quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Alexçandra

Ela nasceu para ser uma estrela a brilhar no céu infinito da constelação artística.

Era assim que dona Judith se referia à pequena que saiu de suas entranhas. Desde que ficou sabendo que estava grávida, a jovem mãe já profetizava que seu rebento faria a diferença no mundo.

Por isso, a escolha do nome foi meticulosamente planejada e, depois de muitas e muitas pesquisas em revistas e livros comprados nas bancas de jornal, decidiu que a pequerrucha se chamaria Alexçandra Sylva e Souzza.

Deste jeito mesmo. Juro!

A pequena Alexçandra Sylva e Souzza já trazia na grafia do nome toda a singularidade que o olhar materno bradava a quem quisesse ouvir.

Dona Judith, depois de noites em claro, calculando qual o melhor nome para combinar com os sobrenomes de sua família e do marido, chegou ao denominador comum de que a alcunha da filhota deveria ter a letra “z” do sobrenome dobrada, e que o “x” ao lado ao “ç” traria uma abertura para o infinito. O cedilha do “c”, aliado à perna do “y”, era como se fosse uma antena para captar energias positivas conspirando para o brilho estelar da pequena infante.

Além disso, para ajudar um pouco mais, Judith resolveu colocar um “e” entre os dois sobrenomes, para que o epíteto tivesse mais glamour e status.

Toda família chique tem um “e” unindo os sobrenomes, não é mesmo? Nem todo mundo concorda, mas esta era a opinião da mãe da little star.

Com tanta certeza no peito materno, a pequena não teve outro caminho a seguir: seria miss-atriz-modelo-apresentadora-instrumentista-cantora-bailarina.

Desde muito pequena, a mãe já matriculou a menina em diversas escolas: modelo, teatro, balé, jazz, danças cigana e afro, sapateado, piano, guitarra, teclado, violino e canto. A genitora carregava a certeza absoluta de que sua girl seria a primeira da turma em todas as matérias.

Não foi bem isso o que aconteceu... mas a mãe, orgulhosa da cria que gerou, acreditava piamente de que as professoras estavam de implicância e inveja ao não reconhecerem o talento enorme e estrondoso de sua filha.

Alexçandra era uma criança adorável, como toda criança é, e que carregava em si toda a potencialidade do mundo. Contudo, convenhamos!, estava muito longe de ser a nova Shirley Temple ou a versão feminina do século XXI de Michel nos áureos tempos dos Jackson Five!

Alexçandra não teve a oportunidade de escolha.

A mãe jurava de pé junto que desde muito pequena a filhota já pedia para ser fotografada e queria sempre estar à frente das outras menininhas de sua idade. Ainda nem engatinhava e só parava de chorar quando ela ou o marido davam um microfone de brinquedo para pequena se entreter. Nunca houve na história deste país bebê com mais suingue do que Alexçandra ao balbuciar:

- Badabadá, badabadá, badabadá!

Antes mesmo de completar um ano de vida, a pequena já era inscrita em todos concursos de pomada contra assadura para bebês.

Depois, maiorzinha, começou a fazer desfiles e participar de concursos de beleza, tal qual aquela menininha de filme de Hollywood.

A diferença é que Alexçandra nunca concorreu ao Oscar, mas isso era uma injustiça, porque se ela tivesse nascido na terra do Tio Sam, certamente a história seria outra, dizia sua mãe, cheia de empáfia.

E foi assim, de ano a ano, que a jovem Alexçandra foi crescendo mimadinha e se firmando, ou pelo menos tentando se firmar no mundo artístico.

Sempre conseguia papéis secundários no teatro, cinema, TV e propaganda, até que um dia ela conseguiu passar num teste para ser a atriz principal de um drama destes modernos, tipo “cabeça”, que só gente muito inteligente é capaz de entender, ou finge melhor que entende do que nós pobres mortais.

A meia dúzia de quatro intelectuais presentes adorou a trama e teceu enormes elogios à peça em cartaz. Com isso, Alexçandra Sylva e Souzza foi elevada ao patamar de estrela-teen precoce, por encabeçar um texto tão maravilhosamente hermético.

Como acontece frequentemente, as pessoas começaram a ir ao espetáculo porque, afinal de contas, só os inteligentes é que iam a este tipo de teatro, e como ninguém queria admitir ignorância e burrice, uma fila imensa se formou, e Alexçandra era a cada noite mais e mais ovacionada em cena.

Em pouco tempo, a televisão a chamou e aí ela, que dava uns trinta autógrafos a cada noite, começou a dar centenas por dia. Era uma estrela agora, com todas as letras maiúsculas – sempre fazendo o mesmo papel é bem verdade.

No meio disso tudo estava o orgulho de dona Judith. Seu orgulho era tão grande, que era capaz de chegar vinte minutos antes dela entrar num ambiente.

A mãe de Alexçandra Sylva e Souza dizia a quem quisesse ouvir que sempre teve certeza absoluta de que sua pequena seria alguém que brilharia na constelação, no meio de outras estrelas de maior grandeza. Dona Judith batia no peito como deve bater qualquer mãe de miss-atriz-modelo-apresentadora-instrumentista-cantora-bailarina.

Alexçandra, como toda boa estrela que se preze, começou a exigir regalias para seu camarim, tanto no teatro, como na TV, no cinema ou em qualquer evento de que participasse.

Os itens mais frequentes de sua longa lista eram:
* quinhentas toalhas brancas e felpudas;
* dez caixas de água Perrier,
* arranjos de rosas cor-de-rosa (caules longos) e brancas (caules curtos), que deveriam seguir os modelos das fotos enviadas por seu personal-florist,
* filés de tilápia,
* mixed nuts,
* sucos e chás orgânicos,
* uma espreguiçadeira,
* um espelho da Baviera,
* cinquenta quilos de gelo feito com água mineral de Caxambu,
* a ausência de qualquer coisa em roxo no seu camarim ou roupa,
* os móveis deveriam ser de material orgânico
* e o camarim deveria estar sempre com o ar-condicionado ligado à temperatura de 15ºc,
* balas e jujubas diet
e outras cositas mais porque ninguém é de ferro, né, nega?

