terça-feira, 1 de abril de 2008

Calçada

Você já reparou, usando um termo da moda, o quanto de biodiversidade humana passa por uma calçada? Pois é… Tive esta consciência dias atrás, enquanto tomava um dos quitutes gastronômicos da barraca da Tia Maria, na Rua da Lapa. Tia Maria é uma baiana “arretada”, e entre os seus manjares está uma sopa de legumes com carne da melhor qualidade, de que sou fã de carteirinha.
Estava eu lá sentado saboreando minha iguaria quando comecei a reparar em pessoas de todos os tipos, passando pela retina. A Lapa é uma grande aldeia onde se encontram todas as tribos, isso já sei não é de hoje, mas fiquei pensando como pessoas tão diferentes poderiam circular num lugar relativamente pequeno – quer dizer, não é tão pequeno assim, mas é um microcosmo do mundo muderno em que vivemos.
Enquanto tomava cada colherada da deliciosa sopa, podia ver idosos, estudantes, jovens de diferentes estilos trafegando por aquelas ruas centenárias. O que mais me chamou a atenção foram os jovens, deve ser porque já não sou um.
Todo adolescente traz no seu DNA o gens da contestação. Eu também já fui jovem e vivi isso. No meu tempo (aí, ficando velho mesmo, já comecei a usar “no meu tempo!” Mas fazer o quê, não é mesmo?) os jovens contestavam, mas de maneira diferente. Iam pra rua, se vestiam de preto e pintavam a cara de verde e amarelo para tirar um presidente “collorido” do Planalto. Hoje, o que vejo é um bando de gente querendo ser tão diferente que acaba sendo igual.
Quer uma prova? Vou lhe dar. Há alguns anos, e não faz tanto tempo assim, quem usava tatuagem era um marginal. É bom que se esclareça que o sentido que estou dando a marginal é aquela pessoa que está à margem da sociedade, sem que este seja notadamente um bandido, ladrão ou político. É o que o sábio Drummond (salve, salve, mestre querido!!!) diz no seu poema: “Vai Carlos, ser gauche na vida”. Pois bem, só usava tatuagem quem era marginal. O rapaz que portasse na pele tal símbolo de rebeldia, ou era marginal, ou, então, marinheiro. Sim, porque os “garotos de família” não poderiam ostentar nenhum coração de mãe, ou o nome da mulher amada, ou, ainda, uma pequena lagartixa que se transformaria mais tarde num dragão. Mulher usando tatuagem? Nem pensar! Hoje não. Qualquer um usa tatuagem: patricinhas, mauricinhos, clubers, sambistas, executivos, empresários, gente de todas idades.
O que me assusta na tatuagem é a possibilidade de não apagar mais, de carregar aquela imagem eternamente – e o que é para sempre sempre me assusta. Quer dizer, tem até o laser, que tira a tinta do desenho. Contudo, a filha de uma prima minha fez o tratamento para tirar a fada que tinha perto da cintura e não deu muito certo. Tirou a tinta, mas a marca esbranquiçada do ser alado até agora continua lá, no mesmo lugar. Não sei se com o tempo o “troço” sai. Vamos ver!
Quer outro exemplo? Quantas pessoas você conhece que usam mais de um brinco na orelha? Muitas, não? De todas as idades, certo? E homem usando brinco? Vixe!
Pois é… Há pessoas que não se contentam com apenas dois brincos, mas colocam uma fileira ao longo da cartilagem da orelha. Estremeço só de pensar no trabalho que dá tirar um por um na hora de dormir! Se o(a) dito(a) cujo(a) não tira o adereço, deve ser horrível para dormir com aqueles ferrinhos incomodando em cada virada do travesseiro. Pelo menos assim imagino, sei lá… Ontem, descia o elevador do meu prédio e entrou um rapaz alto, o que as garotas chamam de “gato”: mais de 1,80 m, físico malhado, de capacete e roupa de motoqueiro. Até aí nada demais. Também adoro uma moto e sair com o vento batendo na cara. Contudo, uma coisa me chamou a atenção: ele tinha um brinco dentro do ouvido! Isso mesmo! Uma pequena argola dentro do ouvido, ali, dependurada na cavidade. Este é só um exemplo. Na busca de ser original, pois todos já usam brincos em diferentes lugares, se faz uma coisa dessas! Isso sem contar com aqueles que colocam pequenas bolinhas em cima, de baixo ou ao lado da boca.
Voltemos à Lapa. Tomando a sopa da tia Maria, passou por mim uma garota linda, com belíssimos olhos azuis, toda de negro, portando um brinco de argola na cavidade nasal, semelhante à vaca do tio Zezé. Quando era pirralho, passava as férias na sua fazenda no interior de Minas. Carrego boas lembranças daquele tempo… A vaca Miracema do meu tio era famosa na região, e consagrada campeã em vários torneios leiteiros. Uma pena! Não da vaca (que morreu de velha), mas da garota, que ofuscava sua beleza com aquele penduricalho em cima dos beiços. Quem a olhasse não repararia primeiro nos seus belos olhos azuis, na sua boca bem feita, na sua beleza juvenil, mas sim naquele troço que carregava, semelhante ao adereço da vaca Miracema.
“Mudanças dos tempos de uma Era Pós-pós-muderna”, dirão filosoficamente alguns. Pode ser. Eu não me acostumo à idéia. É a velhice chegando, inevitavelmente.

Nenhum comentário: