domingo, 29 de abril de 2012

O Paladino

Ele nasceu para ser paladino.

Nasceu para ser O defensor dos “frascos e comprimidos”. Seu nome tinha até a pompa de um cavaleiro vindo ao mundo com uma missão maior: Carlos Magno!


Desde tenra infância, lá estava ele a defender gatos de cachorros, cães de felinos, meninas de meninos, garotos de garotas; um verdadeiro mini-herói, pronto para usar sua capa e espada infantis em defesa do mais frágil.

É bem verdade que nem sempre ‘o frágil’ queria ajuda, mas ele nem perguntava, ia defendendo e pronto. Se houvesse queixa, saía indignado, com o peito retumbante de orgulho, não entendendo a ingratidão que vigora no mundo. Fazer o quê, né mesmo? Paladino tem sempre como destino ser um incompreendido; ele não era exceção.

Quando ficou maiorzinho, saiu em defesa de coisas maiores: afinal, vivemos num mundo onde os micos-leões-dourados e as baleias-brancas precisam ser salvos, a floresta da Amazônia também e até aquele casarão caindo aos pedaços, que só tinha a fachada, é de suma importância para a vida de todos do planeta Terra. Neste momento, surgia a figura de Carlos Magno, pronto para defender tudo e todos que precisassem (ou não).

Por favor, não pense que estou criticando quem realmente busca salvar o dourado dos micos, os mamíferos aquáticos albinos, o pulmão do mundo e até aquele sobrado decadente. Não, não é isso. Falo apenas do paladino Carlos (fora de época) Magno, que nasceu para envergar a capa e a espada em pleno século XXI.

É bom que se diga que ele não era uma figura romântica, tal qual um Dom Quixote perdido nas veredas do mundo. Não, ele não era.

Falarei à vera: era um chato. Grande chato. Extremamente chato. Um chato de galocha, como se dizia no tempo da minha mãe. Um chato… bem, você já entendeu. Pois é. Carlos Magno sempre iniciava suas frases com expressões do tipo:

– Se eu fosse você…

Ou:

– Eu no seu lugar…

Ou ainda:

– Ah, mas você deveria fazer assim…

Não podemos esquecer também da frase que ele mais gostava de repetir:

– Faça dessa maneira …

Carlos Magno tinha conselho para tudo. Era capaz de explanar – durante três horas seguidas – sobre como salvou com seus conselhos o escondidinho de carne seca da sua vizinha do 303. Ele sabia tudo e tinha a resposta salvadora para qualquer pessoa, para qualquer perrengue. Eu disse qualquer, qualquer mesmo!

Quem não o conhecesse poderia até comprar sua figura, mas depois de algum tempo a pessoa já se conformava com estar realmente diante de um chato.

Foi assim com Creusa. Ela “comprou” a figura de Carlos Magno no início e, depois,… xiiiii… Nem te conto!

Mudando um pouco de assunto: você não acha que Creusa com “r” parece errado? Eu sei que nome próprio é complicado, cada um escreve do jeito que quer, e o cartório deixa passar, mas sempre achei que escrever Creusa é o mesmo que dizer Framengo. Você não acha não?

Bem, não importa. O que eu queria dizer é que foi assim que Carlos Magno conheceu aquela que viria a ser a mãe amantíssima de seus filhos.

Pois é, chato também se casa, se reproduz e pode, até, morrer dormindo. Eles, os chatos, estão soltos pelo planeta, e sempre cruzaremos com um paladino pelos corredores do mundo, quando não os encontrarmos na nossa própria casa!

Quando conheceu Carlos Magno, Creusa o achou simpático (tem chato que à primeira vista pode ser simpático), tinha boa presença – não era lindo de morrer, mas ela também não era nenhuma Vênus de Milo… –, falante e sempre querendo salvar qualquer um que encontrasse pela frente. Ele tinha, aparentemente, todos os ingredientes necessários para ser aquele príncipe encantado do subúrbio que ela queria encontrar. Encontrou. Mas a jovem enamorada estava tão carente, que não deu bola para as pequenas intuições que vagavam como diminutos relâmpagos repentinos em sua mente, alertando-a de que aquele príncipe, na verdade, era um sapo disfarçado. Resultado: casou-se.

Eu queria completar a frase com “e eles foram felizes para sempre”, mas, convenhamos!, quem se casa com um chato nunca, eu disse nunca!, será feliz, ainda mais para sempre! Tenha dó!

E a coitada da Creusa se casou de véu, grinalda e rosas vermelhas (ela achou cafona usar flores de laranjeira), bufê e salão de festa da igreja alugado para o grande evento. Tirou fotos com os padrinhos da noiva e os do noivo, jogou o buquê e foi passar a lua de mel numa praia paradisíaca no Nordeste brasileiro, viagem paga – por boleto bancário – em trinta e seis meses. Tudo certo, mas, no final do primeiro mês de casamento, ela já tinha confirmado a certeza de que havia realmente se casado com um chato. Ora, veja você a decepção da criatura!

