quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Par perfeito

Ele vivia com sono. Desde que nasceu, era um ser que adorava dormir. Os pais, inicialmente, ficaram maravilhados com aquele bebê rosinha, que só queria saber de dormir e comer. Dormia a noite inteirinha, e esse negócio de dizer que, tendo criança nova em casa, a mãe pode esquecer o sossego do travesseiro não aconteceu com a genitora do pequeno Augusto Manoel Oliveira Sampaio Brito. Sim, esse era o seu nome de batismo, que logo foi esquecido. Por ser tão dorminhoco, rapidamente ganhou a alcunha, ainda no berço, de Morfeu. Até entrar para o colégio, o menino Morfeu pensava que esse era na realidade o seu nome. Seus pais, inicialmente, não ligavam muito por ver o guri dormindo tanto. “Antes dormir do que ficar fazendo arte e aprendendo o que não deve”, diziam. Contudo, com o passar do tempo, eles começaram a ficar preocupados. Morfeu só queria saber de dormir. Dormia, dormia, dormia, e a preocupação dos pais crescia, crescia, crescia. O médico constatou: Augusto Manoel Oliveira Sampaio Brito não tinha nada. Apenas gostava de dormir, ponto final.
Com o laudo médico em mãos, os pais de Morfeu se acostumaram com a ideia de que tinham um filho preguiçoso. O único filho – diga-se de passagem – era muito preguiçoso. “Fazer o quê, né mesmo? Pior seria se fosse marginal”, argumentavam aos amigos e parentes que sempre comentavam, admirados, o quanto Morfeu dormia.
Morfeu crescia e continuava a dormir. Era um custo fazê-lo levantar para ir ao colégio. O problema era tão sério, que ele chegou a repetir alguns anos porque não conseguia levantar cedo para ir às aulas na parte da manhã. Resultado: tiveram que matriculá-lo no curso da tarde. Não que isso melhorasse muito coisa, não; não melhorou, mas pelo menos ninguém começava o dia estressado ao tentar fazê-lo levantar da cama.
O problema percorreu todo primário, ginásio e segundo grau. Quando arrumou o primeiro emprego, os pais desistiram de sonhar com uma faculdade. O problema continuou, mas, aí, como ele já era adulto, entregaram a situação para Deus. Só Ele mesmo é que daria jeito na preguiça do filho, falavam, conformados.
A vida de Morfeu se resumia, então, a dormir a maior parte do tempo, ficando acordado o suficiente para ir bater o ponto de oito horas no trabalho. Mas, mesmo lá, na hora do almoço, ele dava o seu cochilinho, porque, afinal, ninguém de ferro!
Contudo, a vida de Morfeu se transformou quando chegou ao escritório uma nova funcionária: Sonia Terezinha Madeira de Carvalho Brandão. Era uma menina tímida, que tinha olhos enormes, meio arregalados, e olhavam para o mundo como se tivesse acabado de receber um susto de algum engraçadinho. Não era bonita, mas também não se poderia dizer que fosse feia; isso certamente ela não era. Talvez faltasse um pouco de cor na face, um batom mais vermelho, uns dez centímetros a mais no quadril, uns 25 no busto, uma atitude mais... como direi?... uma atitude mais firme na vida. Sim, é isso. Faltava a Sonia uma atitude pró-ativa na vida. Muito magra, muito pálida e com aqueles dois olhões, não era uma figura feminina que despertasse interesse imediatamente. Não, não era. Contudo, entre uma cochilada e outra, Morfeu a notou. Na verdade, o dorminhoco de plantão não notou Sonia primeiramente, não. Ele ouviu comentários sobre ela, para depois notar sua presença. Uma tarde, logo depois do almoço, quando ele estendeu tanto a siesta que seu chefe lhe chamou a atenção, Morfeu estava tomando o seu cafezinho básico, para ver se espantava o sono, quando ouviu a maledicência entre as fofoqueiras da rádio corredor, envolvendo o nome da mais nova contratada da firma. O que mais chamou a atenção de Morfeu foi quando ouviu que Sonia sofria de um grande mal, a insônia. As comadres atribuíam sua fragilidade física e emocional – por isso sua aparência, seus grandes olhos arregalados, sua constante tensão – à doença crônica que a quase beldade tinha.
