sexta-feira, 27 de maio de 2011

Jogado

Fazia tempo que ele estava ali na estante da livraria, na sessão de contos e crônicas, mas ninguém, ninguém mesmo!, o comprava. Para dizer a verdade, sequer suas folhas eram folheadas.

Não era um livro cujo autor fosse famoso, não, não era. Era uma simples coletânea de autores anônimos que tentavam a sorte no mundo das letras.


O livro de contos ficava lá jogado, no meio da estante, esperando que um filho de Deus o olhasse e – doce ilusão! – o levasse para casa. Mas seu dia ainda não chegara e, para ser sincera com você, nem sei se chegaria, já que fazia tempo que o pobre do livro estava lá, perdido no meio de nomes como Machado de Assis, Gustave Flaubert, João do Rio, Moacyr Scliar... Gente importante, sim senhor! Gente de gabarito. Gente que é chique dizer que se leu, ainda que na verdade não se tenha passado da leitura da orelha. Como competir no meio de gente tão importante, não é mesmo? Não dá. Por isso o coitado do livro de contos ficava lá esquecido. Desde que foi colocado na prateleira, ninguém sequer o folheou. Já contei isso, não? Pois é, para você ver a solidão do coitadinho. Dava pena...


Também, convenhamos!, a capa não chamava a atenção de ninguém. Eu não quero falar mal, longe de mim fazer comentários depreciativos, mas realmente com aquela capa horrível não havia cristão que se aventurasse a passar os olhos nas histórias dos coitados dos autores.
E o título?! Vixe! Nem se fala! Parecia extraído de algum livro de romance-sentimental, desses que vendem em banca e têm sobrenome de autora estrangeira: Donald, Parker, Beverley, Jordan, Simmons, Roberts... Livros para moças, como diriam alguns.

Então, não é para falar mal, juro que não é, mas com um título daquele, ah, não havia jeito de atrair o leitor distraído e impulsivo, que comprasse um livro num momento de compulsão de ter e não de ser. ’Tadinho do pobre! Também, quem mandou colocar um livro desses num estabelecimento tão chique como aquele? Cá entre nós, eu acho que o dono da livraria quis agradar algum conhecido colocando na prateira aquele livro de contos de autores anônimos. Se contar isso para alguém, eu vou jurar que é mentira, mas que deve ter sido isso, ah deve!, porque não há nenhuma explicação para colocar o irrisório livreco naquela prateleira da livraria chique.


E o infeliz e desventurado do livro fica lá na estante, esperando que alguma musa de Homero – ou mesmo de Hesíodo, vá lá – inspire um leitor a folheá-lo, cumprindo, assim, minimamente seu destino: ser lido.

2 comentários:

Caca disse...

Ah, Carla, seria cômico se não fosse trágico. Tem momentos que eu acho que precisamos de uma força do além para que caiamos nas graças dos minguados leitores que há nesse país. A batalha é gigantesca, de fato, para os desconhecidos. Mas isso não pode desanimar quam gosta realmente de escrever. Há uma história muito engraçada do João Ubaldo Ribeiro nos seus inícios como escritor. Ele ficava na porta da única livraria de Salvador que aceitou colocar seu livro à venda. Fazia-se passar por um comprador qualquer e sempre que havia alguém por perto, pegava o livro na estante e ficava-o indicando, dizendo conhecer o autor e considerá-lo muito bom!

Abração. paz e bem.

Berzé disse...

Pelamordedeus!Onde fica essa livraria?E o nome do livro?
Abração!
Berzé