terça-feira, 17 de março de 2009

Procura-se uma viúva

Interior da Capela Mortuária São José Carpinteiro. Matilde e Donana, duas senhoras de 80 e 82 anos, respectivamente, entram ao local e percorrem os olhos no ambiente, como se procurassem alguém.

- Donana, quem é a viúva? – sussurra Matilde.

- Você sabe que não sei, Matilde – diz Donana, mal disfarçando a irritação. – Só sei que é uma mulher muito jovem. Não sei onde Osvaldo estava com a cabeça de casar com uma garota que tem idade para ser sua neta!

- Neta?! Você está sendo muito generosa, Donana! Pelo que ouvi falar, a garota tem idade para ser bisneta dele. Realmente, homem não pensa com a cabeça de cima! Onde já se viu uma coisa dessa?! – diz ironicamente indignada.

- É claro que ela deu o golpe do baú, porque convenhamos, ninguém é capaz de se apaixonar por um velho de 87 anos!

- Mas como vamos descobrir a viúva no meio de tanta gente? – indaga Matilde.

- Ah, basta ver uma garota que seja nova e que esteja chorando – argumenta Donana.

- Chorando de mentirinha, né? Pois com a polpuda pensão que receberá do Exército, ela deve estar mesmo é soltando rojões! – diz invejosamente Matilde.

- Venha, vamos olhar as pessoas. Precisamos dar os pêsames à viúva. – diz Donana, puxando a amiga na direção do caixão.

No caminho, ficam observando para ver se encontram a jovem viúva do amigo de infância. Há pessoas de todas as idades no velório do general Osvaldo Viana. Há, inclusive, uma mulher jovem, com piercing e tatuagens, fumando e soltando gargalhadas que chamam a atenção de Matilde e Donana. Elas se olham, questionando se a tal figura poderia ser a viúva do general, mas desistem da ideia. Osvaldo não estava tão senil assim.
As duas velhinhas caminham e, ao se aproximarem do caixão, veem uma bela jovem pálida, de óculos escuros, com um vestido sóbrio e fisionomia triste. Olham entre si e concordam simultaneamente, sem falar nada: “É ela!”
Penalizadas com a dor da viúva, as amigas do general esquecem as maledicências de há pouco e tentam consolar a jovem.

- Minha filha, não fique assim! – diz Matilde.

- Você tem uma vida pela frente! – emenda Donana.

A jovem tira os óculos escuros e olha para as duas com espanto. Tenta falar alguma coisa, explicar, mas nenhuma das velhinhas deixa que ela emita qualquer palavra.

- Você é jovem, encontrará um homem bom! Osvaldo certamente abençoará a nova união! Você vai ver, Nosso Senhor Jesus Cristo vai ajudar. Faça uma novena para São Benedito que logo, logo, você arranjará outro amor.

A jovem ainda tenta explicar, mas é interrompida por Donana:

- Não precisa falar nada, nós entendemos a sua dor. Eu também fiquei desolada quando perdi meu marido, há quase 20 anos. Mas a vida continua. Você vai ver. Vai passar – diz a velhinha, dando dois tapinhas amigáveis na mão da jovem.

A garota faz uma cara esquisita, entre choro e riso e, pegando um lenço da bolsa, segura-o em frente à boca e começa e emitir sons como se estivesse soluçando. Matilde e Donana, desoladas, não sabem o que fazer com a jovem. Cada vez que elas tentam consolá-la, a garota soluça mais e mais forte. Donana sai em busca de um copo de água para dar à garota. No meio do caminho, encontra o irmão do general, Paulo, e diz aflita:

- Arrume um copo de água para a viúva, ela está desesperada ali no caixão!

- Mas aquela ali não é a viúva de Osvaldinho! – diz espantado Paulo – A viúva de meu irmão é aquela ali, perto da saída – e mostra a moça com piercing e tatuagens, que fumava e gargalhava a plenos pulmões.

- Quê?! Mas então quem é aquela jovem ali no caixão, com cara de desolada? – indaga espantada Donana.

- Aquela é a Glorinha, filha do general Roberto Duval, que morreu há poucos dias. Ela está assim triste pela morte do pai. Duval era muito ligado ao meu irmão.

2 comentários:

Leonardo Davino disse...

Gostei! Voltarei mais vezes. Abraço.

Anônimo disse...

Parabéns Carla seus escritos é muito bom to gostando de lê. Adelmo Carneiro Neto