Morfeu ficou curioso e começou a olhar Sonia com olhos mais... como direi?... compridos. Contudo, o rapaz era muito tímido. Ele tinha pouca experiência no trato com o sexo oposto, já que passava a maior parte do tempo dormindo. Morfeu não trocava sua cama por hipótese nenhuma para ir se balançar numa balada. Não! A cama era seu lugar predileto, sempre. Porém os colegas de trabalho começaram a notar os olhares de Morfeu, já que Sonia, com aquele jeitão estressado, nunca notaria mesmo. Notaram e incentivaram que o dorminhoco de plantão se aproximasse da quase beldade. Mas sempre que surgia uma oportunidade, Morfeu rateava, saía de escanteio, pulava fora, sartava de banda, enfim, escapulia mesmo. Um amarelão, era o que diziam os homens do escritório.
Mas o final de ano estava chegando, e os funcionários se arregimentaram para planejar uma estratégia de guerra para juntar o casal de quase pombinhos. Sim, porque, com aqueles dois, só mesmo um detalhado plano de combate para derrubar a artilharia inimiga. Sabe como é, final de ano, em festa de escritório, as pessoas sempre ficam... como direi?... mais soltas, mais livres, mais desinibidas, mais... ah, você já entendeu o que estou falando, né ? Pois é.
Então, resolveram oferecer várias opções de bebidas na festinha do escritório. Sonia já dizia para Deus e o mundo que não gostava de bebida alcoólica e que a única exceção era um ponche de maçã, bem fraquinho, a que ela se aventurava uma vez por ano, normalmente no Natal. Sabendo desta fraqueza, os colegas dos dois pombinhos logo incluíram na carta de bebidas o drink preferido da quase beldade. Detalhe: a bebida da moça estava devidamente batizada. Morfeu também nada bebia, pois imagine uma pessoa com tanta facilidade para dormir bebendo? No primeiro gole já cairia para trás. Contudo, os colegas do escritório – mal intencionados – colocaram um energético no seu vinho tinto e aí... Nas primeiras cinco horas, o dorminhoco de plantão ficou mais aceso do que fogueira de São João. Com essas duas estratégias de guerra, juntar o casal poderia parecer aos desavisados uma coisa fácil. Não foi, ambos ratearam, ratearam, cada um num canto do escritório. Mais soltinhos, é bem verdade, mas ainda sem coragem suficiente para se aproximarem.
Você já viu história de amor de filme romântico sem trilha sonora? Não, certo? Pois é. Algum romântico de plantão decidiu escolher uma trilha sonora para incentivar a aproximação. Quando os primeiros acordes de Roberto Carlos começaram a ecoar no salão, os olhares de Morfeu e Sonia se encontraram e aí, meu amigo, o Cupido fez o seu trabalho, direitinho, direitinho.
Bem, para encurtar esta prosa, pois estou me estendendo muito: em menos de seis meses estavam os dois subindo ao altar. Claro que o escritório foi em peso e cada funcionário atribuía a si mesmo a ideia de juntar o mais novo casal.
Resumo da ópera: depois que Sonia caiu nos braços de Morfeu, nunca mais sofreu de insônia. Por sua vez, Morfeu, desde que beijou Sonia, não conseguiu dormir com tanta facilidade assim. Hoje ele continua na firma, só que no cargo de chefia. Fez faculdade de Administração de Empresa, pós-graduação em marketing e MBA em gerência. Sonia saiu do escritório. Optou por cuidar dos pimpolhos: Soninha e Júnior.
E foram felizes para sempre, acredite.

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