segunda-feira, 26 de julho de 2010

Encapotada - Série "Eu me lembro muito bem..."

Eu me lembro muito bem de um casaco que minha vó Maria usava. Era grande, pesado, próprio para os invernos rigorosos de São Paulo. Acostumada com o calor das praias cariocas, aquele casaco com estampa xadrez em preto e branco sempre me lembrou aconchego. O xadrez era pequenininho e, quando o via sendo usado por vó Maria, ficava contando os quadradinhos sem nunca ter chegado a um resultado.
Quando ela saía de noite e eu ficava em casa, tinha a certeza de que na volta os bolsos dela trariam pequenas guloseimas, como um saco de pipoca ou amendoim, balas, jujubas ou alguma cocada preta, a minha preferida.
Nada melhor havia para uma menina de sete anos do que sentar em seu colo e ser envolvida pelos braços amorosos, com o corpo aconchegado no casaco. Ele se transformava num grande cobertor, em que meu corpo e o de vó Maria eram protegidos do frio.
Anos mais tarde, quando viajei para a Europa e enfrentei em Paris um inverno rigoroso, fui obrigada a procurar um casaco num brechó, já que em tempos de estudante a grana era curta e as compras não podiam ser feitas nas ricas boulevards.
Caçando uma roupa apropriada que diminuísse o frio de uma carioca tropical, encontrei um casaco semelhante ao de vó Maria. Não igual, porque o xadrez francês era um pouco maior. Mas pode-se dizer que os dois casacos eram primos-irmãos. Levei-o para casa e, durante todo aquele inverno infernal e os que se seguiram, usei-o. A saudade ficou mais fácil de ser suportada. Tinha o aconchego proustiano a me envolver.
Vó Maria morreu há décadas. Seu casaco não sei que fim levou. Mas o meu continua guardado no armário e, quando a saudade bate forte, ligo o ar-condicionado na potência máxima e vou dormir encapotada.

5 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia, Carla.

Li e gostei da Encapotada.
Pensei que fosse uma lembrança verdadeira tua.
Depois vi que era uma história da escritora.

Abraços e beijos.

darquinha

Anônimo disse...

Carla adorei o seu blog!
Tentei postar um comentário e não consegui, não sou expert aqui.
Um grande abraço!
Apareça viu?

Sônia

Anônimo disse...

Senti um arrepio de saudades de muitas coisas que já passaram pela minha vida... procurei um casaco e encontrei o da minha mãe, meio creme, grande, daqueles parecendo de uma francesa. A foto foi tirada quando saímos para ir a uma feira-livre, ela estava tão linda, agora eu lembro da mistura do ar francês naquela manhã fria num bairro do Rio de Janeiro... Que pena eu não lembrar de ter deitado nele... Interessante, sempre que vejo um casado grande, destes que vão até o joelho, que parece um feltro quentinho, sinto uma vontade imensa de ter um...não sabia porque, agora eu sei... Obrigada Carla o seu texto iluminou a minha vida!
Sônia

Anônimo disse...

Senti um arrepio de saudades de muitas coisas que já passaram pela minha vida... procurei um casaco e encontrei o da minha mãe, meio creme, grande, daqueles parecendo de uma francesa. A foto foi tirada quando saímos para ir a uma feira-livre, ela estava tão linda, agora eu lembro da mistura do ar francês naquela manhã fria num bairro do Rio de Janeiro... Que pena eu não lembrar de ter deitado nele... Interessante, sempre que vejo um casado grande, destes que vão até o joelho, que parece um feltro quentinho, sinto uma vontade imensa de ter um...não sabia porque, agora eu sei... Obrigada Carla o seu texto iluminou a minha vida!
Sônia

Ana Lygia disse...

Carla, querida...
Como sempre, de uma delicadeza que emociona.
Beijo, amiga