-me. Eu sabia ser o feliz proprietário de um abrigo seguro e reconfortante, onde podia esconder-me do mundo. Sim, porque, diferente de outros meninos, fui muito temeroso da vida, desde pequeno. O mundo parecia - aos meus olhos infantis - um lugar assustador. Ficar no escuro era motivo de temor, porque o bicho papão se escondia dentro do guarda-roupa, esperando que você saísse para me atazanar, logo depois de sua figura maternal dar-me o último beijo da noite.
Eu dizia, rotineiramente, que nunca cresceria, nunca, nunca, nunca! Que ficaria sempre assim, infante, um eterno Peter Pan na Terra do Nunca, para que você estivesse ao meu lado sempre, sempre e sempre. Você lembra? Pois é...
Era também categórico ao afirmar que você sempre estaria aqui comigo, dizia apontando o lado do coração. Nunca fui bom em distinguir o lado direito do esquerdo, por isso invariavelmente apontava o esquerdo quando na verdade queria dizer o direito – ou vice-versa. Lembra? Você ria e explicava o lado certo, mas não tinha jeito: eu errava, sempre.
Agora mesmo sou capaz de ouvir seu riso, suave, parecendo aqueles sininhos que ficam dependurados nas árvores de Natal e a brisa faz balançar suavemente.
Pois é, mamãe, o tempo passou e eu cresci, mas continuo tendo você no meu coração, na minha mente, em minha alma. O amor permeia nossa relação até hoje e nos une como se fosse cola feita no céu, que nenhuma ação humana pode separar.
Sinto saudades, muitas saudades.
Há momentos em que sou ainda aquele menino temeroso do mundo, do vasto mundo que é grande, muito grande, maior do que eu ou você. Mas, hoje, tenho que tomar decisões, trabalhar, competir e viver nesse planeta chamado Terra. Contudo, se hoje me tornei este ser capaz de lidar minimamente com a vida, foi por sua causa, por seu carinho, por seu incentivo. Eu, que fui um menino temeroso, amedrontado pelo bicho papão que morou escondido no armário, conheci o mundo, cidades, países… O mundo se abriu, e hoje sei que posso derrotar o bicho papão, porque tenho certeza de que sua força, carinho e amor estão aparando-me. Sou um adulto feliz e seguro, cresci, mas uma coisa não mudou: eu nunca, nunca, nunca vou me afastar de você, mãe. Você está sempre aqui e aqui – do lado esquerdo e também do direito –, a me inundar o peito, sua doçura me forra a alma.

(*) Texto inspirado na obra “Nazarenas e Matrioskas”, de Margarida Rebelo Pinto.

2 comentários:

Simone Martins disse...

Lindo! Fiquei com vontade de conhecer a obra que inspirou. Ainda sou muito preguiçosa para ler, sabe. Ainda mais agora que toda leitura é voltada para a faculdade.
Parabéns e obrigada por dividir seus talentos.
Uma reserva prudente de paz para você continuar seguindo e crescendo. Beijos.

Helena Fontoura disse...

Carla
li varios de seus textos e devo te dizer que prenderam minha atenção, vc escreve muito bem
obrigada por compartilhar
Lena