De mimadinha, Alexçandra passou a ser uma estrela temperamental.

A assessora de imprensa (sim, ela contratou uma, bem como um personal stylist) da jovem estrela sempre se desculpava devido aos atrasos e petis que a filha de dona Judith dava, alegando estresse.

Houve alguns casos que foram abafados, como a vez em que ela avançou e arranhou a cara da cabeleireira que fazia seu penteado de época. A alegação dada é que a profissional tinha colocado a flor do lado errado.

Teve também aquela vez em que Alexçandra bateu com o microfone na cabeça do operador de som, o que não teve grandes consequências, graças a Deus, só um traumatismozinho craniano leve, bobagem pouca! Enfim, Alexçandra Sylva e Souzza se tornou um entojo.

Sua assessora de imprensa penava por ter que abafar os casos e conter o temperamento difícil da estrela. Mas como ela era uma profissional gabaritada e cheia de contatos, Alexçandra sempre aparecia em campanhas humanitárias, doando pipoca para as crianças abandonadas, ração para gatos e cachorros em canis públicos e posando ao lado de velhinhos nos asilos.

Muito fofa!

Em todas as fotos, dona Judith dava um jeito de aparecer como papagaio de pirata da filha. Às vezes dava certo; outra vezes, gentilmente era convidada a ficar de lado, sem aparecer na foto.

Dona Judith, inclusive, abriu uma página numa rede social com o seguinte título: “Sou mãe de Alexçandra Sylva e Souzza”. Não é que bombou?! Em poucos meses, a genitora da estrela já tinha milhares de seguidores.

Claro que a página de Alexçandra, feita pela sua assessoria de imprensa, bombava muito mais, mas Judith não se importava com o sucesso maior do seu rebento.

Vou te contar um “bafo”: dizem à boca pequena que Alexçandra não tinha autorização de escrever nada na sua página virtual, para não danificar sua imagem tão duramente construída pela equipe. Todas as mensagens fofas e carinhosas eram criadas pelos competentes profissionais. Mas isso é tudo bobagem mesmo, coisa de gente invejosa, que não conseguiu um lugar no firmamento!

Com tanto sucesso, tanto prestígio, tanto poder, a mãe da celebridade estava mais feliz do que pinto no lixo, até que chegou um dia em que a casa caiu.

Sim. Veja você: tudo tão maravilhosamente planejado por dona Judith e depois pela equipe de produção de Alexçandra desmoronou quando a jovem, já com vinte e cinco anos, decidiu ir para o Tibet ser monja budista ou qualquer coisa que o valha. Queria sair da vida de brilho para buscar “sua essência interior” etc. etc. etc. etc. etc. etc..

Ninguém entendeu nada: diretores, colegas de trabalho, assessoria de imprensa, público, jornalistas e, principalmente, a mãe, dona Judith.

Se Alexçandra tivesse sido atropelada por uma manada de elefantes brancos tendo em cima de cada animal uma irmã carmelita descalça do Tibet, a notícia não teria tido tanto impacto no coração da senhora Judith Silva Souza.

Coitada!

Dava pena de ver o desespero da genitora, que não aceitava a “morte” profissional da filha, que se retirava para o exílio espiritual. De nada adiantou chorar, bater no peito, rasgar a roupa, ameaçar se jogar do primeiro andar do apartamento em que morava, se descabelar de tudo que é forma. Alexçandra virou as costas e foi embora, buscar sua essência interior. Simples assim.

Como isso é muito raro, uma celebridade abandonar o estrelato por vontade própria, a mídia passou a seguir os passos de dona Judith, tentando entender o porquê de uma atitude tão drástica da jovem atriz.

Com isso, Judith começou a aparecer em revistas e programas de TV para explicar, ou tentar explicar, a situação. Uma revista de celebridades a convidou para fazer uma reportagem num castelo francês, onde a mãe pôde falar pela enésima vez que a filha buscava seu lado espiritual. Judith garantiu que, assim como ela, a filha que nunca foi ligada às coisas mundanas.

Não é que a velhota, quer dizer, a senhora da terceira idade, começou
a bombar mais e mais? Foi chamada para abrir ou fechar desfiles da Fashion Week de São Paulo e do Rio?

Te mete!

Logo dona Judith aproveitou a equipe (que já assessorava a filha) em proveito próprio e em menos de seis meses já estrelava uma peça de teatro de um cânone universal, um texto de Tchekhov; além de ser convidada para aparecer na telinha da TV.

Não quero falar da “falecida”, que Deus tenha Alexçandra na paz celestial do Tibet, mas a mãe dava de dez a zero no quesito interpretação! Muito melhor do que a filha temperamental! Muito, muito melhor!

E foi assim que todos foram felizes, cada um do seu jeito. Alexçandra tornou-se monja, raspou a cabeça e se veste de roxo, uma cor ligada à espiritualidade, e é feliz na montanha gelada do Tibet, enquanto sua mãe brilha nos palcos, telonas e telinhas pela vida afora.

Sabe não?
Ela está cotada para concorrer ao Oscar como melhor atriz de filme estrangeiro. Uma interpretação notável teve Judith Silva Souza.

Ela não quis utilizar a grafia do nome da filha. Consultando um místico, ele sugeriu que ela deixasse a grafia do jeito que era mesmo, sem papagaiar muito.

Judith Silva Souza era um nome nascido para brilhar e brilhou mesmo!


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