terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Bola fora

Quadra poliesportiva. Ensaio da escola de samba. Ambiente festivo, som muito alto, pessoas sambando e bebendo. O cinquentão Luiz está num canto, perto da cantina, tomando cerveja e mexendo o corpo discretamente ao balanço da música. Thiago, seu filho adolescente, está do seu lado. Ele tenta falar com o pai, que faz sinal de que não está ouvindo nada. Thiago mostra um grupo de adolescentes um pouco mais à frente e sinaliza que vai ficar com eles. Luiz faz sinal positivo.

    Thiago sai enquanto Luiz olha ao redor: um grupo de senhoras usando saias rodadas de baianas roda ao comando de um homem; crianças passistas sambam freneticamente, parecendo adultas; o mestre-sala dança em volta da porta-bandeira, num bailado delicado e reverente.

    Luiz continua olhando o ambiente, até que seus olhos encontram duas esmeraldas, que o encaram de volta. Luiz dá uma mirada de cima a baixo na jovem morena de cabelos negros e maravilhosos olhos verdes. Uma beldade feminina. A garota não era um pedaço de mau caminho, era o mau caminho inteiro.

    A morena olha sensualmente para Luiz. Ela segura um copo com um canudinho e sensualmente leva este aos lábios, sem tirar os olhos do cinquentão que, sem graça, olha ao redor, com “culpa no cartório”, como se temesse ser flagrado. Ao olhar novamente na direção onde a morena estava, Luiz nota que garota sumiu. Ele respira aliviado.

    Minutos depois, Luiz está bebericando tranquilamente uma caipirinha quando recebe um tapão no ombro. Olha para trás e dá de cara com o fanfarrão Rodolfo, seu grande amigo de infância e juventude.    

    – Luizão, sempre distraído, hem!
   
    – Rodolfo!

        Os dois se abraçam fraternalmente.

      – Há quanto tempo!
 
      – Mais de vinte anos. Você sumiu. Onde que você tava?

        Rodolfo coça a pança avantajada:

    – Ah, eu tava fazendo filho, casei, depois separei, abri uma revendedora de carro… – tira um cartão do bolso e o entrega a Luiz – Quando precisar trocar de veículo, me procura. Faço um preço camarada pro meu amigo de infância e juventude!

          Luiz pega o cartão e lê:

     – Nossa, quanta loja!

    – Pois é. Alguma coisa boa saiu do meu primeiro casamento. Ficava mais na loja do que em casa, e aí a empresa prosperou. E você? Casou?

    – Casei. Meu primeiro casamento também não foi bom, durou só alguns meses. Mas o segundo já tem 20 anos. Aquele ali é meu filho – aponta Luiz para Thiago, que ainda está entre amigos.

        Rodolfo sorri, dá um tapinha no ombro de Luiz e pergunta:

    – É pegador? Tomara que não tenha puxado você, porque na nossa época você não pegava nem gripe – Rodolfo ri da própria piada.

    Luiz, sem graça, ri desajeitadamente.

    – Eu também casei pela segunda vez. Dizem que na segunda é melhor do que na primeira, né não?! – comenta, fanfarrão.
   
        – É o que dizem! – garante, sorrindo. – Rodolfo, peraí que vou tirar uma água do joelho! Volto já.

    Rodolfo sorri.
   
    – Vai lá. Enquanto isso, vou procurar minha mulher pra te apresentar.

    Enquanto mija, Luiz olha ao redor, com cara de nojo, o banheiro masculino da escola de samba. Chega um negão e começa a urinar ao seu lado. Luiz, disfarçadamente, com o rabo do olho, nota o documento do negão, mas tira os olhos rapidamente, antes que o cara perceba.

    Luiz sai do banheiro e de repente é puxado pela camisa para um corredor meio escuro e empilhado de engradados. A morena que o estava paquerando joga-o contra a parede e o beija violentamente, deixando Luiz sem fôlego.

    – Gostosão! Tava doida pra fazer isso!

    A morena começa a abrir a camisa dele. Luiz tenta sair e argumenta, sem convencer nem a ela e nem a si mesmo:

    – Para!...... Sou casado......... Pai de família!... Não sou disso, não!...

    Mas a garota abre os botões de sua camisa e vai dando beijinhos na pele que vai aparecendo. Luiz se rende, sem lutar nada. A garota vai beijando cada vez mais para baixo. Luiz dá um murmúrio em êxtase.

    Luiz sai do corredor ajeitando a camisa. Rodolfo se aproxima com dois copos de cerveja. Entrega um para Luiz.

    – Toma.
   
        Os dois bebem em silêncio.
   
    – E como vai a nova vida de casado?

    – Uma beleza! Minha mulher faz tudo por mim!

    Alguém se aproxima por trás, e eles ouvem um barulho de beijo no pescoço de Rodolfo. Ambos se viram imediatamente, e Luiz vê que é a mesma morena que o pegou na saída do banheiro.
   
    – Luiz, esta é a minha mulher, Mariana!

    Luiz mostra surpresa. Ela oferece a mão para ele e diz, num sussurro rouco e sensual:

    – Muito prazer!

    Ainda com cara de surpresa, ele tenta disfarçar, mas a garota o provoca. Sem que Rodolfo perceba, Mariana passa a língua nos lábios úmidos. Luiz engole em seco.

    Sem notar o charme que Mariana joga ao amigo, Rodolfo segura a cintura da mulher e faz planos.

    – Vamu marcar um churrasco lá em casa, assim as patroas se encontram. Falando nisso, cadê a sua mulher? Deixou você voar sozinho, é? A Mari não deixa eu sair sozinho não, né, princesa? – pergunta Rodolfo dando um beijinho rápido na boca da mulher.

    Mariana retribui o beijo do marido, mas continua jogando charme para Luiz, que está cada vez mais sem graça.
    Thiago salva a situação ao se aproximar do grupo.

    – Pai, me dá uns trocados.

    Luiz tira a carteira do bolso e escolhe as notas, enquanto Rodolfo comenta:

    – Seu filho é boa pinta. Deve ter puxado à mãe porque, se dependesse de tu, saía um cruz-credo! – Rodolfo solta uma gargalhada alta.

    Thiago e Luiz se entreolham. Luiz dá o dinheiro ao filho e sorri sem graça para Rodolfo. Thiago sai.

    Mariana, de unhas vermelhas, segura o braço de Luiz e recrimina meigamente o marido.

    – Ah, tchutchuco, não fala mal assim, não, do Luiz. – ela acaricia sensualmente o braço dele. – Seu amigo parece um gatinho abandonado. Só precisa de um colinho bem quentinho.

    Mariana dá uma piscadela para Luiz, discretamente, enquanto Rodolfo ri.
   
    – Que nada, princesa! Eu e o Luiz somos amigos há muito tempo, e bota tempo nisso! E macho que é macho não fica melindrado por bobagem, não. – estufa o peito. – Mulher tem que ser bonita, mas macho tem é que ser viril. Não é, Luizão?!

    Ouve-se alguém dar um beijo no pescoço de Luiz. Todos olham para trás e dão de cara com Carlos Alberto, um moreno de olhos azuis e de barba ficando grisalha.

    Rodolfo e Mariana trocam olhares de espanto.

    Luiz e Carlos Alberto trocam um selinho e Luiz o apresenta para o casal.

    – Gente, este é o meu marido.

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