Então, a jovem senhora entubou a decepção e seguiu com a vida, aguentando com paciência de Carmelita Descalça em penitência todo aquele blá-blá-blá interminável a lhe rondar os dias e as noites.

Não demorou muito, o Júnior chegou; dois anos depois, Creusinha Priscila; e, para coroar o clã familiar, o caçulinha, Maicon Aparecido. A família estava formada, e Creusa pôde constatar que aquele ditado antigo que diz que “filho de peixe peixinho é” não podia ser mais certo. Eita, crianças mais chatas! E olha que era a própria mãe falando dos anjinhos! Imagine então a vizinhança!

Mais uma vez a 'tadinha da Creusa entubou a situação, e assim os anos foram passando, passando, e a pobrezinha aguentando, aguentando, aguentando a cada amanhecer aquele karma, aquele inferno astral que o destino lhe tinha pregado.

Tenho uma teoria de que o que a pessoa é na juventude, com a idade, a característica, sendo boa ou má, se intensifica. Então, o velho chato foi um jovem chato. Carlos Magno, com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais chato; os filhos, crescendo, tornaram-se também mais e mais chatos; e, no meio daquela chatice toda, estava a pobrezinha da Creusa. Ela foi acumulando, acumulando, acumulando ressentimento e mágoa, até que um dia, os filhos já crescidos, ela não aguentou mais e deu seu grito de independência. Arrumou um amante, uns vinte anos mais novo, e colocou um baita par de chifres na cabeça do chato do marido ex-amado.

Sabe como é, existe uma satisfação maquiavélica em saber que um chato se deu mal. Se a notícia é de que o chato virou corno, então, o prazer, literalmente, é maior!

Quando a vizinhança e os colegas da repartição souberam que o chato do Carlos Magno era portador de um ditoso par de chifres, ah, eles vibraram de satisfação e deram vivas, exaltando o nome da dona Creusa!


– Bem feito! – é o que diziam com um sorriso de gato que acabou de comer sua presa.

Se Carlos Magno já era chato na vida normalmente, imagine quando descobriu que era corno, que a mãe amantíssima de seus filhos o tinha traído? Xiii… quando alguém o via se aproximando, saía de fininho, para evitar ouvir as lamúrias. Sim, porque naquela época dona Creusa já tinha saído de casa e montado apartamento com o jovem mancebo.

Carlos Magno ficou deprimido, não se conformando com a situação. Dizia até que perdoaria a traidora, aceitando-a de volta ao santo lar. Os chatos dos filhos não aguentaram a chatice do pai; saíram também em disparada, não sobrando nenhum, nenhum mesmo!, para dar o conforto material e espiritual à figura paterna.

Com isso, ele virou um farrapo humano: barba crescida, cabelo sem corte, olheiras profundas, de pijama o dia inteiro, rondando a casa, que estava uma verdadeira zona sem a mão firme da dona Creusa a comandar aquele lar.

Além disso, ele trocava o dia pela noite e, no final, acabou despedido da repartição por justa causa. Carlos Magno nem ligou:


– Minha vida está acabada mesmo! – dizia o chato do corno, dramaticamente.

Até parecia que ele era o único corno do mundo; como todo chato que se preza, era dramático e superlativo.

Cada vez mais fundo no poço da depressão e da autopiedade, parecia que seu fim estava próximo, até que, numa madrugada, encontrou a salvação de sua vida: resolveu construir sua própria igreja e foi à luta.

A primeira providência foi transformar a sua moradia na mais nova igreja do pedaço. Foi fácil, e a procura, já na primeira noite, foi grande. Uns vizinhos chegaram ao local movidos pela curiosidade, porque conheciam o passado do chato do vizinho. Contudo, a maioria apareceu mesmo querendo ser salva.

Já no primeiro mês, Carlos Magno abriu quatro filiais nos bairros circunvizinhos.

Seis meses depois, já tinha trezentas e sessenta e cinco filiais no estado inteiro.

Sua conta corrente crescia a olhos vistos, e até o experiente gerente do banco ficou estupefato com tamanho crescimento financeiro em tão pouco tempo.

Sua vida realmente deu uma guinada completa, e hoje ele vive com a nova mulher, Shirley Matilde, o grande amor de sua vida, sua verdadeira alma gêmea, tão chata quanto ele! Teve mais três filhos com seu grande amor: Petrick Jorge, Melissa Matilde e Wallace Juarez. A feliz família mora num grande triplex de frente para o mar. Tem jatinho e helicóptero e já contratou um personal stylist e um assessor de imprensa. Carlos Magno pretende concorrer nas próximas eleições para o cargo de deputado federal.

E todos foram felizes para sempre!



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