sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Em busca do tempo perdido (*)

Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo. Na casa do meu avô era comum que se dormisse com "as galinhas", como se diz hoje em dia. Naquele tempo não havia televisão ou qualquer outro entretenimento que levasse as crianças a deitarem-se mais tarde.

Acordávamos mal raiava o dia e corríamos para o curral. Tínhamos como tarefa ordenhar Miracema, a vaca leiteira premiada de vô Tonho. O que mais gostava era de tomar o leite acabado de sair de suas tetas. Quente, espumoso, uma delícia a escorrer goela baixo. Bons tempos, boas lembranças, fatos que não voltam mais, nem que se queira, mas que estão guardados na algibeira das lembranças.

Durante muito tempo, costumávamos almoçar às dez horas. Vó Lourdes sempre estava com a comida pronta, qualquer fosse o dia da semana, às nove e trinta. Os peões da fazenda levantavam cedo, esta era a justificativa que ela dava sempre que alguém da cidade se queixava que a comida poderia sair mais tarde. Costume de roça, de gente que acorda antes do galo e a que o povo da cidade não se acostuma de jeito nenhum.

Não me recordo de quando comecei a levantar tarde, acho que foi na época da boemia, quando o raiar do novo dia sempre me encontrava na rua ou na casa de alguma rapariga. Parece estranho, mas não sinto saudades desta época, e sim do acordar na casa de vô Tonho e vó Lourdes. Foram estes os melhores dias de minha vida. Dias em que o sol sempre brilhava, em que se comia fruta no pé, saboreando a juventude em gomos, deliciosamente.

(*) Texto inspirado no livro de Proust, Em busca do tempo perdido.

3 comentários:

Caca disse...

A saudade provém da história construída e ela nos fustiga na hora que vamos comparar o passado com o presente. Eu também morro de saudade desta época, muito mais do que qualquer outra. Muito bom, Carla. Abraços. Paz e bem

Toninho disse...

Linda esta lembrança Carla de um tempo de feliz idade, eu que bem vivi isto na casa de minha vó Cema(Iracema).Seguiamos no ritmo da roça,levantar cedo cuidar da horta e do caminho da água que vinha de uma grota, atraves de regos,que sempre enchiam de folhas.Era lindo tudo e ficou na memoria de menino feliz com tudo que via e vivia.Bom lhe ver por aqui.Um lindo fim de semana com paz.
Meu carinhoso abraço.
Bju de luz no seu coração.

VIVER COM ARTE disse...

Carla querida, a quanto tempo não visito seu cantinho... e que presente gostoso esse texto. Foi como voltar a ser pequena e rever meus avós me ninando através das suas lembranças. Lindo! Semana passada, eu escrevi sobre eles pela 1ª vez desde que se foram. Você me fez sorrir de saudade. Obrigada e boas inspirações para você. bjs